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Na morte de Albino Magaia

por jpt, em 28.03.10

Morreu Albino Magaia, jornalista novelista e poeta. E é esta sua última faceta que mais me cativou a atenção, ele autor do poema-nacional "Tiko-Moçambique" - um esboço de epopeia que não terá hoje em dia o relevo no seio da literatura nacionalista moçambicana que me lhe parece devido. Do autor conheço estes quatro livros, mas não posso afiançar que assim esgote as suas publicações: "Malungate", novela dos tempos da resistência ao regime colonial, "Yô Mabalane!", reportagem ficcional do rapto e encarceramento de um largo conjunto de refugiados moçambicanos na Swazilândia, facto ocorrido em meados da década de 1960. E dois livros de poesia, "Assim no Tempo Derrubado", poemas de juventude escritos entre 1964 e 1976, e "Trilogia de Amor".

 

[Albino Magaia, Assim no Tempo Derrubado, INLD/Edições 70, 1982]

 

[Albino Magaia, Trilogia de Amor, Maputo, Publicações GrafiMat, 1997]

 

[Albino Magaia, Yô Mabalane!, Maputo, Cadernos Tempo, 1987, 2ª edição]

 

[Albino Magaia, Malungate, Maputo, Associação de Escritores Moçambicanos, 1987]

 

Convirá regressar à sua obra. A sua poesia é exemplar quanto às tensões que as primeiras décadas da literatura moçambicana encerravam, a desvalorização do indivíduo face ao colectivo a fazer emergir. Disso notório exemplo é a sua "Nota Introdutória" ao "Assim no Tempo Derrubado", texto de 1976 que é um verdadeiro mea culpa pela dimensão individualista, até mística (o poema "Peregrinação"), um escapismo então decerto que ideologicamente inaceitável. E mesmo derrotista num "sou um deserto seco estéril queimado", defeito/pecado máximo nessa época voluntarista nada atreita a caminhos como "Lá vai o homem triste pelas estradas do burgo / ... Nem vê o mundo que dança à sua volta," ("O Homem Triste") que alguns dos poemas percorriam. "Nota Introdutória" essa que para tais caminhos poéticos aventava causas contextuais sociopolíticas (a vivência colonizada do autor) que lhe poderiam justificar, afinal, um lirismo tão típico [Amor: Quero beber a luz dos teus olhos / ... Amor: / Quero renascer todos os dias nos teus braços ("Delírio")] e que a década seguinte, só a década seguinte, viria a re-legitimar por via da revista "Charrua". Caminhos esses que Magaia rodeou nesse início de independência em poemas voluntaristas como "Ku Lima" e "Um Pacto de Não Agressão", que culminam esse primeiro livro, o qual nessa sequência bem demonstra o caminho de então da poesia, feita discurso, em Moçambique.

 

Desse "Assim no Tempo Derrubado" deixo um poema dos inícios de 1974, ainda antes da revolta portuguesa de Abril. Que mostra, com tantos dos elementos recorrentes nestas formulações em que transpira um olhar romântico-etnográfico,  um ideal nacional mesclado de uma cristandade marxista que viria a ser recorrente [Meu irmão não tem cor / nem nasceu do ventre da minha mãe / Não tem cor / mas tem olhos vidrados pelo sofrimento ("Meu Irmão")]  - o qual veio depois a ser conhecido, reclamado, até (e paradoxalmente) individualizado como o ideário de Samora Machel:

 

MEU PAÍS

 

Pátria moçambicana

 

repleta de gente de toda a cor

eu amo-te meu País.

 

Terra de caju e de Maconde

 

pátria de algodão e de Macua

 

pais de canhu e de Changane

 

de Sena e de açúcar de coco

 

e de Ronga de Bitonga e de mar

 

Pátria moçambicana

 

repleta de gente de toda a cor

 

tu és terra de branco

 

de branco e de mulato

 

de mulato e de chinês

 

e nem falta no teu coração

 

descendente de Paquistão.

 

Nas tuas mãos abertas como um Pai

 

entram tribos do Norte e do Sul

 

raças de todos os continentes

 

porque teu solo é grande.

 

Tens mandioca para todas as bocas e tens mapico.

 

Tens marrabenta

 

e teu peito pulsando ao ritmo de chigubo

 

tem leite de branco de preto e de mulato

 

És fértil minha Pátria beijada pelo Índico.

 

Eu amo-te meu País.

 

[...]

 

Meu País beijado pelo mar

 

terra de savanas e montanhas de chuvas

 

calor e cacimbo de rios e matas amigas

 

das tuas entranhas nasce uma voz que sobe

 

e fere os tímpanos de todos os pontos cardeais

 

falando de uma filha querida de África.

 

 

Magaia foi homem que escreveu "poema de luto e sofrimento / poema para perdoar (mas não esquecer)" ("Tiko-Moçambique"). E que nesse registo é autor desse poema-ícone, porventura o seu mais lido e declamado, o "Descolonizámos o Land-Rover" (publicado no "Trilogia de Amor")

 
 

Na sua morte eu fico com um modo (de juventude [1969]) que ele deixou cair, e onde se lhe reconhecem os mestres, as leituras. Mas também onde se reconhece uma excerto da vida que lhe foi fugindo sua escrita:

 

MADJUBA

 

No pick-up arranha-se um disco importado do Djhôni.

 

É Madjuba!

 

Músicos de viola tocada com dedo eléctrico

 

música de negra de bairro

 

que junta ventre com seio e sorri a dançar ...

 

 

Madjuba!

 

Ancas sobem e descem imitando mar

 

corpo de rapaz vibra e sofre de grande desejo

 

enquanto menina de bairro dança com perna bonita

 

fecha olhos com êxtase de deusa

 

porque música que toca é Madjuba!

 

Mamanas não dançam porque anca não aguenta

 

e cocuana também não porque vida já se foi.

 

Madjuba é música de gente nova

 

gente que pode juntar ventre com peito

 

e fazer anca subir e descer como se fosse mar.

 

E música que marca tempo

 

porque no futuro toda a gente dirá:

 

"No tempo de Madjuba!"

 

Há 45 anos Magaia, quando a morte lhe era longínqua, Magaia escreveu "Quando Eu Morrer". A oscilação - que acima referi - já lá estava. No seu íntimo. Como é comum entre os homens. Como leria ele agora este seu texto?

 

 
 

 

jpt 

publicado às 09:05


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