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Lucas Coelho e a CPLP

por jpt, em 13.04.14

 

 

Há dias meti um postal, bem intencionado, sobre a "interacção" cultural entre Moçambique e Portugal. Nele está ainda a ligação para agradáveis declarações de Mia Couto, saudando a boa qualidade da actual "cooperação" cultural entre os dois países. Distingo os termos pois no jargão "cooperação" remete para articulações sob quadros institucionais (estatais ou não-governamentais) algo diversos da "interacção" entre profissionais das áreas, neste caso culturais. A distinção pode ser ténue, porosa, mas quem acompanha o sector de actividade percebe, de imediato, o que se pretende apartar.

 

Há muitos anos que estou afastado dessa área, não tenho grande informação. Ouvindo o mais que respeitável Mia Couto surpreendi-me um pouco, ficando esperançado que esteja correcto. Descreio um pouco, por razões múltiplas. No topo das quais sempre coloco um problema ... cultural. Pois as características sociológicas da administração pública portuguesa são um grande obstáculo ao estabelecimento de políticas de cooperação, muito em particular nos sectores da acção cultural. Mas concedo, bastar-me-á aceder a um documento indexando projectos estruturantes (efectivamente) realizados em algumas áreas culturais para rever este meu cepticismo. E fá-lo-ei com grande prazer.

 

Dito isto. Foi sonoro o acontecido na semana passada em Lisboa, na entrega do prémio APE a Alexandra Lucas Coelho. A escritora fez um discurso abrasivo, no qual articulou literatura e política, e criticou duramente o presidente da república e o governo. Simpatizo com as gentes das artes e letras afrontando os poderes políticos e, mais ainda, os económicos. Gostei do acto. Certo que discordo de algumas coisas que a autora disse (um erro factual, aquele de que o PM actual mandou os professores emigrar, uma coisa que não aconteceu; uma interpretação muito reducionista sobre o "local" do salazarentismo na sociedade portuguesa; e uma visão muito ... sincrónica das maleitas da sociedade), mas nisso cada um interpreta como vê.

 

Como se tornou público, após o discurso da escritora ripostou o secretário de estado da cultura, algo a despropósito. Os adeptos do actual governo gostaram, mas é óbvio que gostaram mal. Um membro de um governo não se comporta assim, muito menos numa sessão protocolar. E se quer ripostar (erro) arranja um registo adequado. Mas enfim, cada um riposta como quer. E pode.

 

O enorme burburinho causado chamou-me a atenção para outra coisa. Pois nesses mesmos dias acontecia em Maputo a IX reunião de ministros da cultura da CPLP, acto que ocorre em cada dois anos. Na qual, com toda a certeza, as questões da "cooperação" cultural (e concomitantes efeitos indutores da "interacção") foram discutidos, planeados e, talvez, melhorados. Ao nível multilateral e nos âmbitos bilaterais. E presumo que, dada a ênfase linguística que esta cooperação vem tendo, terão sido discutidas questões ligadas à dinamização do "português" língua.

 

Acontece que o nosso governo não considerou importante a reunião e não esteve presente. E o responsável pelo sector, em vez de aqui se ter apresentado, foi-se para a cerimónia de um prémio literário (por mais estimável que este seja) arranjar um banzé daqueles, chamando sobre si a atenção. De todos e, como tal, dos seus congéneres reunidos em Maputo. 

 

É óbvio que há aqui qualquer coisa descalibrada. E, infelizmente, tudo isto só sublinha o meu cepticismo sobre as possibilidades da tal "cooperação". 

publicado às 23:22



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