Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




O Sporting e o "projecto Roquette"

por jpt, em 14.03.08

logo-sporting.jpg

 

É certo que passei parte dos últimos meses do ano passado em zonas sem televisão. Ainda assim deu para entender que os jogos europeus do Sporting (na "xampions", como agora dizem os entendidos) não foram transmitidos na África Austral por nenhum canal - a RTP (versão África ou Internacional) porque não tem os direitos de retransmissão, os canais nacionais moçambicanos porque retransmitem (por oferta ou a preços de saldo) as emissões do canal internacional francês (CFI) - tal como os angolanos -, as quais naturalmente assumem outras preferências. Os inúmeros canais desportivos nas redes de cabo ou satélite optaram por outros jogos, ligados a interesses dos seus público-alvo e às disponibilidades televisivas. Ou seja, aqui assistem-se a alguns jogos do campeonato português ("bwin" dizem os actualizados, já esquecidos do neo-anglicismo "liga") por via dos canais nacionais abertos. E onde há parabólicas ou TVcabo assiste-se aos jogos portugueses (campeonato em modo extenso, até aos naval-união leiria, às taças e às competições europeias) na supersport 127 (Máximo), um canal sul-africano abrilhantado por locutores portugueses de jo'burg e por ex-futebolistas moçambicanos. Tudo isso à excepção dos jogos europeus do Sporting - na liga dos campeões e, surpresa, na taça uefa. Sem que pareça haver a mínima interferência, no sentido contário, por parte do clube.  É óbvio que este não manda nos canais televisivos. Mas pode com eles interagir, influenciar, bem para além das receitas imediatas a cobrar, ainda que sejam eles estrangeiros.

 

Entenda-se, o canal direccionado para o público português da África do Sul, bem como para os contextos suazis, angolanos e moçambicanos, não transmite os jogos do Sporting na "Liga dos Campeões" decerto devido a agendas de transmissões que, no entanto, poderão ser discutidos, até influenciadas.. Mas surpresa maior é isso também acontecer na Taça UEFA, na qual os direitos televisivos são geridos diferentemente, com maior autonomia clubística.

 

Exemplifique-se com o acontecido ontem, o Sporting-Bolton: o canal 127 (Máximo) anunciou durante o dia que à noite transmitiria a "Taça UEFA". A rapaziada telefonou-se, combinou os vinhos e os pregos e toca de se juntar para ver o jogo Sporting-Bolton, a ver se os jogadores interrompiam o freudiano anseio parricida contra o Paulo Bento e se ganhavam a eliminatória. Chegada a hora o canal transmitiu o Getafe-Benfica em diferido, um dia depois! Ridículo. Critica-se o canal? Protesto? Um pouco, claro.

 

Mas acima de tudo exige-se um protesto com a política de comunicação do Sporting, uma reflexão sobre o destino do clube que ela exemplifica (e determina?). Com tudo aquilo que ali vem acontecendo e com o que acontece agora. Um clube longamente dirigido por um Grande Presidente, hoje esquecido pela mole da bola, o Senhor João Rocha. Que tomou encargo do clube em 1973, estava ele subjugado (já então) por uma terrível crise financeira. Que o assumiu, geriu durante as convulsões de meados daquela década, o cumulou de títulos, o tornou o clube de enorme ecletismo (o que é uma pura verdade, não é uma figura de estilo nem um imbecil "holiganismo"), pejado de títulos europeus, mundiais e até olímpico, e ainda carregado de praticantes verdadeiramente amadores - um clube de massas, um clube de famílias, um clube de desportistas. Que nisso tudo conseguiu fechar o estádio, acabando com o peão onde ainda acampei, dando-lhe ainda uma então importantíssima pista de ciclismo. E que o deixou senhor de alargado património fundiário - e tudo isso fez antes da "Europa" chegar com todo aquele imenso dinheiro e ser apenas preciso pedir dinheiro ao partido do poder para fazer obras da "câmara" em troca dos votos para continuarem no "comboio descendente" da legislatura. Um clube que a seguir foi dirigido por um decentissimo presidente, o dr. Amado de Freitas, um curto consulado apenas enublado pelo facto desse prestigiado associado ser desprovido de fortuna pessoal que ajudasse a ultrapassar dificuldades de tesouraria - lembremo-nos de que então ainda vigorava o modelo do presidente mecenático, dando origem a figuras credoras de grande respeito popular, como o referido João Rocha, ou Borges Coutinho e Ferreira Queimado no Benfica.

 

Depois os tempos mudaram, a II República de extracção populista impôs-se (também) no Sporting Clube de Portugal. A curta etapa Gonçalvista, entre o folclórica e o lamentável, deu lugar à típica e até humorista figura de Sousa Cintra, arquétipo do self made-man caricatural. Lembro-me do tão criticado que foi à saída, uma saída inglória, desprovida de progressos de clube e de vitórias na bola - deixara, aventavam os jornais, a calamitosa situação de 6 milhões de contos de deficit. Como sobreviviria o clube depois deste descalabro? A ruína, a falência ou, ainda pior, a belenização surgia no horizonte.

 

Surgiu então o "projecto Roquette", ainda hoje no poder, agora sob outro avatar mas de similar conteúdo sociológico, uma filiação óbvia. Ditos génios da finança, representantes das grandes famílias de empresa, arvorando os hífens, as duplas consoantes, a sobriedade no estar e vestir, a aparência da seriedade que ostenta o dinheiro velho de gerações e sua sapiência. E, claro, a certeza do saber financeiro associando-se à honestidade que carregam, o seu poder simbólico - dinheiro velho, sabendo manter-se e reproduzir-se, gente de nome sem querer conspurcá-lo. E tudo sobrevivendo numa rede simbólica até excêntrica ao futebol, imagem higiénica resistindo à prisão por fraude contra o Estado de um dos seus membros. Uma vergonha, pela qual nunca foi solicitada à massa associativa e adepta a devida desculpa por parte dos então companheiros de direcção.

 

Alguns anos depois, construções anunciadas e feitas, terrenos utilizados, "Projecto Roquette" realizado, o buraco financeiro crescera, repetiam os jornais mas agora afirmando-o natural (qual o jornalista da bola que afronta interesses?), coisa como que impressa no programa genético dos tempos que correm. Aos vis 6 milhões de contos de deficit do popularucho Sousa Cintra (aquele dos fatos brilhantes) a elite sportinguista - viscondessas, administradores, descendentes dos baronetes de XIX, etc - transformou (segundo os jornais) num buraco de "270 milhões de euros", coisa até quase incompreensível que significa 54 milhões de contos. Entenda-se, em dez anos uma dívida nove vezes maior. Isto enquanto vendeu o património fundiário - resmungando queixas do Estado e da Câmara (estes grão-empresários que tanto dependem do Estado ...) - e conseguiu perder dinheiro com a construção civil e com as "grandes superfícies" - devem ser os únicos grandes contrutores nacionais (Soares Franco é líder de uma das maiores empresas dessa área) a perderem milhões no seu negócio.

 

Percebo eu algo de gestão e de administração, de construção civil, de centros comerciais? Nada - mas surpreende-me que gente tão altaneira acumule catástrofes na gestão dessas áreas, nas quais são especialistas. Surpreende-me, lamento, e cada vez mais desconfio de uma radical incompetência - pois não lhes imputo esconsos interesses que causariam estes deslizes.

 

Na actualidade a calamitosa situação financeira do Sporting Clube de Portugal levou a que se tenha decidido fazer uma campanha de angariação de sócios para que a quotização assim a obter permita investir no funcionamento da instituição, fazendo-a respirar. Sorrio - é, evidentemente, uma contradição com tudo o que vem sendo dito na última década, durante a qual se publicitou o paradigma das empresas, dos accionistas, etc. Toda esta contradição - ideológica, sociológica - passa ao lado dos olhares sobre a bola, desde o dos encartados jornalistas ao dos afins televisivos, surgindo até alheia ao bloguismo especializado, seguidor do paradigma anunciado, esquecendo-lhe as esquinas e meneios..

 

Mas não é essa distracção que me espanta. O que é de realçar é que um clube apertado (condenado?) por uma suicidária política económica (e financeira?) se decide a apelar não aos grande capital (lembram-se do elencar de nomes ilustres e de grandes empresas presentes nas listas candidatas às eleições?) mas sim ao comum cidadão sportinguista, congregá-los no pagamento de pequenas quotas mensais para poder subsistir. É óbvio o recuar do paradigma da "empresa", disfarçado até de "capitalismo popular", o seu mesclar com outros modelos históricos - algo já antes acontecido com o histriónico "kit Benfica". Fénómenos que ilustram bem o pantanoso estado da "empresarialização" do futebol e dos clubes. E silêncio analítico que denota o vazio intelectual do jornalismo interessado, e painelismo associado.

 

Mas mais surpreendente é que neste ciclo (ou será contra-ciclo?) o Sporting tenha um departamento de marketing ou uma direcção dessa área incapaz  de promover a difusão dos jogos europeus do clube numa zona do mundo onde há centenas de milhares de portugueses e ainda mais de adeptos atentos ao futebol português - maltratando os adeptos existentes, desperdiçando hipótese de os associar, descurando o crescimento (imediato e a prazo) da população adepta e associável - agora reentendida como fundamental para a respiração financeira do clube. Para a direcção do clube bastará, está visto, o tradicional circuito de deslocações regulares de alguns dos seus membros, acompanhados de "velhas glórias", às "casas do clube" na longíqua emigração, sinal óbvio de uma visão convivencial, jantarística, e completamente anquilosada de uma estratégia de alargamento e fidelização de uma massa de adeptos.

 

Tudo isto me convoca um corolário (1.) e uma possível extrapolação (2.): 

 

1. o marketing do clube (em termos amplos) é incompetente - ainda para mais nos alvores da campanha de angariação de associados. Urge a substituição dos seus membros e dos seus procedimentos. Está pura e simplesmente a dormir na forma, por mais ancorado que esteja no acima referido capital simbólico social e na capa tecnocrática da competência profissional. É esta falsa, os responsáveis são incompetentes e de visões estreitas para o mundo actual.

 

2. Tamanha incompetência / sonolência na gestão da articulação das transmissões futebolísticas com os desígnios do clube será sinal de similar incompetência / dormência nos outros assuntos de administração económica-financeira do clube (e bem mais complexos tecnicamente, decerto)? Estou - ainda que em mera extrapolação - crente disso. A incapacidade neste domínio leva à dúvida sobre a capacidade do colectivo noutros domínios relevantes para o futuro do clube.

 

Apesar da minha ignorância neste sector de actividade profissional me impedir de uma cabal apreciação das estratégias económicas e financeiras e dos procedimentos que as corporizam deixei, definitivamente desde ontem, de ter alguma esperança na sageza desta direcção do clube. E dos seus indivíduos.

 

Resta-me ainda confiança na sua honestidade - a ver se, pelo menos neste ponto, não me virei a desiludir.

publicado às 19:22


4 comentários

Sem imagem de perfil
[...] e aqui alarguei-me sobre a incompetência gritante dos responsáveis do Sporting Clube de Portugal no [...]

comentar postal



Bloguistas







Tags

Todos os Assuntos