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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[fila para votação, fotografia da página-facebook Txeca]
A contagem vai avançando, vejo os resultados parciais anunciados nos murais-FB de amigos. É certo que nisto da política costuma-se dizer que "prognósticos só depois do jogo", e que muito provavelmente os postos ainda não transmitidos são os mais longínquos de Maputo, nos quais o predomínio do partido Frelimo será menos acentuado. Mas pelos resultados já vistos pode-se retirar a ideia de que, como era esperado, Filipe Nyusi será o próximo PR. E que o Frelimo ganhará a maioria parlamentar - nesta vertente alguns consideravam a hipótese de brotar apenas uma maioria relativa.
Como é normal os ânimos políticos exaltam-se nestas ocasiões e um tipo - ainda para mais estrangeiro - falar da questão levanta sempre mal-estar nos alheios. Mas ainda assim:
O partido Frelimo tem muitos defeitos, nos quais noto mais a insensibilidade ecológica das suas camadas dirigentes. E refiro-o não como se fosse eu um tardio hippie mas porque antevejo enormes custos sociais futuros devidos à depradação do meio ambiente. E tem também a parte, antipática a muitos olhares, de corporizar a formação da burguesia nacional, tal-e-qual tantos outros lugares (basta ir ler o velho Thomas More, para saber como foi) - e com imensos tiques da "burguesia compradora", como se chamava há umas décadas. Mas também tem esta característica: governa há 40 anos. Num país que começou paupérrimo, no qual assumiu uma política comunista que teve custos e tendo depois feito uma inflexão capitalista (chama-se agora "economia de mercado" mas não uso isso porque não se chama "economia de estado" ao comunismo), a qual também teve custos. Governou durante uma guerra civil terrível. E governa há vinte anos em paz, num país que continua paupérrimo, sem indústria, sem lugar de emergência no mercado internacional (como quase toda a África subsahariana), sem capital próprio suficiente. E com uma economia (e sociedade) também condicionada por ditames das organizações internacionais (aquilo a que o obscurantista discurso português chama "troika"). Ou seja, o "estado da arte" moçambicano tem imensas causas internas. Mas também gigantescas amarras externas. É desse contexto que emerge a tal característica do Frelimo: em condições duríssimas de vida, umas sofridas outras auto-provocadas, continua a ter um enorme apoio popular. Com mais por cento ou menos por cento, mas estruturante.
Há a utilização (óbvia, mas nada original no contexto mundial) do Estado para as campanhas. E há também iniciativas fraudulentas nos processos eleitorais - que sempre existem, como demonstram as denúncias de observadores in loco, mas que são, e os agentes já deviam ter percebido isso, verdadeiramente desnecessárias [não me refiro a 1999, mas o contexto desde então muito mudou]. Mas reduzir a superioridade eleitoral do Frelimo a essas características denota uma incompreensão do real político moçambicano. E, em última análise, apouca a capacidade política do eleitorado, como se este não fosse capaz de expressar em consciência.
Críticas e constestações são feitas, até eleitoralmente. Como nas últimas autárquicas, onde o eleitorado urbano (até em zonas tradicionalmente frelimistas), puniu aquele partido - votando no MDM, uma oposição política pacífica. Por razões de política local mas também por razões de expressar crítica à governação do país. E lembro a quantidade de amigos meus, frelimistas convictos desde sempre, que votaram na oposição em Maputo e Matola (alguns para minha verdadeira estupefacção, nunca o imaginaria ...). Mas no momento de dirimir a governação do país outras considerações surgem. Duas fundamentais: a crença (mesmo que algo iniludida) numa continuidade, desconfiando de uma oposição que, de facto, não tem um projecto político-social expresso, para além de algumas boas práticas de governação local.
E uma segunda, fundamental diferença em relação às últimas autárquicas. A desconfiança com o partido Renamo. Não só face às memórias da guerra finda em 1991. Mas também face ao ressurgimento das práticas guerreiras em 2013, sucedidas após longo período de letargia política. Certo que como líder da oposição Dhlakama ressurgiu, uma boa votação, apagando Simango - aliás, não sendo eu nada adepto das teorias da conspiração, penso que a reintegração de Dhlakama no processo político eleitoral veio beneficiar o Frelimo, talvez uma maestria xadrezística.
Dhlakama teve banhos de multidão. Mas está, mais uma vez, demonstrado que este eixo de abordagem política não crescerá mais no país. Não é insignificante. Qualquer pessoa que conheça o país percebe que a massa popular de apoiantes do Renamo são os "descamisados" - e por isso tanto sorrio quando, por vezes, vejo moçambicanos, sempre estes de origem europeia, com outro património cultural que os leva a este tipo de discurso cristalizado, invectivarem a "direita" renamista (ou mdmista) em nome da sua "esquerda". Ou seja a grande base política renamista é sociologicamente importante, constitutiva.
E mostra a necessidade de incrementar a democratização, descentralizando o desenvolvimento. Entre outras coisas impedindo o florescimento de "sem-terra", esse horroroso pesadelo para quem pensa o país.
(texto feito às 15 horas de quinta-feira: e se os resultados mudam, invalidando numericamente este postal? Pois, então dir-me-ei "quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão")