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Prós e contras (e Paulo Dentinho)

por jpt, em 16.09.15

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Nunca gostei do programa "Prós e Contras" da RTP e pouco o vi, e menos agora pois expurguei as estações portuguesas das minhas "listas de canais". Mas sei que a apresentadora o é há imenso tempo (se calhar desde o princípio, e o programa já tem 12 anos). Leio que Porfírio Silva, bloguista veterano e da direcção do PS, a quer fora dali por ser irmã de um dirigente do PSD. E que um deputado do PS quer afastar o director da informação da RTP, Paulo Dentinho, por causa do programa. A questão é simples: Paulo Rangel disse que os governos do PS se intrometiam nas investigações politicamente delicadas e o programa debateu essas alegações (naquele registo de uns "prós" vs outros "contras"). Já antes uns socialistas afirmaram, ofendidos, a inadmissibilidade dessas afirmações dada a obrigatória separação entre os poderes. Este é o tipo de argumento oriundo de dois tipos de locutores: os ignorantes, alheios a qualquer registo de análise sociológica; os demagogos, que a querem esquecer em momentos a la carte. Quem tenha cruzado, mesmo que em tangente, algo sobre a sociologia da justiça (e há muita gente na elite socialista que tem ligações, profissionais e até familiares, com os expoentes dessas linhas de reflexão) tem presente que o exercício da lei (e nisso também da investigação) é permeável aos diferentes poderes sociais, entre os quais os políticos. O princípio basilar é mesmo o da separação dos (3) poderes canónicos, e as instituições estão lá para o garantir ao máximo. O resto é a actividade dos homens, indivíduos e grupos, em prol dos seus interesses (mais ou menos) legítimos. Negar isto alardeando a confusão, ou seja a homologia, entre os princípios e a realidade social ou é pura ignorância ou rasteira demagogia. Teve Rangel razão no que disse, que sob o PS não se prenderia nem se investigaria um primeiro-ministro? Talvez sim, talvez não (é um contrafactual, nunca se poderá afiançar). Eu "acho" que sim, lembro-me de Sócrates a almoçar com o anterior procurador-geral da república mesmo antes de ser preso, para "discutir livros" segundo se disse, e isso leva-me a ter suspeitas sobre os comensais. E o presidente do sindicato do ministério público aventa pressões desse antigo procurador-geral sobre os magistrados com processos sensíveis (entre os quais os com políticos, depreende-se). Outros "acharão" que não. Então que se discuta ...

 

Significante é esta pressa do PS, começar já a afastar os jornalistas que não o servem. Ainda não está no poder e já esta procissão abalou do adro. Não há dúvida, eles vêm aí ... Noto o apetite pela cabeça de Dentinho, que conheci em Maputo no final de XX como correspondente da RTP. Gostando ou não do estilo, do tipo de abordagens, não havia forma de negar a sua coragem profissional e pessoal e a autonomia com que geria o seu trabalho. E lembro-me bem, na época trabalhava eu na embaixada portuguesa, de lhe aventar outras balizas para a forma como abordava o país, dado o impacto que as suas reportagens tinham (então só emitiam a TVM e a RTP). E ele mantendo-se impermeável às minhas opiniões e, muito mais do que isso, às pressões de funcionários de estatuto mais elevado do que o meu e às dos políticos idos de Lisboa. Sempre assente na sua deontologia, profissional responsável mas não funcionário para encomendas ou favores.

 

Uma postura que lhe trouxe agruras. Nas eleições do final de 1999 a contagem dos votos prolongou-se por semanas e, certo dia, o Renamo proclamou-se vencedor, em conferência de imprensa que ele reportou. Ao resumir as alegações do partido fê-lo sob um ricto que quem o conhecia sabia provir de um nervoso contido mas que ali foi entendido como festivo - e não o era mesmo. Tratou-se apenas da interpretação de um público então habituado a outra tipo de comunicação televisiva, muito  mais hierática, até sob o ponto de vista corporal. A partir daí foi alvo, durante meses, de ameaças. Eu testemunhei uma, ambos sentados numa esplanada e uns miúdos vieram a correr dizer-lhe "Dentinho, estão ali uns homens, naquele carro na esquina, e mandaram-nos dizer que te vão matar". Ele estava em Maputo acompanhado da família e, ainda que renitente em abandonar o seu posto, acabou por partir devido à sucessão de ameaças, várias bastante mais assustadoras do que esta que narrei. E fez bem, que há riscos que não se correm, e os familiares nunca se correm - e eu também lhe disse, repetidas vezes, "vai-te embora pá!", que o trabalho e o pundonor nunca justificariam aquilo. Fiquei com amizade, ele um tipo porreiro, e respeito, intelectual mas também aquilo, se calhar já anacrónico, do respeito másculo para com os tipos que não dobram. Nem quebram.

 

Deixei de o ver. E vim a reencontrá-lo uma década depois, nisto do facebook. E ele a usar o seu mural pessoal para opinar com dessassombro sobre o estado do país, distribuindo bordoada, diária até, no actual governo e seus apoiantes. E eu surpreendido, o tipo aos 50 anos num posto decerto que muito apetecível, correspondente da televisão estatal em Paris, e sem pejo nem servilismos, botando opinião livre, em caneladas ao poder, sem aquilo do timorato a querer manter o lugarzito. Mais uma vez lhe louvei o peito feito, a verticalidade, mesmo que tantas vezes dele discordando. Há uns meses foi promovido, chamado a Lisboa para director da informação do canal público. Ou seja, em ano eleitoral a administração da RTP colocou no topo da informação um cidadão que, pessoalmente, critica quotidianamente o governo e os políticos no poder. Fiquei estupefacto, saudavelmente estupefacto. Pois achei muito significativo em termos políticos, muito democrática a postura do poder estatal. 

 

Como também acho muito significativo, até mais, que os do PS já se estejam a movimentar publicamente para a escolha das vozes dos donos, as manigâncias com a comunicação social em que são costumeiros.

 

Nota de rodapé: decerto que alguns lerão isto como campanha pró-coligação. Já aqui falei sobre isso Mas tremo, é o termo, ao pensar que este PS vai voltar ao poder. Como me parece.

publicado às 09:13


10 comentários

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De anónimo a 16.09.2015 às 21:58

Meu caro,


Partilho da mesma opinião.
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De André L. a 17.09.2015 às 00:53

Ora, alguém que "agarra os bois pelos cornos", não lhe "retiro" nada do que disse, só tenho a acrescentar, bem ajas!. A falta de vergonha tem de ser sublinhada e esses senhores não a tem quando se trata de poder, poder, poder, podridão.
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De anónimo a 17.09.2015 às 13:31

muito bem...
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De Porfírio Silva a 07.11.2015 às 22:53

Só hoje vi este texto.
Leio esta frase do autor do post:
«Leio que Porfírio Silva, bloguista veterano (http://maquinaespeculativa.blogspot.pt/) e da direcção do PS, a quer fora dali por ser irmã de um dirigente do PSD.»
e fico a perguntar-me: onde é que este senhor terá ido buscar esta "informação?".

E penso que se confirma a minha convicção de sempre: quem não tem vergonha, todo o mundo é seu. Designadamente, quem não ter vergonha de ser um caluniador. Muito gostaria que desse claramente a "fonte" dessa sua "informação". Coisa que sei ser impossível, porque eu nunca disse nem sugeri isso. Mas, claro, isso, para um caluniador, são "pormenores".
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De jpt a 08.11.2015 às 03:22

Terei todo o prazer em retractar-me, que a coisa é feia demais em sendo verdade. Deixe-me procurar a fonte que usei, não  me lembro qual foi, espero poder encontrá-la para poder ver o fundamento da minha interpretação
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De jpt a 08.11.2015 às 09:59

A fonte deve ter sido a que abaixo ligo (passado este tempo não o posso afiançar mas é muito provável pois vou lendo o Público na net quase todos os dias). Se me fizer o favor de dizer que o jornal (ou uma hipotética fonte do Público, caso se trate do aproveitamento de uma agência noticiosa, por exemplo) torpedeou  afirmações suas eu farei um postal a referir o assunto e explicitando  mea culpa - e não direi maxima porque acreditar num "jornal de referência" ainda poderá servir para a minorar um pouco.



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De anónimo a 08.11.2015 às 16:47

A minha frase, citada correctamente pelo Público, é esta - e apenas esta: “Quantos jornalistas com papel relevante em programas televisivos com impacte nacional (durante a presente pré-campanha) são familiares de altos dirigentes do PSD ou do actual Governo?".
A sua versão, no post acima, é: «Leio que Porfírio Silva, bloguista veterano (http://maquinaespeculativa.blogspot.pt/) e da direcção do PS, a quer fora dali por ser irmã de um dirigente do PSD.»
A distância entre a sua afirmação e a minha frase citada pelo Público é evidente, para quem quer ver. Em resumo, a sua "interpretação" é simplesmente um abuso.
Já agora, sempre lhe acrescento o seguinte, que vou dizer publicamente pela primeira vez. Algum tempo antes dessa minha frase, quando o PS fez a sessão de apresentação dos cabeças-de-lista às legislativas, vários OCS noticiaram que uma certa cabeça-de-lista era mulher de um certo secretário nacional, como se isso fosse realmente uma informação política. Eu era, no caso, esse secretário nacional. Fiz a minha própria opinião sobre isso, mas não me queixei, porque sei como se passam as coisas neste tipo de "debate" público. Esperei por uma oportunidade para ver até onde ía o duplo padrão da apreciação pública. Tive o resultado claro desta "experiência social" com as reacções àquela frase, que publiquei propositadamente para comparar as reacções. Guardo, para quando achar oportuno, as observações que fiz nos dois casos.   
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De jpt a 08.11.2015 às 19:19

Sobre o caso que refere relativo às afirmações sobre as candidatura da sua mulher não tomei conhecimento nem o acho relevante, mal seria que os cônjuges não pudessem ter actividade política simultânea. Mas também não me parece que essa questão seja aqui (neste meu postal e suas leituras) associável. Ou, pelo menos, não estou a ver a relação.


Quanto ao postal. Discordo do que V. diz em dois pontos:


- nas aspas com que apelida a minha interpretação. É (foi, e mantém-se como tal) uma interpretação sem aspas. Pode estar errada, pode ser absurda, pode ser imbecil, mas é uma interpretação. 


- E também porque V. requer uma interpretação das suas afirmações como se não tivessem um contexto, muito preciso, muito próprio, exactamente o da produção daquele programa (que não vi, já agora) Prós e Contras, um contexto durante o qual houve uma série de declarações criticando o sector da informação da RTP oriundas de dirigentes do PS (e também ecoadas e/ou produzidas por apoiantes), pressionando-o e também pelas características familiares de alguns dos seus membros. É, aliás, o que de uma forma mais do que implícita está patente no terceiro parágrafo do texto no "Público". E o contexto, como quase sempre nestas coisas das declarações do quotidiano, alimentam e fundamentam as interpretações alheias (e as declarações próprias).


Escrevi em oposição, ao vosso partido. E ao episódio referido, que achei malévolo. E exemplificativo, um prenúncio do que o poder socialista fará face à informação estatal e também um "posnúncio" do que os poderes socialistas fizeram face à mesma. E, neste caso muito particular, também ecoando a injustiça feita (não nas suas declarações) a alguém que conheci em momentos bem difíceis e que é um profissional decente e livre.



Como tal a minha interpretação (que é sempre uma decisão) foi a que escrevi. Concluindo intenções nas suas declarações. Ora eu posso presumir ou concluir intenções alheias mas dificilmente as posso afiançar quando são negadas pelo (inter)locutor. V. sente-se caluniado por mim, sente que eu escrevi com dolo. Não o fiz, estava e assim continuo convicto que as suas declarações foram produzidas num particular contexto (semana/programa) procurando minar a legitimidade dos jornalistas da rtp, questionar a sua equidistância, em suma, pressioná-los e, acima de tudo, reduzir a efectividade da recepção dos seus trabalhos junto do público. Mas, como disse, não o posso afiançar, isso só V. o pode fazer.



Como tal farei um postal a explicitar que V. discorda do conteúdo deste postal e que se sente caluniado e não lhe juntarei opinião própria para não matizar a sua indignação. Como este texto foi bastante lido (para a dimensão deste blog) publicarei isso durante a semana de trabalho, quando há mais visitantes.
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De Porfírio Silva a 11.11.2015 às 00:06

Certíssimo.
Ficou claro, pelo seu novo texto, que a grande razão do passo enorme que deu não está no que eu escrevi, mas na sua interpretação. Que, insisto na minha opinião, extrapola mais do que a conta o que eu escrevi. Ao mesmo tempo que, significativamente, não lhe interessa o caso em que eu fui vítima de uma "especulação" abusiva sobre relações familiares na política. Significativamente, digo eu. Mas compreendo: tem uma linha de pensamento e interessa-lhe o que a justifica, o que "cai ao lado" nem tanto. A isso eu costumo chamar pré-juízo.
Cumprimentos.
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De jpt a 11.11.2015 às 04:58

Sem querer polemizar por polemizar: não me parece que possa retirar do que eu escrevi que não me interessa o caso em que V. foi alvo de atoardas sobre a actividade política da sua mulher (ou melhor dizendo, o casal foi alvo de atoardas pela actividade política de ambos). O que explicitei é que não tomei conhecimento disso e que não acho relevantes as "críticas" que vos fizeram, pois como disse "mal seria que que os cônjuges não pudessem ter actividade política simultânea". Não me terei feito entender, lamento. Não considerei isso associável a este postal pois discutíamos a justeza e/ou decência da minha interpretação das suas declarações,  a qual não reflectiu esse episódio.


Dei eu um "passo enorme" (maior do que o perna)? Como disse acima só em si radicam as intenções do que escreveu e, como tal, concedo nessa hipótese. Mas, e digo-o sem acinte nem vertigem de ficar com réstia de razão, foi esse passo empurrado pelas suas declarações naquele preciso contexto, mais evitáveis ainda por ter sido V. alvo e vítima, como aqui refere e sublinha, de alusões a relações familiares, digamos que do mesmo tipo argumentativo.


Falo baseado em pré-juízos? Com toda a certeza. Alguns na experiência feitos, o que não é oxímoro, outros mera poluição que se me impregnou. Com eles e para além deles já fiz muito erro e disse muita asneira. Disso até ao dolo e à calúnia ... aí sim vai um "passo (muito) enorme". Quero acreditar que não o dei. Mas lá está, há sempre as interpretações (decisões) alheias.


Entretanto, e como lhe tinha anunciado em comentário anterior, chamei ontem a atenção para esta sua posição em postal no blog: http://ma-schamba.com/o-meu-texto-sobre-o-pros-e-contras-1928719


Cumprimentos.

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