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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Começou este 14 com a morte de Eusébio, na data exacta em que se cumpriam três anos do fim de Malangatana, uma triste coincidência a assinalar a partida destes legendários moçambicanos. Muito foi dito e escrito, em regime de luto oficioso e de (justificadíssimos, penso) panegíricos. Passados estes dias os interessados nestas matérias desportivos e dos seus contextos sociais poderão agora dedicar-se à leitura de algo mais contextual. Trata-se do último exemplar, que só agora me chega às mãos, da revista do Centro de Estudos Africanos de Lisboa (o qual, finalmente!!!!, se vai passar a chamar Centro de Estudos Internacionais, abandonando a vetusta e intelectualmente inadequada denominação), o "Caderno de Estudos Africanos". Pois este número está dedicado às "Práticas Desportivas em África" (e basta seguir a ligação, pois os textos são de acesso livre), integrando alguns textos sobre o período colonial e outros sobre a actualidade.
Faço esta associação com a morte de Eusébio (e com o interesse recrudescido na sua carreira) por motivos que serão óbvios a quem visitar a revista. Nela constam alguns textos relativos ao contexto de formação do jogador e sua carreira: uma entrevista "Dos Subúrbios da Lourenço Marques Colonial aos Campos de Futebol da Metrópole. Uma Entrevista com Hilário da Conceição", feita por Nuno Domingos (um dos organizadores do volume, conjuntamente com Augusto Nascimento, o qual deixa um interessante texto sobre a história do futebol em São Tomé e Príncipe").
Há ainda um outro texto: "Following the ball: African soccer players, labor strategies and emigration across the Portuguese colonial empire, 1949-1975", de Todd Cleveland, dedicado à inserção de jogadores das ex-colónias portuguesas, em particular de Moçambique, no futebol europeu, referindo, é claro, Eusébio. Confesso que não gostei muito, é um texto de tese, ou seja, parte desta e tudo a confirma. Para além de nele habitar essa ideologia (no sentido de "falsa consciência", sim, a la Marx) americana do "one-dropismo", que resulta na desatenção à complexidade identitária (e das barreiras sociais e identitárias) das sociedades colonizada e metropolitana. Empobrecendo, e muito, a análise tentada.
Para os interessados na história de Moçambique está ainda um texto verdadeiramente precioso: de Eduardo Medeiros o "Etnia e raça no desporto beirense na época colonial. O caso dos "sino-moçambicanos". Uma bela descrição (o que despertará o interesse dos não especialistas mas amadores da "coisa beirense") assente em argúcia teórica. A ler também pelos que se querem dedicar a estas coisas das identidades (no tempo colonial e não só).
Depois há também outros textos, alguns bem interessantes (realço um sobre o desporto na Namíbia colonial da chegada a XX), outros sofisticados mas um pouco forçados (como um sobre segregação racial no actual râguebi sul-africano, que não me entusiasmou apesar da parafernália metodológica).
Fica aqui o convite para a leitura.