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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
"Levantamos com minúcia o véu que a cobre e desvendamos uma mulher que se encontra em perfeito estado de conservação, apesar de morto há mais de duzentos anos. Os braços e as pernas imaculados, as unhas arranjadas, brancas, impecáveis. Aproximo-me e pressiono as suas bochechas. A carne move-se tal como a de uma pessoa viva, perdendo a cor quando lhe toco para logo recuperar o tom rosáceo da pele. As pálpebras abrem e fecham, e os olhos, quando abertos, mantêm o brilho da água que os refresca e que os irriga quando ainda vêem, a boca exibe os lábios rosados e húmidos, o nariz regressa ao lugar após o toque. As articulações das mãos e dos pés, ainda flexíveis."
Patrícia Portela
No Sábado passado fui ver “Fausta”, um espetáculo que nasceu de um desafio lançado pelos atores Pedro Gil e Tonan Quito à escritora Patrícia Portela e que tem como ponto de partida o seu mais recente romance "O Banquete", editado pela Caminho.
A partir de uma seleção do livro, pretende-se reescrever a história de uma Fausta e das suas trocas diárias de almas. O público reúne-se para ouvir uma mulher que narra a sua vida depois de morta na voz de dois homens. "Para desvendar todos os segredos, precisamos de reunir a história toda, as histórias todas… deste corpo que comporta muitos tempos." Esta é a autópsia de uma narrativa póstuma à procura de um todo impossível.
Gostei. A direcção artística e a interpretação de Pedro Gil e Tonan Quito e o espaço sonoro de Pedro Costa conseguiram passar ao espectador a beleza, a intensidade, as contradições mas também a pertinência desse estado que é ‘estar vivo’, a partir de um texto que, na sua origem, nada possui de teatral.
Intenso e mordaz, mas também belo e naïf, o texto de Patrícia Portela leva o espetador a colocar-se em espelho com a sua vida e, consequentemente, com a sua morte.
VA