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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
É a própria Lusa, decerto que porque com jornalistas no local, que noticia que o atentado à vida de Afonso Dhlakama, ontem ocorrido em Chimoio, foi realizado por membros da polícia. Isto demonstra a perenidade em membros da administração estatal e do Frelimo do sonho angolano, de uma filiação ao modelo angolano. Não digo que seja isso universal no seu seio mas está vigorosamente pujante Ou seja, a ideia de que a pacificação do país e a reprodução do sistema socioeconómico e político vigente será possível, melhor dizendo, só será possível com a eliminação do dirigente da oposição. Foi assim em Angola com o abate de Savimbi será assim em Moçambique, pensarão. Esquecem-se ou desconhecerão a velha máxima, a de que a história não se repete. Ou, por outras palavras, que esta situação é muito diversa, o feixe de interesses internacionais em torno do país e a complexidade sociológica interna são bem diferentes, a exigirem outra criatividade na condução da evidente crise. Creio mesmo que a morte de Dhlakama seria o pior que poderia acontecer ao Frelimo, incrementando a dramatização da vida política nacional, pulverizando as vozes liderantes na oposição, fragmentando os apoiantes do próprio partido, minando a reputação internacional do poder sediado em Maputo. E etc.
Não tenho particular simpatia para com o Renamo, não encontro nele aquele partido vinculado ao projecto de welfare state desenvolvimentista e grávido de preocupações ecológicas que tanto sonhei para o país. E considero que a reescalada da violência se deve, em primeira análise, à sua estratégia eleitoral (sim, eleitoral) encetada com o ataque armado à esquadra de Muxungue. Mas é parte fundamental do sistema nacional moçambicano e face a isso as técnicas da negociação devem-se impor. Parte fundamental porque legítima, democraticamente legítima.
E é por isso que tanto torci o nariz ao recente discurso de Mia Couto, tão aclamado foi. Porque, e para além do pernicioso e obscurantista anti-sociologismo que sempre é a invocação (tão recorrente) do carácter familiar de um país (de uma vez por todas: um país não é como uma família nem como tal deve ser imaginado ou metaforizado), ali o autor nos transporta para um registo onde está subliminar a ilegitimidade da Renamo. Pois ao reduzir agora, seguindo o jargão da época, a guerra civil moçambicana a uma "guerra de desestabilização" (aquela contra "os bandidos armados") é essa ilegitimidade que se está a evocar - com o perigo de se estar também a invocá-la.
Foi o então Renamo criada do estrangeiro, no âmbito de uma "desestabilização"? Foi. Mas a guerra civil não se restringiu a isso, e o Renamo não foi depois nem é agora apenas isso. E amputar esta completude no discurso actual é hoje, apesar da retórica, nada pacificador. Muito pelo contrário. E a "convivência nacional", a necessária constante negociação, a paz e o tão necessário desenvolvimento, passam e obrigam a um depuramento conceptual. Mais do que a retóricas benfazejas.
Adenda: