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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
O mês passado decorreu em Maputo o encontro da Associação das Universidades de Língua Portuguesa e agora mesmo, em Lisboa, decorreu o encontro Cooperação e Educação: África e o Mundo, organizado pelo Centro de Estudos Africanos e pela Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria.
Estas iniciativas têm tido bastante sucesso, como noto neste "paper" que aqui transcrevo, que encontro no mural de facebook de um meu colega de departamento (moçambicano, claro está). As universidades portuguesas "a darem novos mundos ao mundo" da educação ...
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Durante décadas os países europeus regularam as suas relações com os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico), inserindo-as no eixo da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a sempre dita "cooperação para o desenvolvimento". Consagrando essa metodologia estabeleceram-se sucessivamente acordos: "Acordo de Yaoundé", "Convenção de Lomé" e o actual Acordo de Cotonou. Neles se codificam as relações económicas internacionais (consideradas "privilegiadas") e as formas explícitas de "ajuda" desenvolvimentista.
Articuladas com esses pacotes de "benefícios" e de "ajudas sectoriais" foram-se estabelecendo modalidades determinadas, respeitantes às formas de organização política, de organização estatal, das finanças públicas, da estrutura económica, dos países "receptores". Chamou-se a isso, grosso modo, condicionalidade política, na qual a "good governance" (que a iliteracia tecnocrática portuguesa vem transformando em "boa governância") veio nos últimos anos a adquirir particular importância.
Ou seja, para que se mantenham determinados quadros considerados positivos de acesso aos mercados europeus e para que se possam receber fluxos económicos de índole desenvolvimentista, os países receptores tiveram que se adaptar a um quadro estrutural económico-político-jurídico e a um conjunto de procedimentos, regularmente vistoriados. Grosso modo, é isto a tal "condicionalidade política", sempre exigindo a tal "boa governância". É neste quadro que reside o esqueleto da cooperação "Europa" (UE) - ACP, aqueles que em tempos idos eram chamados "países em vias de desenvolvimento".
Grande sustentáculo desta política de "cooperação" desenvolvimentista foi a pluralidade das configurações da esquerda europeia. Por razões económicas e de geoestratégia, pois claro que também ligadas à "política real". Mas muito por ideologia da igualdade (ou, concedo que em casos, da equidade) internacional, e por adesão a um conjunto de valores, considerados "civilizacionais", de bondade indiscutível. E por antinomia à herança dos efeitos perversos do colonialismo, intentando uma espécie de "reversão" de riqueza. Para além de uma concepção diferente da "direita" europeia, esta muito menos crente nas possibilidades de desenvolvimento/racionalização através de intervenções inter-estatais, mais advogando as virtudes da interacção económica (a tal coisa da "mão invisível" metafísica). Por isso ao longo das décadas se assistiu, e também em Portugal, a um regular discurso insistindo na necessidade de cumprir os objectivos ocidentais para a "ajuda", muito mais presente nos contextos políticos de "esquerda" - e também estes muito mais a base sociológica dos agentes de desenvolvimento, funcionários ou ong's.
Os desenvolvimentos actuais na União Europeia, as novas configurações jurídicas internas (agora discute-se o Tratado Orçamental) serão muito discutíveis e analisáveis. Mas o que surge óbvio é que não é mais do que o alargar (e enfatizar) ao contexto europeu dos procedimentos havidos durante décadas com os chamados ACP. O que está em cima da mesa é a exigência de uma condicionalidade política explícita, talvez mais rigorosa, e, também, da introdução da exigência interna de uma "boa governância". Independentemente da bondade efectiva destes termos, e conteúdos que lhes estão associados, o processo actual é uma recuperação para os países europeus dos procedimentos e valores que regulam as relações com este exterior: a "ajuda" (fluxos financeiros e abertura de mercados) exige soberania relativa, quadro institucional e processual próprio e regular vistoria.
Por isso tão interessante é assistir à recusa e/ou mal-estar das plurais esquerdas (até a ridícula, porque "apenas agora", refutação da semântica do termo "ajuda") com este processo. O que tudo isto demonstra é que para este enorme complexo político-ideológico as "soberanias" (ou o que entendem por isso) dos povos europeus são mais intocáveis, blindáveis, do que as dos outros. O fundo ideológico é óbvio: há quem possa pensar que isto é um evolucionismo, nascido da ideia de que os outros países (ACP) ainda não estão em estado de se gerirem por absoluto, precisam deste tipo de tutela (igualzinho ao velho argumento de que os povos colonizados não estavam prontos para as independências). Mas não é isso. É apenas a ideia de que os nós-europeus devemos ter mais soberania do que eles-outros. De que o que propomos e defendemos para os outros não serve para nós-próprios.
No meu tempo, dantes, a isto chamava-se, pura e simplesmente, racismo. Agora, pelas tais evoluções semânticas, chama-se "indignismo".
jptUma interessante reportagem de Andrew Harding, na BBC News Africa sobre os portugueses em Moçambique. Enquanto a "comunidade" [termo muito incorrecto pois remetendo para uma inexistente organicidade] portuguesa de Maputo se agita com feixes de mensagens telefónicas e electrónicas, aflita com o recrudescimento da criminalidade e, em especial, com a introdução desta relativa novidade dos raptos para resgate, a BBC intitula a reportagem como "portugueses encontram a boa vida em Moçambique".
São percepções. Ambas algo superficiais. Algo exagerado o frisson face aos raptos ("o que vamos fazer com os nossos filhos?" é algo que ouço todos os dias) mas as percepções colectivas são ... as percepções colectivas. E são sempre realidade, constituem-na. E também superficial a jornalística - mais que não seja porque Moçambique não é uma praia (ver a foto, que encima a reportagem, típico eurocentrismo a dividir África entre o resort paradisíaco, e de fruição sexual, e a miséria radical "biafrense", a mostrar quando estrategicamente necessário). Mas, também neste caso, as percepções jornalísticas são ... as percepções jornalísticas. E também constroem a realidade.
Enfim, quanto ao real. Muitos portugueses a chegarem, a fugir à crise nacional e europeia. Três pontos: a) como qualquer vaga migratória isso vai levantar questões no mercado de trabalho (que aqui assumiram, assumem e vão assumir uma linguagem que remete para as realidades históricas do racismo e do colonialismo). É assim, será assim; b) muita gente chega mal preparada ou seja, com a atitude errada. Altaneira, entenda-se (é também o maldito "complexo do Equador", que torna "doutor" quem o atravessa - coisa que não é de agora). Muita gente não a tem, vem trabalhar e viver. Esta última leva por tabela, catalogada como "tuga" (ou xi-colono) devida à tonta arrogância de uma parcela de patrícios que não percebem onde estão ("senhor(a), você está no estrangeiro" é coisa que muitas vezes me (nos) apetece dizer); c) e há gente patrícia mais antiga aqui a resmungar contra os que chegam agora, "que raio de gente, etc e tal", como se fossem laurentinos enjoados com os colonos rurais, transmontanos ou madeirenses, vindos para o Chockwé nos tempos idos. Esquecem-se, obviamente, que também chegaram um dia (há dois anos, cinco, quinze - como eu - ou, poucos, há mais anos ainda).
Será preciso entender que as pessoas que emigram não são embaixadores, é gente que vem trabalhar, com as suas características, boas e más. E nisso, esperando que haja tino patrício, saber da pluralidade de biografias e personalidades. Como em todo o mundo. Que quem vier por bem encontre a tal "good life" e a reproduza em seu torno. Assim espero.
Finalmente, e regressando à reportagem da BBC, retiro uma citação de Daniel David (da Soico), falando sobre esta chegada de imigrantes portugueses e sobre os processos de que ela deriva e dos que pode causar por cá: "we must expose ourselves to good governance and accountability in order not to have the same problems that Europe is having now ...". Aqueles que vão lendo o ma-schamba há mais tempo podem imaginar o meu sorriso diante disto, tanta a irritação havida ao longo dos anos a ver o meu país sem "good governance nem accountability" enquanto perorava no conjunto de doadores sobre a necessidade de expandir estes conceitos/práticas em África.
Não há dúvida, esta crise vem também, e não só pela disseminação da presença chinesa, alterar o paradigma da cooperação.
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Um bem informado e interessante artigo [pressionada a imagem aumenta] de Manuel Ennes Ferreira sobre o estado da "cooperação" portuguesa (as instituições estatais ligadas à Ajuda Pública ao Desenvolvimento), uma área que tem estado paralisada. De leitura mais do que recomendável, pelo menos para aqueles que se interessam por esta área.
Muita lamento que o autor não tenha conseguido evitar o fel, metendo umas despropositadas (mais que não seja porque contra a economia e racionalidade do texto) "bocas" a Paulo Portas, ministro dos Negócios Estrangeiros. Que isso (que é também sintomático da crispação em que a sociedade portuguesa vegeta) não faça esconder que se justifica ler o texto e nele reflectir. Ainda para mais sendo o autor um dos poucos colunistas habituais na imprensa portuguesa que aborda esta temática - não poderia ele ter escolhido outro artigo para verter o seu fel em formato chocarreiro? De modo a que fosse menos poluente para uma reflexão necessária, urgente e que não tem sido realizada? Que coisa!
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Está hoje à venda a primeira edição moçambicana do jornal "Sol", um acontecimento no seio da imprensa moçambicana e, até, portuguesa. Desejo a melhor sorte para a iniciativa, que vem na sequência de idêntico projecto realizado em Angola. Consiste na articulação de uma parte da edição semanal portuguesa com uma larga secção moçambicana, para além da realização de uma revista exclusivamente dedicada a questões moçambicanas intitulada "Lua".
De vez em quando meto um texto no "Sol" africano e por coincidência esta primeira edição tem um desses. Aqui fica a cópia, na edição impressa metida na coluna "Carta de Moçambique". Foi simpático que saísse nesta primeira edição, ainda para mais recebida numa agradável recepção, polvilhada de canapés do mais fino recorte técnico (algo que muito aprecio) e da presença de bons amigos.
Aqui fica cópia do texto "Redes Culturais", publicado hoje no "Sol" de Moçambique, onde em parcos 4000 caracteres procuro uma esperança no meu país.
REDES CULTURAIS
De Lisboa chegam rumores da reestruturação na administração pública portuguesa. E neles se especula sobre a fusão do Instituto Camões com o Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento. Assim se unindo o eixo estatal da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a dita “cooperação”, nos sectores da cultura e do ensino, as dimensões verdadeiramente estruturantes a longo prazo no relacionamento lusófono.
A acontecer essa fusão vejo-a com muita simpatia. Algumas dificuldades surgirão, exigindo um esforço extra de flexibilidade na sua administração, dados os diferentes âmbitos e metodologias das actividades tuteladas. Nisso realço a rede de leitorados, a dimensão universitária do Instituto Camões - e que tão frutuosa tem sido em Moçambique, muito pela excelência dos quadros aqui destacados –, a qual exige uma abordagem peculiar, distante do comum ao “reino da cooperação”.
Quanto às restantes áreas parece-me que esta reestruturação tem hipóteses de ser virtuosa, uma oportunidade única para o relançamento da acção cultural externa do Estado português, bastante enfraquecida. Poderá isto parecer um contra-senso, face a um ciclo de redução da sua autonomia administrativa, a somar aos efeitos da crise económica. Esses que deprimem os orçamentos no sector da cultura, sempre visto como dispensável, pois “improdutivo”, coisas desse pobre economicismo que continua paradigma de entendimento, apesar do gigantismo da crise tanto o refutar.
Especifico mais. Não me centro tanto numa acção cultural externa de representação estatal, mais ou menos sumptuária. Nem mesmo a algumas tentativas para induzir a internacionalização dos agentes culturais nacionais, introduzindo-os nos grandes mercados mundiais. O primeiro vector não é fundamental, ainda que legítimo. E creio que na actualidade o Estado português não tem competência para influenciar os grandes cenários culturais internacionais, ainda que o seu apoio seja sempre desejável.
Penso numa área mais desafiante, onde as instituições estatais poderão ter um papel influente, nesta sua nova configuração que une cooperação e acção cultural. Trata-se da acção nos países lusófonos, a qual se tem centrado na existência centros culturais nas capitais, que tiveram como objectivo inicial serem locais de mostra de cultura portuguesa e, em segundo lugar, de criação de um circuito artístico-intelectual lusófono.
Duas décadas passadas sobre os programas iniciais constata-se a modéstia do obtido. Nem se criou uma política de itinerância e divulgação de agentes culturais (por exemplo à imagem, que não à dimensão, da “francofonia cultural”) nem mesmo se criaram políticas culturais significantes e continuadas. Há uma prática à mercê dos constantes constrangimentos orçamentais e das possibilidades incidentais, nisso resultando um conservadorismo que ecoa a falta de dinâmicas internas. O que acontece é a preservação dos centros culturais, quais “casas da cultura” do passado, incapazes de seguirem as dinâmicas culturais existentes e muito menos de as induzirem, como seria seu objectivo. Existem para existir, tornaram-se o fim em si mesmo.
Recordo José Soares Martins, durante longo tempo conselheiro cultural português em Maputo, na inauguração do Camões de Maputo, em 1997: “Não se fechem no centro cultural”. Entenda-se, não se assumam os centros como objectivos mas apenas como meios. Hoje, olhando a sua acção, e vendo-a exemplo de outras, encontra-se uma estrutura pesada e cara, mas sem recursos humanos à altura dos desafios, por falta de formação e de horizontes. Um centro cujas actividades mais afirmativas derivam da capacidade dos leitorados, que lhes são externos. Ou seja, uma instituição que cumpre o propósito de existir.
Por isso saúdo esta fusão com a área da cooperação. À imagem desta actividade poder-se-á esperar um organismo menos autocentrado, e mais aberto à articulação com os movimentos culturais existentes, oriundos dos vários países, imaginando-se até como facilitador de parcerias e não tanto como agente condutor. Não se trata de utopias, veja-se como a última década testemunhou só em Moçambique a afirmação das energias constantes expressas no Kinani, na PhotoFesta (entretanto interrompida), das Bienais do MUVART, do Dockanema, para citar os mais sonantes. Tudo movimentos endógenos, internacionalizados, oriundos das energias da sociedade civil.
É esse o caminho para a acção cultural patrocinada pelo Estado português. Apoiar em termos de recursos executivos e até conceptuais, servindo-se de instrumentos existentes (como os velhos programas INOVARTE ou Contacto) ou outros. Em tempos de “vacas magras”? Sim, com toda a certeza. Pois até será mais barato do que os pesados centros culturais, agora introspectivos.
No fundo, e neste tempo de “redes sociais”, é altura de entender que a acção cultural externa é a de apoiar e induzir “redes culturais”. Tendencialmente descentradas. E é esse descentramento o grande desafio que se coloca à nova administração. Pois significa perder para as dinâmicas sociais as prerrogativas da selecção sobre o que é relevante. Ou seja, significa democracia. Cultural.
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Volta e meia deu-me para isso, deixar de botar. Depois voltava, coisa do vício de dizer algo, por pouco interessante que seja. Sem blaseísmos, a gostar mesmo de botar e de encontrar quem esteja noutros ecrãs. Um dia um futuro arrastão, quando ainda não o era e portanto decentava, e nisso era conversável, perguntou-me num entre-chamussas no Piripiri "não te é identitário?" e descobri então que o era, usando esse antropologês. Mas antes de o perceber, ao entranhado que é, e porque lento de compreensão, várias vezes me deixei de bloguices. Para logo, por qualquer coisa, voltar a este in-blog.
O primeiro desses arrufos comigo mesmo, até ridículos, foi logo meia dúzia de meses depois de abrir, então sozinho, o ma-schamba. Passados quinze dias voltei. Porque o bom do Carlos Gil largou um texto que me deixou "com uma papaia na garganta" (então o bloguismo era muito afectivo) e porque Maria de Belém Roseira surgiu, lá na longínqua "pátria amada" nuns quaisquer píncaros, e isso me fez passar, completamente, tamanho o desprezo que lhe voto, desumana, mesquinha e, muito mais do que tudo, traidora ao seu país, atentando ao seu bom nome e, também, ao destino dos seus patrícios imigrados. Tudo para que o seu nome possa brilhar, custe o que custar. Lembrando-me quando, sendo como é, se quis fazer ministra da cooperação do segundo governo de Guterres. Reabri então o ma-schamba para meter este texto, para falar de cooperação (Ajuda Pública ao Desenvolvimento) quando era eu cooperante. E para nesse âmbito falar de Maria de Belém Roseira [está no ponto 4 desse desiquilibrado, indignadíssimo, texto, que abaixo transcrevo], e no inadmissível que aquela política socialista é.
Hoje leio que António José Seguro, que conheci um pouco na Lisboa dos early 90s, então um jovem simpático e generoso, a conduziu a presidente do Partido Socialista. O PS vai estar 8 anos na oposição e AJS nunca será primeiro-ministro, acredito que por acidente biográfico, coisas de geração. E nisso Maria de Belém não será mais do que presidente do PS. E pela vergonhosa memória, desumana, aldrabona, de que ela tenho nada melhor merecem. Mas muito mais mereceria o meu país. Esta, Paulo, é outra dica.
Transcrevo o tal texto de 2004 sobre a actual presidente do Partido Socialista e então ministra da Saúde, amiga das farmacêuticas - que lhes pagavam a imprensa - e despudorada nas relações com o estrangeiro:
Na “crise” política portuguesa sai o poeta/ficcionista Manuel Alegre a candidatar-se. Cantando, sendo, a “esquerda”, aquela social-democrata, socialismo democrático, o que seja. A independente dos interesses malévolos. A da justiça social (mesmo que só fabiana). Aquela a quem ninguém cala, lutando contra a mercantilização da política, o “tvísmo”, a “imagem”. Contra o vácuo. Contra a heroína dos povos.
A seu lado apenas uma pessoa, ali simbólica. Maria de Belém Roseira, a ex-ministra de saúde. Ela também a esquerda solidária, independente. Franca. De conteúdo. Eles o inverso da decadência alheia. O inverso do vácuo, da imagem. Da alienação, da heroína dos povos.
Há alguns anos Maria de Belém Roseira esteve em Maputo como Ministra. Veio então com uma comitiva de 30 e tal pessoas (!?). Jornalistas de jornais de referência. Que fimdesemanaram na Inhaca “tudo tratado pelo dr. X”, um comitivo aqui em representação de indústria farmacêutica.
Maria de Belém contactou com este sistema de saúde. Paupérrimo. Mas estruturado ainda assim. Defeituoso. Mas de pé. Corrompido? Talvez, mas acima de tudo subremunerado. Um mundo muito para lá de Dickens. Mas um mundo, não um caos.
[Um mundo que me diz muito, não só por solidariedade. Também pelo kms a pé em busca de quem me explicasse ser mera sarna aquilo que não conhecia e aterrorizava; que me sossegasse diarreias quando sanguinolentas; que me acalmasse quando esses outros sangues se rebelavam por outros orifícios; que me desiludisse das doenças mortais que afinal não tenho; que me acordasse dos delírios da malária - um mundo de Dante, o qual nós, brancos ricos, vivemos como breve e acidental interregno, apenas paliativo até à clínica particular da "cidade grande", mas vivêmo-lo juntos a quem o tem como horizonte definitivo]
Maria de Belém, a esquerda independente, corajosa, sem que ninguém lhe tivesse pedido foi a Nampula (com os 30 e tal comitivos, jornalistas pré-Inhaca inclusos), acompanhada pelo ministro moçambicano. Sem que ninguém lhe tivesse pedido afirmou, confirmou, discursou que iria dar 1,5 milhões de contos para reabilitar o Hospital Provincial de Nampula.
Maria de Belém colheu fotos disso. Não se coíbiu à gentileza moçambicana. Foi descerrar a cerimónia de entrega de uma frota de ambulâncias ao Ministério de Saúde em Nampula. O representante holandês, o doador, nem queria acreditar e lá se esforçou por aparecer na foto. Acho que conseguiu. Os jornalistas pré-Inhaca fotografaram, e narraram.
A mim disseram-me aqui, sete meses depois: “pois, desde que apanharam o avião nem mais um telefonema”. Nunca mais disseram nada. Prometeu, em nome de Portugal, uma ajuda ao hospital da capital provincial, da província mais populosa, onde se vive em condições terriveis de saúde. E, em nome de Portugal, nunca mais disse nada.
Depois, quando lhe tiraram o ministério da saúde, ainda protestou, que queria que lhe criassem o Ministério da Cooperação. Só para ela, decerto devido a este tipo de pergaminhos.
(os iluminados dirão que não tinha nada que oferecer o dinheiro português. Nem discuto. Mas então não o dizia. Não o prometia em meu nome. Acompanhada pelos representantes das farmacêuticas. E pelos jornalistas pré/pós Inhaca. A fotografarem e a narrarem).
Eu não tenho liberdade de sentir vergonha do meu país. É uma violência sobre mim, não é uma liberdade. Maria de Belém e os seus são a esquerda independente, a trova do vento que passa, a justiça social democrática, o combate aos interesses escondidos. O conteúdo. A superioridade moral. E, até, a superioridade intelectual.
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Uma muito boa ida a Portugal, a família está muito bem (o que me destorna Atlas) e ainda lá me restam dois punhados de amigos (o que dá alento [ou alma, na linguagem da superstição]). Um breve rescaldo do que encontrei:
A crise está(-me) vasta e não pude comprar livros. Mas vi nas livrarias este vol. I das obras de Bulgákov. Tradução de Nina Guerra e GAF, que continuam a civilizar o país com a tradução dos escritores russos de XIX e XX, antes deles inaceitavelmente intraduzidos. Fiquei invejoso, o contentamento da posse chegará (?) em próxima visita.
As mesmas razões afastaram-me do A Cauda do Escorpião - o Adeus a Moçambique, de Giancarlo Coccia, recente publicação que para mim foi uma novidade. O Herdeiro de Aécio aborda o livro, muito criticamente, minorando o meu lamento.
Toda a gente fala da crise do capitalismo financeiro. Eu ainda resmungo com o industrial. O "indivíduo fruidor", da mescla vigente e dominante entre pós-marxismo e pós-catolicismo, só é quando rodeado de uma miríade de "gadgets" (termo inglês que significa penduricalhos). Mas o material desta produção industrial é mau, supra-perecível, daí que nos esvaímos em constantes actualizações e substituições. A minha máquina, com meia dúzia de anos ("tão antiga?", "vive em África? sabe? ... a humidade, o pó!...") avariou, a reparação tem o custo de uma nova. A máquina do meu pai (que não é Nikon, já agora) é mais velha do que eu e ainda fotografaria, se houvesse rolos. Conclusão: "não há dinheiro não há palhaço", deixo de ter máquina fotográfica. Um dia, quem sabe?, se isto me melhorar, comprarei outra. Que não será Nikon.
Fui lá. Depois falei disso. Como seria de prever arquitectos e amigos de arquitectos defendem o "Arco do Triunfo de Cascais" que Gonçalo Byrne construíu ali na baía. Dizem que "recuperou" e "marcou" e mais não-sei-o-quê. Dizem ainda, e vindo de quem vem é um argumento delicioso, que "os apartamentos são caríssimos e estão todos vendidos". Que jeito dá a mercadocracia em algumas situações. O monstro está acima retratado (clicando ele aumenta), não me aproximei mais. Por mero pavor.
Quinze anos depois voltei ao VilaLisa, mítico local na Mexilhoeira Grande (entre Lagos e Portimão). O meu entusiasmo pela comida reduziu-se muito, entretanto. Mas ali recordei-me glutão. Ainda vale a pena.
A parede que está ali ao fundo é a actual Escola Secundária D. Leonor (Lisboa). O edifício antigo continua, mas cresceu-lhe este gânglio em forma
de paralelepípedo. Ou será tumor? Dizem-me que agora é assim ... que se recuperam as escolas.
Novo governo, crise generalizada. Como durante anos trabalhei em "cooperação" (Ajuda Pública ao Desenvolvimento) pergunto "que vai acontecer à cooperação?", gente nova e abordagens são esperadas. As notícias e as perspectivas são ... uma dor de alma.
A retrospectiva de Pedro Cabrita Reis no Centro Cultural de Belém. Esmagadora.
(Numa sala ao lado uma individual de fotografia, de Alfredo Jaar, "Cem Vezes Nguyen", é uma fraude. Não há um qualquer antropólogo que tenha lido alguma coisa sobre "histórias de vida", sobre representação e isso, que pontapeie o rei-fotógrafo que tão nu se passeia?).
Li jornais (sempre vão sendo mais baratos). O Guia de Futebol 2011-2012 do Record é melhor do que os Cadernos de A Bola.
O jornal i, que quando apareceu tanto prometia, piorou. Não vende, dizem. E perdeu muitos jornalistas. Ainda assim vou comprando. Os amigos, feitos vizinhos, acusam-me de direitista, "servo do grande capital" por ler tal pasquim. Respondo-lhes que o jornal está cheio de textos de bloguistas de esquerda e até de neo-comunistas e velho-comunistas. Não acreditam. É a força dos preconceitos.
Há quase vinte anos o então director do Público afrontou as manifestações dos estudantes invectivando essa mole como "geração rasca", algo que ficou célebre. Não eram apenas os fundos das costas que eram mostrados, eram também os trocadilhos com o nome da então ministra da Educação que serviam como se argumentos políticos. Agora apanho no mesmo jornal um patético texto de Santana Castilho (Publico, 3.8). Castilho, que cheguei a encontrar aqui em finais de 90s, penso que ligado à cooperação com o então ISPU, despeja um incomensurável fel ("eu é que devia ser ministro") e dedica-se a jogos com o nome do agora ministro da Educação. Estará o Público na época dos "colunistas rascas"?
Helena Matos (texto só para assinantes):
"... não tenho qualquer interesse ou simpatia por sociedades secretas ou discretas e numa democracia nem percebo a sua razão de ser. Irrita-me solenemente a presunção dumas pessoas que a si mesmas se definem como homens bons e sobretudo todos aqueles rituais de igreja a fazer de conta que não é igreja, mais os aventais e os martelos que me parecem muito, mas mesmo muito rídiculos (...) os aventais da maçonaria movem-se cada vez mais no domínio do material. Não há na política deste país negócio obscuro, tráfico de influências, cumplicidades entre o público e o privado que não nos levem à irmandade dos aventais. Para cúmulo somos também informados de que os membros dos serviços de informações têm outras lealdades para lá daquelas que devem ao país e que inevitavelmente conduzem a esse enredo de lojas, grémios e orientes.
Se alguns milhares de homens deste país se sentem felizes por andar de avental, chamando-se irmãos e dizendo-se homens bons, essa é sinceramente uma coisa que não nos diz respeito e a mim me causa particular fastio. Mas a democracia que somos tem o dever de investigar o tráfico de influências em que justa ou injustamente a maçonaria surge no cerne e muito particularmente os partidos, sobretudo o PS e o PSD, têm de ser capazes de olhar para dentro e analisar as consequências para si e para o país das cumplicidades maçónicas de muitos dos seus dirigentes..
(...) Preocupemo-nos com os aventais que (...) se tornaram no símbolo daquilo que em Portugal o poder não pode e muito menos deve ser."
Sim. Por todo o lado a maçonaria. Na política - onde o inenarrável caso da votação em Fernando Nobre para presidente da AR, com apelo a solidariedades maçónicas passou como "natural" . Como é possível que um deputado apele ou actue através de solidariedades que não são públicas e escrutinadas? No PS e no actual governo, resmungam. Nas universidades, dizem-me. Com ascensões incompreensíveis, com pequenos e médios poderes (nas administrações das entidades académicas, na selecção de projectos e bolsas, etc). Até tipos que foram meus professores, uma escumalha.
À chegada a Lisboa vi isto:
António Reis, veterano deputado socialista. Que aqui recorda ter sido "presidente do conselho de ética da AR". Que disserta na televisão pública (acompanhado por um arremedo de jornalista, cheia de salamaleques, dando-lhe verdadeira passadeira) sobre o que é ser maçónico. Que recrutam na elite (sorrio, um tipo do PS!, a recrutar na elite). Que são procurados pelos políticos, que querem aderir para "colher os ensinamentos" que ali se redistribuem (não podiam ir à internet? A uns cursos de verão? por correspondência?). E o serviço público leva-o ao colo, na legitimação. Para os pacóvios se contentarem.
Que fazer com estas redes, esconsas, apropriadoras, adversas à sociedade aberta (explícita), democrática? Adversárias do desenvolvimento? Combatê-las? Como, se o teu vizinho é maçónico? Se o teu querido amigo os defende? Se o(s) teu(s) novo(s) ministro(s) também? Se a tua própria família te diz "não te metas com eles, cala-te"?
Há pelo menos uma coisa, fácil. Nunca votar em quem tem maçónicos. Como no partido deste infecto que recruta na elite ...
Entretanto, vim-me embora.
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Cada vez que aqui torço o nariz à retórica (e à cosmovisão) de Lula da Silva lá recebo os emails (mais ou menos furibundos) de cidadãos brasileiros invectivando o meu anti-brasileirismo (típico raciocínio fascista, o da mistura do país com o líder), de bloguistas retirando-me a velhíssima ligação entre-blogs (típico raciocínio fascista, por mais libertária encenação literária que construam). Concedo, alguns mais simpáticos anunciam-me que estou mal informado sobre Lula. Sim, estou mal informado sobre Lula da Silva, sobre o Brasil. Como estou mal informado sobre a Birmânia, o Chade, Marrocos, a China, a França ou a Irlanda [porque será que não usamos artigo definido com Marrocos?] e tantos outros sítios, como Portugal ou Moçambique. Também não posso botar sobre tudo aquilo?
Vem isto a propósito da visita de Lula a Moçambique, e que o ABM abaixo aborda. Aqui Lula fez uma palestra na Universidade Pedagógica, reportada no jornal O País. Independentemente de outras considerações (as declarações nestes contextos são sempre relativamente circunstanciais) o presidente brasileiro apelou ao reforço das relações entre o Brasil e África, algo que tem sido atrasado pois "... "como nós temos a nossa cabeça colonizada durante séculos, aprendemos que somos inferiores e que qualquer um que enrola a língua é melhor que nós”, disse."
E lá está, o ínvio discurso identitário, do Brasil que se vê como colonizado, dos brasileiros como colonizados, nisso projectando o seu húmus, explicando a sua realidade. Sim, fica bem na fotografia, aquando se chega aos países ex-colónias, o sedimento de uma irmandade (o gilbertofreyrismo de Brasília, nisto diverso do de Lisboa, mais cplpiano). Mas a que realidade se refere? Sobre essa auto-mitificação brasileira, do povo colonizado e vitimizado, e para quem lê francês, há um (já velho) delicioso texto do antropólogo Christian Geffray aqui. Uma falsificação histórica, agitada para enfrentar aqueles que "enrolam a língua" e nisso apenas esconder as actuais relações de poder.
Há quem pense que ser "progressista" / "desenvolvimentista" (ou até "de esquerda") é perfilhar este obscurantismo. Por mim que venha para África o investimento brasileiro. E, como prometido, que venha também a transferência de conhecimentos. Fantástico. "Enrolarei a minha língua" de satisfação. E quando começarem a dançar os obrigatórios "forró do colonizado" e o "samba do feio gringo" irei para casa, apenas enfastiado. Pois se não tenho paciência para as lusofonices no meu país porque haverei de ter para as patrioteirices dos outros, tão ou mais ordinárias? Mais ordinárias, diga-se. Pois falta-lhes, há que ser sincero, o charme discreto do gringo.
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Num recanto de uma livraria lisboeta (no King) descubro alguns exemplares desta revista, a qual desconhecia.O nº 5 da "Ur. Cadernos da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa", dedicado a "Cidades Africanas". Publicada em Maio de 2005 (12 euros). Um maná para nós, interessados - profissional ou afectivamente: tem mais de 20 artigos sobre a matéria. Artigos de Cristina Delgado Henriques, Pancho Miranda Guedes, José Forjaz (e ainda uma sua entrevista concedida a Isabel Raposo), e tantos outros nomes com obras reconhecidas sobre a matéria, José Manuel Fernandes, Maria Clara Mendes, Ilídio do Amaral, Isabel Raposo, etc. Apesar da já antiguidade da revista (5 anos), valerá com toda a certeza um mergulho atento.
Depois o resmungo. Este tipo de revista não esgota, aliás as académicas custam a fazer circular. Esta, como tantas outras, foi publicada com o apoio de instituições estatais. Entre elas o IPAD (instituto português de apoio ao desenvolvimento, a chamada "cooperação"). Com toda a certeza este apoio implica a recepção de exemplares (é a prática usual). Mas estes não são distribuídos, perdendo-se assim a possibilidade de divulgar os trabalhos dos especialistas, por esse modo criando possibilidades de diálogo e, até, de trabalho comum. Nem distribuição de exemplares - há alguma lógica de apoiar isto e não o anunciar/distribuir nas faculdades de ciências sociais com as quais se tem "cooperação"? -nem tampouco a divulgação da publicação (via internet, via delegações nos países com os quais o instituto trabalha). Nada, dá-se o apoio financeiro e pronto, está concluída a função. Passam-se os anos e não muda a atitude. É, entenda-se, falta de gosto no que se faz. Nada mais.
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Muito bem diz o Henrique Fialho qu'isto de morrerem os escritores é momento em que "pede-se que dêem especial destaque aos livros do autor. A quem está de fora pode parecer mero oportunismo comercial, mas a quem está por dentro é como se uma lufada de ar fresco tivesse entrado pela livraria.", e está a falar da morte do Nobel lusófono, Saramago. Percorro os escaparates comerciais da lusófona Maputo e nada - queixar-se-ão que vendem poucos livros? Mas como criticar se nem as vitrinas institucionais o fazem? Não existem (também) para isso?
jptHoje no Consulado de Portugal aconteceu a comemoração em Maputo do 85º aniversário de Pancho Guedes. Lançamento do guia "112 Edifícios de Pancho Guedes em Maputo. Lista e Localização", um roteiro produzido e oferecido pelo consulado, que contém mapa e identificação nominal, com respectivo endereço, da obra do arquitecto nesta cidade. Uma publicação inestimável. Em seu complemento foi lançado um concurso fotográfico dedicado aos trabalhos de Pancho Guedes - o qual para além do fazer reviver os edifícios, de os dar a conhecer, de combater o esquecimento destrutivo a que muitos estão votados, é também forma de procurar a identificação de alguns outros que ainda não estão inventariados neste assumidamente "trabalho em progresso".
Mas mais, foi ainda apresentado o sítio Pancho Guedes [também ainda em progresso mas já funcional], uma forma de a todos dar a (re)conhecer esse marco da arquitectura no país.
Mais uma vez, e tal como foi aventado aquando da recente visita do arquitecto a Maputo, foi referida a hipótese não só de uma homenagem académica mas também a criação de um local físico dedicado ao seu trabalho e personalidade, uma "casa de Pancho Guedes" - e para isso muito será necessária a intervenção do Estado moçambicano, bem como de instituições privadas, seduzíveis para tal objectivo. Penso que seria muito interessante a sua articulação com instituições portuguesas - e muito obviamente do instituto de acção cultural externa nacional, o Instituto Camões cuja colaboração me parecerá com todo o cabimento (palavra que também tem, como é sabido, uma dimensão semântica explicitamente orçamental).
É imprescindível sublinhar que o ânimo de toda esta actividade em torno da obra de Miranda Guedes tem sido a cônsul portuguesa em Maputo, Graça Gonçalves Pereira. Ao longo dos anos aqui no ma-schamba tenho sido muito parco em elogios pessoais. E ainda bem, pude assim guardar a quantidade disponível para lhos atribuir, até em regime de monopólio. Devidos por esta actividade de diplomacia cultural em torno de Pancho Miranda Guedes mas também por múltiplas outras actividades, públicas e administrativas. É uma personalidade fantástica e, por isso mesmo, uma excepcional diplomata. Pelo seu dinamismo e competência cativou a "comunidade" portuguesa (ou seja, os portugueses residentes) e os seus interlocutores nacionais. A gente está a gostar. Muito. Que se registe isso.
jpt[João Mosca, Economicando, Maputo, Alcance Editores, 2009]
João Mosca é um dos mais significativos intelectuais moçambicanos, alguém que é sempre urgente ler. Este recente livro é uma colectânea de textos na sua maioria publicados no jornal Savana, aos quais junta alguns produzidos para encontros académicos. A sua arrumação indicia as temáticas abordadas: ensino superior, investigação, economia, agricultura e cooperação. O seu quadro de reflexão sobre o país, e que tão presente sempre surge nos seus textos, é anunciado na introdução:
"A formação e a exercício da actividade académica ... e a interdisciplinaridade apreendida, conduziram ao que se pode designar por "suicídio" da formação de base. Compreendi os debates no seio da área de conhecimento da economia e dos ataques de outras ciências aos economicismos tecnocráticos e à incapacidade da economia, como qualquer outra ciência, de interpretar, explicar e encontrar soluções para a complexidade das realidades no quadro dos limites rígidos do objecto de cada uma das ciências.
Procurei um "suicídio" difícil. No lugar de abandonar a economia e estudar outras ciências (...), preferi a via da crítica à economia para, a partir dela, incorporar conhecimentos de outras áreas na tentativa de uma formação interdisciplinar." (7)
Acabo de comprar o livro, li apenas alguns textos e, ainda que de alguns outros tenha memória da sua publicação em jornal, não posso fazer mais do que aconselhar a sua leitura. Como português e como antigo cooperante encetei a leitura pelo texto "Cooperação Portugal-Moçambique. A estratégia de não ter estratégia?" - apresentado na III conferência internacional de Lisboa sobre "Europa e a Cooperação com África", organizada pelo IEEI. Para quem tenha algum interesse nas questões da "cooperação" portuguesa com Moçambique, ou em geral, é um texto insubstituível. Uma apuradíssima análise das dimensões institucionais, políticas e ideais presentes nesta área de actividade do Estado português, e na própria sociedade - faltará, em meu entender, uma profundidade similar no olhar sobre as dinâmicas da interacção moçambicana neste campo, algo que será compreensível dado o texto ter sido apresentado num plenário em Portugal.
Repito, para quem se interesse pela actividade de "cooperação" é obrigatório ler este texto (pp. 152-157). Dele poderia aqui deixar algumas transcrições mas opto por uma, breve, que reflecte algo que ao longo dos anos tanto tem estado presente, até em demasia, no ma-schamba. Ideia que parece simples, pacífica, mas que na realidade real tanto é esquecida apesar de ser racionalmente cristalina:
jpt"A dimensão e capacidade financeira portuguesa e a perda de oportunidade de protagonismo em alguns assuntos importantes da história recente moçambicana, sugere que Lisboa necessita reanalisar a cooperação com Maputo, devendo fazê-lo sem pensar nas supostas vantagens culturais e históricas." (p. 157)