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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Ha alguns dias em esplanada entre-vizinhos discutia-se, acaloradamente, as eleicoes que ai vinham e ja foram. Quando disse que votaria no PAN, usando o argumento nada jocoso que era o partido que defendia os meus direitos (os dos animais) e que tambem aceitava a faccao pro-vegetais, logo um intelectual da politica (daqueles tao assertivos como o sao os intelectuais da bola) bradou "isso e deitar fora o voto", "que nao serve para nada" pois nao chegaria o partido a "lado nenhum". Ali, entre vastas imperiais e escassos tremocos, estava a elegia do voto util, isto do so valer a pena votar em quem pode ganhar (ou seja, ter grande representacao). De nada serviu tentar dizer que nao me revejo naquelas coligacoes de esquerda que arvoram patrimonios estalinistas, maoistas ou trotskistas (e que nao quero sair da UE, do euro ou da NATO), que aquele elogio ao Dias Coelho custou ao PSD o meu voto, e que a minha "besta negra" (nada animal, e como tal nao defendida pelo PAN) sera sempre o patrimonialismo desbragado do PS. E que para alem disso, ainda que aquilo que li do PAN me pareca um bocado new-age demais para o meu gosto, penso que o pais precisa de movimentos ecologistas, vampirizados pela escabrosa fraude do PCP e, depois, utilizados na demagogia "causas fracturantes" do BE, tao bem capturados pelo esperto Socrates para a reproducao das suas malfeitorias. A sentenca estava dada, e tao comum ela aparece, um tipo so deve votar em quem ja tem hipoteses de ganhar, este o sumario do voto util.
So hoje de manha leio que o PAN elegeu um deputado, bom resultado. E tenho pena que outros pequenos partidos nao tenham conseguido. O Livre que integra Ana Drago, uma participacao publica que sempre apreciei, e o partido do advogado Marinho Pinto, que nem tanto. Pois sao vozes algo dissonantes, a perturbarem o rame-rame, a complexificarem o espectro dos discursos. E tanto o voto PAN como o resto dos resultados, a explosao BE acima de tudo, mas tambem a resistencia PCP, mostram o estertor do voto util. A gente vota em quem pensa ser melhor. E ainda bem. E a mostrar aos intelectuais da politica que nao tem razao quando querem ser normativos.
Quantos mais partidos no parlamento melhor. A obrigarem a coligacoes, que sao coisa comum na "europa", governos tri/tetra/pentapartidarios - certo que com administracoes publicas (Estado) bem mais autonomos dos partidos do que ca, certo que com sociedades civis bem mais estruturadas do que ca (onde abundam os particularismos "instituidos"), o que facilita a administracao corrente nestes contextos politicamente complexos. Aqui a gente assusta-se com as coligacoes, diz instabilidade. Por um lado porque temos o Estado colonizado pelos grandes partidos. Mas tambem a esquecer-se que os nossos grandes partidos tambem sao coligacoes: de interesses (alguns nem tao simpaticos), e tambem de tendencias politico-ideologicas. E estando englobadas (engalfinhadas quantas vezes) no mesmo partido se tornam elas de mais dificil e improdutiva conjugacao. Por isso tambem, tudo contra o voto util. Por isso venham as coligacoes governamentais, desde que explicitas (nunca mais "queijos de limianos", aquilo que germinou a triste primeira decada de XXI).
As coligacoes parecem terriveis aos clubistas, aos identitaristas ("eu sou do partido X"). Mas a gente vive nesta europa, o tal modelo civilizacional. Construido entre a doutrina social da Igreja (os demo-cristaos), os liberais e os sociais-democratas (os marxistas). E na resposta, entre-guerras e no pos-II Guerra, aos marxismos mais leninistas que assim, por refraccao que seja, sao tambem obreiros disto. Sao as diferencas de enfase e de enfoque muito grandes entre todos estes? As vezes sim, outras vezes nem tanto como diria o sabio La Palisse. O que vai certo 'e que "isto" assim, as puncoes extremas sobre quem trabalha ou ja trabalhou, nao pode continuar, as assimetrias e sua reproducao nao podem ser ilimitadas, o capitalismo tem que mudar (perdao, a "economia de mercado" tem que mudar). Podemos aprender isso com qualquer verdadeiro liberal, podermos ouvir isso dos ultimos papas, como Bento XVI (a quem os populistas de esquerda insistiam em chamar Ratzinger) ou Francisco I (cuja face menos germanica e hieratica agrada aos populistas de esquerda), podemos saber dos intelectuais marxianos/marxistas e adivinhar nos arcanos da social-democracia, como o assassinado Palme. Uma sopa de pedra, a imaginacao coligacao politica e intelectual necessaria? Com toda a certeza. Mas possivel se nao se inventarem, por clubismos afectivos, canyons onde ha divergencias. Nao se tratara de uma paz podre, de um irenismo hippie. Mas da consciencia de que ha muito mais em comum nas concepcoes maioritarias do que rupturas.
Duas condicoes serao fundamentais: nao sera com os legados de Andreotti ou de Craxi que se enriquecera ou inventarao solucoes (na nossa modesta e pequena escala: com os legados de Cavaco ou Socrates). Uma modernidade pos-patrimonial vem sine qua non. E a outra, e fundamental: entender que o mundo colonial acabou, aquilo do capital se reproduzir so na Europa ou nas antigas colonias de povoamento britanicas ja era. Veio a nada maldita globalizacao, e se queremos enriquecer e redistribuir na Europa ja nao sera as custas da miseria de milhares de milhoes de "nativos" alheios. O proteccionismo que quer encerrar o capital intra-muros esta passado. Chegou a era do internacionalismo ... "de classes medias". E de pontapearmos o lumpen. E o lumpen sao aqueles que acham que os outros ganham "por poucochinho", os que querem esconder o real para proveito proprio. Esse pontape sera o proximo passo, que o maior esta dado.