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O modelo angolano

por jpt, em 13.09.15

savimbi.jpg

 

 

É a própria Lusa, decerto que porque com jornalistas no local, que noticia que o atentado à vida de Afonso Dhlakama, ontem ocorrido em Chimoio, foi realizado por membros da polícia. Isto demonstra a perenidade em membros da administração estatal e do Frelimo do sonho angolano, de uma filiação ao modelo angolano. Não digo que seja isso universal no seu seio mas está vigorosamente pujante Ou seja, a ideia de que a pacificação do país e a reprodução do sistema socioeconómico e político vigente será possível, melhor dizendo, só será possível com a eliminação do dirigente da oposição. Foi assim em Angola com o abate de Savimbi será assim em Moçambique, pensarão. Esquecem-se ou desconhecerão a velha máxima, a de que a história não se repete. Ou, por outras palavras, que esta situação é muito diversa, o feixe de interesses internacionais em torno do país e a complexidade sociológica interna são bem diferentes, a exigirem outra criatividade na condução da evidente crise. Creio mesmo que a morte de Dhlakama seria o pior que poderia acontecer ao Frelimo, incrementando a dramatização da vida política nacional, pulverizando as vozes liderantes na oposição, fragmentando os apoiantes do próprio partido, minando a reputação internacional do poder sediado em Maputo. E etc.

 

Não tenho particular simpatia para com o Renamo, não encontro nele aquele partido vinculado ao projecto de welfare state desenvolvimentista e grávido de preocupações ecológicas que tanto sonhei para o país. E considero que a reescalada da violência se deve, em primeira análise, à sua estratégia eleitoral (sim, eleitoral) encetada com o ataque armado à esquadra de Muxungue. Mas é parte fundamental do sistema nacional moçambicano e face a isso as técnicas da negociação devem-se impor. Parte fundamental porque legítima, democraticamente legítima.

 

E é por isso que tanto torci o nariz ao recente discurso de Mia Couto, tão aclamado foi. Porque, e para além do pernicioso e obscurantista anti-sociologismo que sempre é a invocação (tão recorrente) do carácter familiar de um país (de uma vez por todas: um país não é como uma família nem como tal deve ser imaginado ou metaforizado), ali o autor nos transporta para um registo onde está subliminar a ilegitimidade da Renamo. Pois ao reduzir agora, seguindo o jargão da época, a guerra civil moçambicana a uma "guerra de desestabilização" (aquela contra "os bandidos armados") é essa ilegitimidade que se está a evocar - com o perigo de se estar também a invocá-la. 

 

Foi o então Renamo criada do estrangeiro, no âmbito de uma "desestabilização"? Foi. Mas a guerra civil não se restringiu a isso, e o Renamo não foi depois nem é agora apenas isso. E amputar esta completude no discurso actual é hoje, apesar da retórica, nada pacificador. Muito pelo contrário. E a "convivência nacional", a necessária constante negociação, a paz e o tão necessário desenvolvimento, passam e obrigam a um depuramento conceptual. Mais do que a retóricas benfazejas.

 

Adenda

 

A distância dá nisto: durante anos habituei-me a acalmar as perguntas idas de Portugal sobre os acontecimentos ditos escatológicos que ocorriam em Moçambique. Normalmente não eram tão graves ou mesmo não eram algo. Agora, daqui de Lisboa, também me pareceu algo suspeito o anunciado. Mas a Lusa divulgou e passado um dia ainda não negou o acontecido pelo que acabei por acreditar nas notícias, que tanto iam sendo ecoadas em diversos jornais (e nos murais dos cidadãos).
 
Entretanto através do blog de Carlos Serra acedo a notícias que negam qualquer atentado - fico à espera que a agência noticiosa portuguesa, que não é privada, diga algo mas ainda não. E é grave esse défice de informação, muito grave mesmo. De qualquer modo o fundamental é a inexistência do atentado, será óptimo que assim tenha sido.
 
Mas não altero o postal, está escrito está escrito - e de certa forma ecoa as minhas opiniões sobre os ataques à base do Renamo em ano anterior. E, pelo menos, deixou botar cá para fora o resmungo com o discurso do Mia Couto, que tantos elogios colheu e que tanto me desagradou, e que tinha ficado a marinar.

 

 

publicado às 13:54


12 comentários

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De Carlos Serra a 13.09.2015 às 18:53

José Teixeira, e se tudo não passou de um pneu que prosaicamente rebentou?
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De jpt a 13.09.2015 às 19:28

Se isso é verdade, Carlos Serra, seria óptimo. Levantar-me-ia outra questão: repare que eu começo, prudentemente, o meu texto com a referência que é a Lusa que noticia os acontecimentos de ontem deste modo. E a agência nacional portuguesa não pode incorrer em erros, ser tão taxativa, se não acompanhou o acontecimento, por isso assumi o narrado como acontecido.
De qualquer forma, mesmo que assim tenha sido (e tão bom seria que não fosse mais do que um rumor baseado num mero acidente) isso não altera o meu resmungo, que ficou a marinar, com o conteúdo do discurso do Mia Couto. Cumprimentos 
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De José de Matos a 13.09.2015 às 23:28


A comunicaçao social publica, alegadamente controlada pela Frelimo, ignorou ou banalizou o incidente, se nao fosse a Lusa so saberiamos pelos comunicados da Renamo.
A versao do pneu furado nao faz sentido, como acreditar que com o susto os soldados da Renamo atiraram  contra os proprios  veiculos  e contra os colegas ? Ha fotos de carros baleados e soldados feridos.
Se existem duvidas, seria sensato criarem uma Comissao de Inquerito independente, com peritos dos dois lados, mas nao vejo nenhum movimento nesse sentido!
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De jpt a 14.09.2015 às 01:53

A Lusa informa que o(s) seu(s) jornalista(s) testemunhou o ataque. Não será pois necessária uma comissão de inquérito para comprovar se houve ou não atentado, bastará que o serviço noticioso estatal português explicite o que viu. Quanto à autoria (em caso de realmente ter havido atentado) isso é outra matéria, e sim, seria de investigar a origem
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De João M. Cabrita a 14.09.2015 às 09:21

Também torço o nariz quando leio e oiço falar sobre uma Renamo criada no estrangeiro para "desestabilizar". A hipótese de poder ter sido criada "em casa" era tão remota como a fundação da Frente de Libertação de Moçambique ser anunciada em Lourenço Marques. Por razões que são conhecidas – e com uma particularidade no caso da Renamo: os Capitães de Abril, que se orgulham de ter restituído a liberdade ao povo português; a Frente de Libertação de Moçambique que bata a tecla de ter contribuído para a libertação desse mesmo povo, acordaram ambos em Lusaca há 41 anos em algo contrário a essa postura: “cooperar na detecção e neutralização de todos os agentes reaccionários e subversivos...”. Assim o fizeram. Com empenho e convicção.


Como disse Almeida Santos ao dar as boas-vindas a Lutero Simango na Assembleia da República em Lisboa: “A História ainda nos há-de julgar.” De facto.

 





P.S. Pneus que rebentam, com estilhaços? que penetram a chaparia do carro ao lado? Há um suspeito que poderia esclarecer: Sérgio Vieira. Nas páginas do semanário DOMINGO defendia Sérgio Vieira (no espírito e na letra do acordado há 41 anos...) que "para os recalcitrantes, na sequência, há que seguir o exemplo angolano, depois de isolados do grosso, caçá-los e savimbizá-los."
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De jpt a 14.09.2015 às 09:50

João Cabrita V. terá muito mais conhecimento do que eu relativamente ao processo de formação do movimento Renamo. Eu não estou aqui a fazer declarações de princípios de índole política nem um qualquer julgamento histórico, apenas a ecoar uma vasta bibliografia. É ela suspeita? É a minha única fonte para conhecer a história do país. O que será relevante não é que a Renamo tenha sido constituída dentro das fronteiras ou fora mas qual a inspiração e objectivos iniciais. Mas muito mais do que isso o que me é relevante é entender a evolução do movimento dentro do país, do seu progressivo enraizamento como uma das forças políticas relevantes. Insistir em ver as características do actual partido como derivando das condições da sua formação (se legítima, se ilegítima, se endógena, se exógena) é um resquício de uma visão biologizante do mundo social, um erro, em minha opinião.


Quanto aos acontecimentos deste fim-de-semana e face ao que V. diz: a) como já disse escrevi sobre notícias da agência Lusa, que referiu ter testemunhado os acontecimentos. Como estou algo tarimbado quanto a rumores e a alguma desinformação nestas questões dos conflitos Estado-Renamo esperei um dia para escrever o postal, esperando mais detalhes. A notícia proliferou em vários jornais, não houve negação. Depois de ter escrito o Carlos Serra informou-me aqui mesmo de outra versão, a do rebentamento do pneu. E tem no seu blog acompanhado a situação e ligado às notícias. Eu julguei necessário referir isso, sublinhado que continuo à espera que as anunciadas testemunhas da Lusa se pronunciem sobre o assunto. Não posso escolher quais as versões correctas, só por mera crença minha. 


b) e mais importante. V. escreve aqui que Sérgio Vieira é suspeito. Isso é grave. Goste-se ou não da personagem em causa não me parece curial colocar as coisas nesse ponto. É suspeito porquê? Porque escreveu no passado o que V. aqui cita? Não concordo nada e lamento que tenha pessoalizado isso aqui no blog se apenas por essa questão. Se o atentado existiu então para alguém ser considerado suspeito e para se afirmar isso publicamente então terá que haver indícios, não se pode fazer apenas uma "boca". Se o atentado existiu poder-se-á dizer que um texto como o citado poderá ser (ter sido) instigador, poderá ser lembrado e criticado. Daí a considerar o seu autor suspeito é uma coisa totalmente diferente.


cumprimentos
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De Américo Matavele a 14.09.2015 às 10:10

Acho que a Lusa noticiou o que naquele momento pareceu ter acontecido: Um estrondo seguido de uma reacção de guardas da Renamo, e uma caminhada preventiva de cerca de 15 quilómetros. Os jornalistas da Lusa estavam nesse ambiente, totalmente influenciados por aqueles que dominavam a situação e distribuíam as verdades. A própria veia jornalística dos jornalistas da Lusa (passe a repetição), ficou afectada em prol da sobrevivência. Ora, num ataque, onde se diz que houve feridos nos dois lados, pelo menos podia se ter algo que demonstrasse a presença de uma outra força. Nada. Uma foto, um vídeo amador? Nada! E a perseguição feita pelos guardas da Renamo produziu algo? Nada. Há aqui muita coisa por encaixar para se ter exactamente um ataque. A comitiva da Renamo tem cerca de 20 e tal viaturas, com cerca de 50 homens armados, nervosos e desconfiados espalhados pelas viaturas. Essa coluna pode ter um comprimento de mais de 500 metros ou um quilómetro, dependendo do tipo de estrada, e uma falha de comunicação pode ser fatal numa situação dessas. O que houve foram disparos. E disparos e ataque são duas coisas diferentes. Disparos podem ter vindo de uma das viaturas da coluna, mas um ataque vem de alguém estranho à coluna. Alguém esse que não deixou nenhum tipo de rasto. Enfim. Esperemos pela verdade.
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De jpt a 14.09.2015 às 10:47

É muito provável um cenário como o que aventa, obrigado. Eu não estou a querer crucificar os jornalistas da Lusa. Apenas isto, estavam no terreno, noticiaram o facto referindo que o testemunharam. Ontem no telejornal da RTP2, cerca das 9 horas, ainda se anunciava sem mais detalhes o atentado ocorrido - ora dadas as novas indicações sobre o que aconteceu seria de esperar que os jornalistas no terreno viessem explicitar mais detalhadamente o que assistiram.
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De João M. Cabrita a 14.09.2015 às 15:36

Américo Matavele, o mano não explica a viatura crivada de balas.  Já há fotos da viatura alvejada em redes sociais.

Sabe dizer se polícia já recolheu as balas para exame de balística? Para quem aventou a hipótese, como um porta-voz da polícia o fez, de que teria sido a Renamo a montar a emboscada, essas balas são cruciais. Não acha?


 
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De João M. Cabrita a 14.09.2015 às 10:43

José Pimentel Teixeira: Sinceramente, lamento ter conspurcado o seu blog com uma opinião pessoal. Está no seu direito de apagar o que escrevi – ou de eliminar a minha subscrição. Não levarei a mal.

Mas para acrescentar: sei de fonte segura e impecável que dentro do regime da Frelimo há quem defenda a eliminação física do líder da oposição. Estão dentro e fora do actual elenco governativo. Nada de anormal, aliás, num regime que tem por tradição a eliminação física de quem o contesta ou represente ameaça a planos traçados para a eternidade – ou continuidade.

Sérgio Vieira conta-se entre os que advogam essa linha – para além de já o ter feito publicamente, como referi. Não se trata de uma mera questão de rambos instigados  por «Cartas a Muitos Amigos», da mesma forma que Sadjunjira/Outubro de 2013 não surgiu ao acaso.

Eu tomo Sérgio Vieira a sério. É pessoa que a História ensina-nos a não subestimar. Por isso considero-o de suspeito. Num Estado de Direito, Sérgio Vieira seria, obviamente, convocado a prestar declarações – em ambiente de suspeição. Tão simples como isso.
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De jpt a 14.09.2015 às 10:51

Eu não disse que V. "conspurcou" e acho exagerado que o exprima nesses termos. Não concordo com a sua opinião mas V. assinou-a, não tenho nada que a apagar. Quanto ao que diz agora: eu insistiria, antes de referir quem deverá ser considerado suspeito, em que fosse esclarecido o verdadeiro conteúdo do acontecido. E nada melhor do que os jornalistas que o testemunharam.
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De jpt a 14.09.2015 às 10:54

No grupo ma-schamba no facebook, onde também se discute o acontecido o Machado da Graça deixou este comentário: " O jornalista da Lusa viu 4 polícias feridos no tiroteio e capturados pelos homens da Renamo. Tinham fardamento da UIR. E acrescentam que, cerca de 20 minutos depois, passou por eles uma viatura da UIR cheia de agentes e, pouco depois, uma ambulância.". 



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