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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
José Pacheco Pereira, que não costuma estar mal informado, insurge-se contra as finanças portuguesas. Enviaram-lhe uma comunicação e, entre outras coisas gravosas, vem esta em "acordês". Diz ele: "Isto foi corrigido para a ortografia portuguesa em vigor, porque o que lá vinha era "ativação", "efetue" e "eletrónica", tudo erros de ortografia. O Estado não respeita sequer a lei, visto que o Acordo Ortográfico não está em vigor.". Ou seja, coloca a questão da errada utilização pelo Estado da "nova" grafia, descendendo-a a ilegalidade. Estará certo?
Isto não é mera embirração. Se não é legal (ou, pelo menos, se não é correcto) que as instituições do Estado utilizem a "nova" grafia o que dizer da sua utilização no ensino oficial? Já aqui me questionei, como realizar o ensino do português, ainda para mais quando o governo anunciou que vai rever o actual acordo? Como ensinar os jovens numa grafia que não está decidida, e que nem sequer está legalizada?
Um pequeno detalhe ("anecdote"): esta semana terminou o segundo período de aulas do ensino português. Estive a corrigir o teste de matemática com a minha filha (9 anos, 5º ano). Num dos problemas estava questionada a "semirreta". Brincando li "semirrêta". A Carolina, que sabe destas minhas embirrações, mas ainda não tem idade para perceber que estas são mais com os admiradores serôdios do Acto Colonial, sonhando-lhe avatares, veros sobrinhos-netos de Salazar e netos de António Sérgio, mas sem o brilho dos antepassados, corrigiu-me com uma "semirréta". "Eu sei", confirmei, "estou a brincar!".
Ao que ela, certeira, e boa aluna, me respondeu: "a professora de português disse que o acordo ortográfico não muda a maneira de falar". Ao que eu lhe ripostei "e como aprendes tu a falar?". "A ler?!", percebeu ela. Aos nove anos.
jpt
Porque o meu pai é fã incondicional deste autor, comediante e produtor cinematográfico nascido na Alemanha em 1882 e porque, muito em breve, irá representar uma vez mais o seu texto “O Projector Avariado”.
( Karl Valentin) - O humor de suas peças reside entre o Dadaísmo e o Expressionismo. O seu trabalho centrava-se nos jogos de palavras e na sátira social. Ao que parece Bertold Brecht afirmou que foi Karl Valentin que o ensinou a escrever peças de teatro.
VA
O Sporting da Ilha de Moçambique e Ser Sócia, dois pequenos apontamentos que acabo de deixar no És a Nossa Fé!.
jpt
[Inauguração da Exposição "Na arte é preciso aventurar", de Shikhani. Fotografia de Carolina Pimentel Teixeira]
Foi inaugurada ontem, no consulado-geral de Portugal (Av. Mao-Tse-Tung). Concorrida, como mostra acima se mostra. Fazendo notar que há gente interessada na obra e na memória de Shikhani. Faisal tocou. Sitoe e Alda Costa aludiram ao pintor. A colecção mostrada, fundamentalmente constituída por obras de meados da década de 1990, é muito interessante. Parcelar, claro, mas verdadeiramente interessante (e invejável).
jpt (volante e texto) e cpt (telefone e fotografia)
Há mais de um ano já. Uma festa de crianças, aniversário de uma delas. Aconteceu na "Casa Macamo", um sítio belíssimo, o melhor miradouro de Maputo, um jardim lindo e vasto (qual será o seu futuro?). Para animar a festa surge Mário Mabjaia e o seu grupo. Absolutamente delirante, para miúdos e graúdos. Uma pequena peça: de quem é a casa acabada de fazer? de quem desmatou o terreno ou de quem veio depois e aí construíu? Debate imediato, veemente, gritado ainda que festivo, entre as crianças, surpreendentes noções de "justiça" se entendidas por lentes mais adultas.
Bertolt Brecht para crianças? Também, mas mais a discutir com as crianças a pertinência do Brecht.
Saí dali muito animado, claro. Coisa de pai de criança. Mas também coisa de quem viu Mário Mabjaia e os seus. Grande sessão de teatro. Que os miúdos recordam, já agora. Recordarão?
jpt
Enquanto tantos (e eu) - com tão mais recursos - se queixam das dificuldades impeditivas vai-se vendo gente fazer. A academia de pintura da Sofia Marchisio é coisa assim, já uma boa mão-cheia de anos a ensinar crianças (e alguns graúdos) a pintar. A conviver, a pintar e também a mostrar o que se faz, esta última dimensão, sempre festiva, sendo muito importante. É por isso, por essa sua vontade de mostrar, que a nossa filha poderá um dizer que com 9 anos agora completados já participou em três colectivas. No Instituto Camões, na Fortaleza de Maputo e, agora, na Mediateca do BCI, três "espaços nobres" da cidade. Que melhor?, aprender a pintar, aprender a mostrar, aprender a ir ver ... De parabéns a mestra.
Agora até sábado, 11 de Junho, na Joaquim Lapa (Mediateca BCI/Espaço Joaquim Chissano), está a mostra dos trabalhos dos alunos da Sofia, desde os 3 anos. Para os pais levarem os filhos. A fazê-los pintar (a todos). E corar, os que não pintam nem induzem.
Quanto ao resto. Não vem mal ao mundo mas não custaria nada um pouco de recato ao departamento de imagem do BCI. O banco cede a sua sala para uma actividade destas, patrocina o descartável. Só lhe fica bem, e cai bem no universo pequeno-burguês local (as aulas da Sofia não são caras, isto não é para "ricos"). Mas isto de intitular a exposição "Nós Somos Daqui", inclui-la na actual campanha publicitária "Eu Sou Daqui", meter as caras das criancinhas no pacote, é de mau-gosto. Os pais, orgulhosos das respectivas crias, nem se preocupam, até sorrimos a isso, e depois beijamos-las, às nossas e às outras, comemos as chamussas (que nós próprios levamos, que nestes casos é um pic-nic), conversamos, brindamos (com o nosso vinho) com a Sofia, respeitamo-la e dela gostamos. E compreendemos, louvamos como consegue tudo isto.
Mas ainda assim, alguém pode ensinar aos funcionários do banco a diferença (de bom tom, de bom senso, o tal charme discreto da burguesia) entre mecenato e publicidade?
Ou, como mostra o mundo, não há nada a fazer com os gajos dos bancos?
Mas, enfim, voltando ao que importa: Viva a Sofia! A quem os seus pupilos adoram.
jpt
Lisboa, 2011 como nos anos anteriores. Por todo o lado este lixo visual. A própria Câmara o utiliza para legitimar as suas práticas - o "ajardinar" dos prédios em ruínas na zona da Fontes Pereira de Melo (utilizando artistas internacionais, ali pelo menos desde Julho de 2010) sendo uma estratégia, "artística", para legitimar a especulação imobiliária numa zona nobre da cidade [a qual significa, num contexto intra-artístico, uma institucionalização do que foi uma recusa disso, donde uma cena falsária] tem também como efeito a legitimação/indução das "intervenções" "populares" do mesmo tipo que cruzam a cidade.
Repito, por todo o lado este lixo visual, tanto que me parece que os habitantes já nem notam, e até se espantam com o desagrado do visitante, ainda que "dono da terra". Os inintelectuais chamam-lhe arte, e falam de "apropriação". Sim, concordo, é uma "apropriação". A ser combatida. Não com coimas mas sim com trabalho comunitário (modo actual dos antigos trabalhos forçados). E com privação dos serviços estatais.
Ao meu primeiro dia de Lisboa guio da Av. da Liberdade à Praça da Alegria e daí ao Príncipe Real. Entre ruínas e estas merdas de grafitos a Carolina, 8 anos, há quase um ano sem vir a uma Lisboa que pouco conhece e algo imagina, lá do banco traseiro, enojada e tristemente supreendida diz-me "pai, afinal Lisboa é pior do que Maputo?!!!".
Os pais dela, amantes da sua cidade e também dela saudosos, resmungam isto do subúrbio ter conquistado a cidade. Melhor dizendo, a cidade está um subúrbio. Ou mais ainda, desta gente toda ser uma tropa de suburbanos.
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Havia convidados ao jantar, a família levou a pequena ao mercado do peixe. A aprender como é o que se come. Lulas vivas, aqueles tentáculos a prenderem-se, a tinta que se nos cola, caranguejos vivos, lagostas vivas, peixes mortos de múltiplas espécies. E um vermelho destes (ou ainda mais, que o Nokia é coisa fraca para as cores) na garoupa.
No fundo a aprender que mais vale preparar a comida do que comê-la ...
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["Pai, por que é que não disseste mais um palavrão?" perguntar-me-á a princesa (que não tem ouvidos, como boa proto-senhora que é). Como lhe explicar esta desmoralização que me mata o arreganho e a verve?]
jpt
Cada um tem o seu Malangatana. Carismático, inquieto e sempre tão disponível para as pessoas o convívio com ele produzia um incessante manancial de episódios, histórias sedimentado a personagem que cada um de nós, interlocutores, foi construindo. Cativante, sempre.
Hoje, agora mesmo, decorre o funeral em Matalana. E neste entretanto selecciono isto, o que mais quero guardar do Malangatana. Há uns anos soubemos que ele estava a trabalhar por lá, a desenhar um mural na sua casa. Sem avisarmos eu e Idasse avançámos com as nossas filhas (como elas cresceram desde aquele então). A ambas o logo auto-proclamado "vovô" encantou
Anteontem à tarde, na hora do lanche, mais um dente caiu à princesa. Como sempre foi momento grande, festivo, assinalando a transição, o crescimento feito (apenas imaginado, mas isso ainda não o sabe ela) ascensão. Mas ontem, pelas cinco e meia da alvorada, acordamos sobressaltados com a aflição filial irrompendo quarto dentro, a des-ilusão do crescimento afinal - a Fada dos Dentes não aparecera durante a noite. É a primeira vez que tal acontece, pois há anos que ela nos tem visitado, que se terá passado? Ainda para mais há pouco houve grande polémica sobre a sua real existência, a nossa princesa defendendo-a face a algumas colegas que a apregoam mera invenção.
Ficámos constrangidos, eu em particular. Talvez a ausência da fada se deva a esta minha crescente rude acédia, desta brotado alguma falta de culto. E a esse desrespeito assim responde, afinal cruel?, a Fada dos Dentes. Faltando, pela primeira vez, à sua recolha do objecto dental.
Como tentar remediar o acontecido, que posso eu fazer, um pai do século XXI? Investigo. E começo por ir ao Google. Pesquiso "Fada" e "Fada dos Dentes" e em ambos os casos a primeira possibilidade é o artigo Fada, na Wikipédia. Onde encontro o capítulo Fada do Dente. Que transcrevo:
Há uma tradição em Portugal, Canadá, em parte do Reino Unido e nos Estados Unidos e noutros países europeus, segundo a qual a "Fada do Dente" viria à noite para trocar o "dente de leite", colocado sob o travesseiro de uma criança, por uma moeda ou um pequeno presente. Tal acontecerá numa das duas primeiras noites após a queda do dente em causa.
Histórias sobre a Fada do Dente circulam desde o início do século XX, embora ninguém saiba sua origem exata. Todavia, trocar "dentes de leite" por presentes é algo que remonta aos vikings, mais de mil anos atrás.
Sim, falsifico o artigo, introduzo o itálico a cor-de-laranja. Protestarão comigo, afirmarão a inadmissibilidade do acto falsário, mesmo que apenas uma pequena linha da wikipédia sobre a "fada dos dentes". Concedo, até. Mas por esta princesa falsificaria eu o mundo, se o pudesse, se para tal tivesse saber e energia. Quanto mais isto, apenas isto. Até daqui a pouco, quando a Fada dos Dentes passar cá por casa, sempre sem se fazer notar.
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[Rua das escolas internacionais, 8 de Setembro 2010, 12 horas. O único carro que intenta deslocar-se é o branco que vem em direcção ao fotógrafo. Os outros estacionaram. Um dia como os outros.]
Ali à Costa do Sol é a rua das escolas estrangeiras, numa sequência a portuguesa, a francesa, a americana. Maior a portuguesa. E peculiar, uma outra cultura. Comum, ainda que não universal é transversal "sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra razão", como reza a tal Declaração de Direitos. Tem ritos essa cultura, como se obrigatórios. Matronas portuguesas, mais ou menos recém-chegadas, respeitáveis donas nacionais, entenda-se originárias, mais ou menos provectas membras da "comunidade" indo-descendente, é vê-las chegar depositando ou levantando rebentos. Iguaizinhas aos respectivos maridos, aquando nos mesmos propósitos. É parar na segunda, ou até terceira, fila - não vão as crianças, ou até elas e eles, ter que caminhar 30 ou 40 metros entre a viatura e o portão da escola e o obrigatório vice-versa. Coisa que, decerto, faria os petizes suspeitar da pouca importância dos progenitores, pois parar à porta - e ligar o "telemóvel" ou o "celular" (o nome dado ao instrumento é a única distinção no seio desta população) - é o símbolo de ser gente grande, respeitável. Alastra isso aos alguns motoristas, ali a buscar o patrãozinho ou patroazinha, que diriam os "senhores" se as crianças, e tantas já pejadas de acnes e hormonas liberais, tivessem que caminhar até à viatura. Toda esta mole estaciona como quer, inverte o sentido como bem entende, tranca tudo e todos - alguns apressados, ali metidos sabe Deus porquê, e as outras comunidades culturais, outros usos e costumes, ali vizinhas. Entenda-se, aquelas que de carro vão às outras escolas, e cujos hábitos ou genomas as leva a conduzir de modo diverso.
Em tempos, em qualquer dia de maior placidez, deu-me uma de social-democrata, entenda-se de optimismo pedagógico gauchiste, e ainda propus a professores que fizessem uma campanha de educação rodoviária e social, que usassem as crianças para "policiar" aquela gentalha que a vil natureza lhes concedeu como paternidade. Respondeu-me um sorriso cansado, e tão justificado ele era. Pois é claro que as próprias crianças (uns monstros, como parece que muito acertadamente as diagnosticou Sigmund Freud) se sentiriam expropriadas dos seus "direitos adquiridos" se o papá ou a mamã (ou o chófer da casa) não os tratassem como os príncipes que julgam ser, passadeira vermelha a caminho do insucesso dos privilegiados. Em dias de maior esclarecimento, de realismo antropológico, fico convicto que isto só se arranjaria com castigos corporais, chicote, trabalhos forçados (construção de estradas em longínquos distritos para os nacionais, limpeza das matas portuguesas para os patrícios, entretanto colocados em Portugal ao abrigo de acordo inter-Estados).
Cultura. Mas não como condição, causa explicativa. Que é ver toda esta gente muito respeitadora, parando ordeiramente quando passam as sirenes do poder. Encostando delicadamente quando a polícia (transitos ou cinzentinhos) os mandam parar. A "cultura" é-lhes então diferente. Agora, ali, onde a questão é estratégia, afirmar estatuto, ahh ahh, "daqui ninguém me tira"! Status-dropping, de celular na mão, de telemóvel na mão. Que é gente muito ocupada, muito popular. Que muitos querem e precisam ouvir.
jpt