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Bye bye Xenon

por jpt, em 31.03.14

 

 

Era o melhor cinema da cidade, e também uma boa sala de espectáculos. Conheci apenas a parte final do seu historial quando a Lusomundo a reactivou em 1997. Ficar-me-á na memória, fundamentalmente, como o cinema das sessões matinais de domingo, o início cinéfilo da minha filha - ok, repetindo incessantemente os filmes, denotando já há vários anos o desinteresse da sua gestão. Tanto que há já muito que ia eu dizendo que só esperavam para ali construir. Longe vão aqueles tempos das "vacas gordas", esses em que a Lusomundo ia "innuendando" que se preparava para aqui abrir um diário, uma estação de TV e que o objectivo era constituir uma plataforma para entrar na África do Sul.

 

Ficam-me outras memórias, mais minhas: o espectáculo que organizei para comemorar o início da Expo-98, grupos moçambicanos entre os quais os fantásticos TPM, num dia que coincidiu com a queda de Suharto. E Alkatiri estava na sala, comovi-me.  O único cinema que ia frequentando (e como falta cinema em Maputo), ainda que numa selecção muito mainstream. Ir ver o filme e voltar no dia seguinte à tarde, a pedir para assistir só aos primeiros quinze minutos: sim, "o soldado Ryan" de Spielberg, uma sucessão de lugares-comuns mas que realismo espantoso, que "guerra" mostrada naquele início. Em versão mais suave a minha surpresa ao deparar-me com uma actriz desconhecida num filme do Zorro, a minha mulher "calma, Zé" diante do meu desassossego com uma tal de Zeta-Jones.

 

Lembro também os belos espectáculos de Mário Laginha e Maria João, um deles também oferecido aos congressistas de um evento de ciências sociais, em que os portugueses deslocados nem ligavam às múltiplas ofertas, só se queixavam que não lhes tinha dado de comer (voltaram para Lisboa a queixar-se de não terem sido bem recebidos - o Estado-Providência é isto: os analistas sociais querem apenas a barriga cheia, os outros sentidos, entre os quais a razão, são-lhes indiferentes). 

 

E lembro um concerto de Artur Pizarro, o pianista indignado com o piano disponível. E com o camera da TVM, postado em cima do palco a falar alto, coisas de quem nunca filmara um momento de música clássica. Dia difícil, para mim. Desesperante, até.

 

Lembro também as "estreias" de filmes, momentos até paródicos, entre o mimetismo de Hollywood, gente de vestido longo e smokings e outros (também eu) de ganga e caqui, a mostrar um "Maputo" oscilante entre uma identidade cultural própria e a vontade de querer ser como se julga ser "lá fora". Do Ali de Will Smith às produções portuguesas aqui - num catastrófico filme português a querer retratar a guerra em Moçambique passei o intervalo feito recepção à conversa com um general da guerrilha, que me ia dizendo, até contristado, e sem cinefilices, "a guerra não é assim!". 

 

E assim, paralelamente, também momento para pensar o que terá acontecido, depois de várias gigantescas produções cinematográficas americanas (Ali, Blood Diamonds, e outros) o que se terá passado para que tal actividade tenha ido para outros lugares?

 

Enfim, lembro esses "velhos tempos" dos finais de XX, quando trabalhava mesmo ali ao lado. Sobre isso, sobre o Xenon e o Gil Vicente, escrevi um dia este texto: "ha ngonhama ya mbangu lowo". E depois meti uma adenda fotográfica.

 

Bye, bye Xenon. O mundo não trava, Maputo muda. Mas assim apenas fica o cinema de centro comercial. Cá, como em quase todo o lado. Tudo o que é mau se pode copiar, claro.

publicado às 09:02



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