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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[Clube de Lourenço Marques em 1889, por Thomas Lee]
Há algum tempo o ABM enviou-me esta ligação: 7 fotografias de Lourenço Marques em 1889, tiradas por Thomas Lee, fotógrafo britânico então estabelecido em Barbeton.
São fotografias colocadas por Ângela Camila Castelo Branco, co-autora com António Faria, dos muito recomendáveis textos sobre a história da fotografia em Portugal que se podem encontrar em no Grand Monde da Imagem e da Fotografia em Portugal na entrada "Os "Olhares Fotográficos" dos Estrangeiros. I - De Charles Legrand e William Barkley a Man RayGrande Monde" (reproduzida no Associação Portuguesa de Photographia), um excelente texto a que se seguiu "Os "Olhares Fotográficos dos Estrangeiros. II - Wolfgang Sievers, Henri Cartier-Bresson e Georges Dussaud (também colocado no Associação Portuguesa de Photographia). Os textos anunciam uma terceira parte ["Sebastião Salgado e os “Mensageiros da Liberdade”] e uma quarta ["Os olhares de Cândida Hoffer, Bert Teunissen e Marta Sicurella."] mas infelizmente não encontro as ligações, ainda que se encontrem na internet referência a exposições realizadas com esses títulos.
[Hotel Cardoso em 1889, por Thomas Lee]
Do primeiro desses textos retiro esta longa citação sobre os primórdios da fotografia em Moçambique:
"Nas colónias, mais significativamente em Moçambique devido à sua localização geográfica, foram muitos os olhares estrangeiros. Na então África Oriental Portuguesa estiveram:
Louis Hilly (França, 1851 – Moçambique, 4 Set. 1949), chega a Lourenço Marques em 1889 a convite do governo da colónia. Foi o primeiro fotógrafo a montar estúdio na recente capital Moçambicana na rua Alexandre Herculano. Em 1894 tinha atelier na Rua da Nossa Senhora da Conceição, quando da sua morte a “Foto Hilly” então na Av. Manuel de Arriaga passou para os seus filhos Susana e Alexi que a exploraram até à independência em 1975. Louis Hilly esteve nas barricadas em defesa de Lourenço Marques, quando das investidas dos guerreiros Vátuas comandados por Gungunhana.
Thomas Lee fotógrafo, comercialmente activo na África do Sul. Entre 1893 e 1899 teve um estúdio em Barberton, Mpumalanga. (Bensusan, p. 240). Testemunhou e registou em albuminas a construção da capital Moçambicana quando esta se mudou da Ilha de Moçambique para a então muito pantanosa e muito inglesa Delagoa Bay.
Sidney Hocking –(13 de Junho de 1872, Lourenço Marques - 14 de Junho de 1932). Inicia a sua actividade com atelier na Travessa da Fonte, em Lourenço Marques. Em 1909 adquire aos irmãos Lazarus o seu estúdio situado na rua Araújo (actual rua de Bagamoyo) quando estes se passaram para o edifício “Avenida Bulding”. Em 1931 ganha uma medalha de prata na Exposição de Sevilha. Apesar de ter falecido pouco tempo depois (1932), o seu estúdio sobreviveu até 1937.
A. Wiberforce Bayly – Em 1914 monta atelier no “Avenida Building”, em Lourenço Marques no mesmo espaço onde esteve instalado o atelier dos irmãos Lazarus.
Willie N. Singh - Willie N. Singh – Photographer, fotografou para a Administração Urbana da Beira, Moçambique alguns trabalhos podem ser vistos num álbum da Companhia de Moçambique de 1928/33.
J. e M. Lazarus – Em 1899 os irmãos Lazarus são já proprietários de uma casa em Lourenço Marques, mais tarde estão também estabelecidos na Beira e em Barbeton, na República do Transwal. O estúdio na capital da província estava então situado na rua Araújo (actual rua de Bagamoyo), tendo posteriormente passado para o edifício “Avenida Building” onde, em 1914, a empresa “A. W. Bayly” viria a instalar um atelier fotográfico, sob orientação técnica de Wiberforce Bayly. Acabariam em Lisboa proprietários da “Photographia Ingleza” a fazer retratos no n.º 53 da rua Ivens. (Sebastião Langa, “Retratos de uma vida” Arquivo Histórico de Moçambique, Dezembro de 2001). Os Lazarus estão aqui assinalados porque até hoje não conseguimos apurar a sua verdadeira nacionalidade, possivelmente são de origem judia.
J. Wexelsen fotógrafo profissional provavelmente de origem Bóer, com estúdio na Beira, Moçambique. A mulher de J. Wexelsen fotografada num riquexó na cidade da Beira, aparece num postal editado em 1907. Outros nomes, outros fotógrafos estrangeiros se passearam pelas Áfricas portuguesas banhadas pelo atlântico. Descobrir e estudar estes fotógrafos é tarefa urgente que, parece ainda não ser uma prioridade para a maioria das instituições científicas portuguesas, lá chegaremos..."
Ora a ligação ao local onde Ângela Camila Castelo Branco colocou as sete fotografias de Thomas Lee chegou-me acompanhada de um texto cujas semelhanças me permite atribuí-lo aos mesmos autores, mas para o qual não encontro a origem. Dado que tem algumas diferenças de pormenor e informações complementares transcrevo-o, pelo seu interesse, ainda que desprovido de referência autoral certa e respectiva fonte:
"Nas colónias, mais significativamente em Moçambique devido à sua localização geográfica, foram muitos os olhares estrangeiros. Em 1873, na então África Oriental Portuguesa, o inglês H. Kische anunciava no “Boletim Oficial” do Governo da Colónia de Moçambique. Este fotógrafo do séc. XIX trabalhou ao longo de toda a costa moçambicana do Índico, no seu litoral e no interior. A sua actividade como retratista era comercialmente compensada com a venda de álbuns com vistas da colónia.
Louis Hilly (França, 1851 – Moçambique, 4 Set. 1949), chega a Lourenço Marques em 1887. A 10 de Novembro do mesmo ano, Lourenço Marques é elevada a cidade por decreto "d'El Rei D.Luiz I de Portugal e dos Algarves", e em 1889 passaria a ser a capital da colónia.
No ano de 1888 o fotógrafo Manuel Romão Pereira, à testa de uma "expedição fotográfica", foi encarregue de documentar em imagens todo o Moçambique, enviado pelo ministro conselheiro Frederico Ressano Garcia. Esta tarefa terminaria em 1891 no tempo de António Enes. Manuel Pereira seria o primeiro "photographo - desenhista" profissional de Lourenço Marques e talvez de Moçambique. Na edição do jornal "Distrito de Lourenço Marques" de 2 de Fevereiro de 1889 vinha o seguinte anúncio publicado: "Atenção! Vende-se em casa do photographo Pereira, frente à residência parochial, milho bom, porcos e leitões".
No entanto, o mais antigo estúdio de um fotógrafo estrangeiro na capital pertenceu ao francês Louis Hilly. Este chegou a Moçambique contratado pelo governo da colónia em 1889 e em 1895 já tinha atelier na Rua da Nossa Senhora da Conceição. Aquando da sua morte, a “Foto Hilly” então na Av. Manuel de Arriaga passou para os seus filhos Susana e Alexi que a exploraram até à independência em 1975. Louis Hilly esteve nas barricadas em defesa de Lourenço Marques, quando das investidas dos guerreiros Vátuas comandados por Gungunhana.
Em 1914 a empresa “A. W. Bayly” instalou um atelier de fotografia , sob orientação técnica de Wilberforce Bayly, no mesmo local onde tinha funcionado o segundo estúdio dos irmão J. e M. Lazarus, no edifício “Avenida Building”. Os irmãos Lazarus editaram o primeiro álbum fotográfico sobre Lourenço Marques. “A Souvenir of Lourenço Marques an album of views of the town”.
A estes dois nomes dos primórdios da fotografia em Moçambique podemos juntar-lhe o de Sid Hocking que iniciou a sua actividade nesta cidade em 1926 na Travessa da Fonte. Em 1931 foi premiado em Sevilha com uma medalha de prata. Hocking morreu em 13 de Dezembro de 1932 mas, o seu estúdio funcionou até 1937.
Thomas Lee fotógrafo, comercialmente activo na África do Sul, entre 1893 e 1899 teve um estúdio em Barberton, Mpumalanga. (Bensusan, p. 240). Testemunhou e registou em albuminas a construção da capital Moçambicana, quando esta se mudou da Ilha de Moçambique para a então muito pantanosa e muito inglesa Delagoa Bay."
No primeiro texto há ainda uma interessante referência à fotografia dedicada a Moçambique, um enigma absolutamente exemplar das modalidades da época de representação dos africanos. Desde a mitologia associada até às modalidades de composição gráfica, cristalizadoras do imaginário associado. E, claro, às formas explícitas da associação do fotografar como tomar:
"Um fotógrafo que teve estúdio na rua dos Mártires n.º 34, 1.º em Lisboa foi E. Thiesson que fotografou meia Lisboa e a quem A. Feliciano de Castilho dedicou um artigo publicado no Jornal de Belas Artes intitulado “Luz Pintora”, onde se confirma o estúdio do francês na capital em 1845. Provavelmente foi nesse mesmo estúdio visitado por Castilho que Thiesson terá feito uma série de daguerreótipos de africanos residentes em Lisboa, entre os quais estaria a famosa nativa de Sofala, Moçambique. O daguerreótipo pertence hoje à colecção George Eastman, Rochester, Nova Yorque; estes esclarecem que a retratada é a Rainha do Xai-Xai de Zavala- Moçambique e que aí foi retratada por Thiesson em condições climatéricas adversas. E nós que até suspeitamos que o fotógrafo nunca esteve em Moçambique, não deixamos de simpatizar com a história da Casa George Eastman. Os americanos lá terão as suas fontes! Para nós, será sempre uma Rainha do Sabá."
Adenda: Imparável o ABM envia-me mais ligações sobre este mundo maravilhoso da história da fotografia em Moçambique. Agora uma ligação para o fundo de 1173 fotografias digitalizadas pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, respeitantes a várias épocas do período colonial. É certo que o excelente trabalho realizado pelo Instituto é algo manchado pela desmesurada inscrição do deselegante acrónimo institucional, com toda a certeza haveria outra mais cavalheiresca forma de garantir "o seu ao seu dono". Mas a fotografia dada não se olha a dente ...
[Mesquita de Maputo, na Baixa, por Lazarus, 1902? - a velha fachada, desnecessariamente destruída no início deste milénio.]
Como exemplos desse riquíssimo acervo aqui fica um exemplar das 29 fotografias da autoria dos irmãos Lazarus, referidos acima, produzidas no início de XX (a maioria de 1902), retratando Maputo (Lourenço Marques) e Quelimane. E este chamar de atenção culmina com esta curiosíssima fotografia de Sousa Machado. Impagável exemplar para a mitologia colonial. E para a construção da história nacional.
["Landins de Gungunhana", por Sousa Machado]
É de aproveitar, visitem e gozem.
jpt