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Balada da Ameixa Seca

por jpt, em 16.04.13



Balada da Ameixa Seca

 

Vai à mercearia e compra ameixa seca,

P'ra o intestino a ameixa é levada da breca!

 

O mal do Ocidente - quem há que não o sinta? -

é não ter a tripa sempre limpa.

 

Com seus altos valores, o Ocidente

dá por demais ao dente, dá por demais ao dente.

 

Põe-me os olhos nos povos que só comem arroz:

dão melhores guerrilheiros do que nós.

 

Um saquitel de arroz, uma biciclet',

arma na bandoleira - e lá vai o viet.

 

"Noss'povo" ao contrário, como o que apanha à mão.

Até parece fome de muita geração!

 

E larga, já comido, o corpo em qualquer canto.

Sonha Terceiro Mundo e é Europa, entretanto.

 

Encostado ao sobreiro ou ao ficheiro,

"Noss'povo" já nada tem de marinheiro.

 

Sua tripa, represa, é trabalhosa.

Sua prosápia já só é má prosa.

 

Portugal-do-casqueiro à Europa-das-latas

manda cortiça, vinho, diplomatas.

 

Espera contrapartidas: sol-e-vistas

é cartaz que atrai muitos turistas.

 

Mas com a ameixa seca - coisa pouca! - 

é que pode acordar sem amargos de boca.

 

Vai à mercearia e compra ameixa seca.

P'ra o intestino a ameixa é levada da breca!

 

(Alexandre O'Neill)

publicado às 20:24

Na morte do Armstrong ...

por jpt, em 27.08.12
Uma bela memória na National Geographic, dedicada à primeira alunagem humana.E o tal "pequeno passo" ...e um pouco de Alexandre O'Neil:" ... nenhum arranha-céus grimpou a arranha-deus escarrar para o ar jamais arranhou deus

o céu a seu dono o céu a seu dono

se ele deixou na lua pousar três zingarelhos foi só para que o homem o seu circo alargasse

o céu a seu dono o céu a seu dono

..."(Ladrainha)

publicado às 11:18

Efemérides

por jpt, em 28.08.11

São boas, lembram. E acabo uma semana terrível, com o mundo do infeito a cair-me em cima, amargurado nessas dívidas, delas cobradores ao telefone e ao e-mail, refugiado, um bocadinho, coito, coito, a viver as tais ditas efemérides, tipos que faz-não-sei-quanto-tempo que morreram ou nasceram, ou fizeram qualquer coisa que pareceu especial. Lembrou-me a AL que morreu o O'Neill há uns anos, por esta data de calendário. E no bocado do sábado, entre a F1, o bazar e o grossista, mais a Barclays League, tive um bocado ali às "obras". A recordar um belo texto introdutório de Miguel Tamen (obras completas, Assírio & Alvim, 2002):

"Poderá vir a dia a verificar-se que o máximo que fundam os poetas é a possibilidade prosaica de alguém, muito mais tarde, se vir a lembrar de alguma das sequências das palavras que escreveram. ["Um congresso que dorme inaugurado", disse o O'Neill]. No melhor dos casos, usarão essas sequências de palavras a despropósito, noutras sequências de palavras; no pior, aplicá-las-ão com aquilo que julgarem ser um propósito.

Todos os leitores de poesia estão no fundo na velha posição de Santo Agostinho e dos demais santos favoritos de Lutero, que abrem livros ao acaso e repetem séries de palavras as quais, por uma razão ou outra, julgam adequadas ou aptas. Antes de haver livros, os seus antepassados tinham dedicado muitas horas semelhantes à contemplação das entranhas de aves. Pouco importa que por vezes a vida de uma pessoa seja o esforço, glorioso ou patético, para se persuadir de que não é esse o caso. No fundo, as pessoas que gostam de poesia gostam, na melhor das hipóteses, de alguns versos que repetem a torto, direito e despropósito. São como o autodidacta do poema epónimo de Alexandre O'Neill (o qual "já ia na terceira / fasciculada história da pintura") que "Se acaso em piquenique desdobrava / toalha em relva, logo o Déjeuner / sur l'herbe lhe acudia à retentiva." (...) "Os poemas (...) não querem dizer nada nem escondem coisa alguma: só dizem coisas. Tomar o que eles dizem por injunções (...) e deixar pai e mãe por causa disso, é tão absurdo como seguir as instruções da disposição relativa das vísceras de uma galinha." (...).

Mas como efeméride é efeméride deixo aqui um que não o é e outro que já será (grande) clássico, o "Fraco mas forte"

Nada na mão algo na v'rilha remancho as noites e troto os dias entre tabaco viris bebidas fraco mas forte de muitas vidas (que eu já dormi co'as duas mães e as duas filhas que vão à missa com três mantilhas)

Nada na mão algo na v'rilha sofro comigo luta intestina (ao bem ao mal a mesma alpista) bebo contigo cerveja uísqui p'ra que se veja mais rubra a crista

Nada na mão algo na v'rilha encontro a morte no meio da vida morte bonita nada aflita (ou é da minha tão fraca vista?) e tenho sorte

Nada na mão algo na v'rilha invisto contra o zero puro da minha vida

e duro, duro!

 e o canône "Um Adeus Português"

Nos teus olhos altamente perigosos vigora ainda o mais rigoroso amor a luz de ombros puros e a sombra de uma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo à roda em que apodreço apodrecemos a esta pata ensanguentada que vacila quase medita e avança mugindo pelo túnel de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira onde passo o dia burocrático o dia-a-dia da miséria que sobe aos olhos vem às mãos aos sorrisos ao amor mal soletrado à estupidez ao desespero sem boca ao medo perfilado à alegria sonâmbula à vírgula maníaca do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta cama comigo em trânsito mortal até ao dia sórdido canino policial até ao dia que não vem da promessa puríssima da madrugada mas da miséria de uma noite gerada por um dia igual

Não podias ficar presa comigo à pequena dor que cada um de nós traz docemente pela mão a esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal

Não tu não mereces esta cidade não mereces esta roda náusea em que giramos até à idiotia esta pequena morte e o seu minucioso e porco ritual esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira da cidade onde o amor encontra as suas ruas e o cemitério ardente da sua morte tu és da cidade onde vives por um fio de puro acaso onde morres ou vives não de asfixia mas às mãos de uma aventura de um comércio puro sem a moeda falsa do bem e do mal * * * Nesta curva tão terna e lancinante que vai ser já é o teu desaparecimento digo-te adeus e como um adolescente tropeço de ternura por ti.

jpt

publicado às 01:48

Post atrasado

por jpt, em 23.08.11

Morreu a 21 de Agosto de 1986

 

[ilustracao de Jeannette Woitzik]

 

Amigo

 

Mal nos conhecemos 
Inaugurámos a palavra «amigo». 

«Amigo» é um sorriso 
De boca em boca, 
Um olhar bem limpo, 
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, 
Um coração pronto a pulsar 
Na nossa mão! 

«Amigo» (recordam-se, vocês aí, 
Escrupulosos detritos?) 
«Amigo» é o contrário de inimigo! 

«Amigo» é o erro corrigido, 
Não o erro perseguido, explorado, 
É a verdade partilhada, praticada. 

«Amigo» é a solidão derrotada! 

«Amigo» é uma grande tarefa, 
Um trabalho sem fim, 
Um espaço útil, um tempo fértil, 
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa! 

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

 

AL

publicado às 01:44

Estantes de filho

por jpt, em 04.05.11

Feito filho em estantes alheias

 

 

 

Portugal

 

Ó Portugal, se fosses só três sílabas, 
linda vista para o mar, 
Minho verde, Algarve de cal, 
jerico rapando o espinhaço da terra, 
surdo e miudinho, 
moinho a braços com um vento 
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo, 
se fosses só o sal, o sol, o sul, 
o ladino pardal, 
o manso boi coloquial, 

a rechinante sardinha, 
a desancada varina, 
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos, 
a muda queixa amendoada 
duns olhos pestanítidos, 
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos, 
o ferrugento cão asmático das praias, 
o grilo engaiolado, a grila no lábio, 
o calendário na parede, o emblema na lapela, 
ó Portugal, se fosses só três sílabas 
de plástico, que era mais barato! 



Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos, 
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã, 
não há «papo-de-anjo» que seja o meu derriço, 
galo que cante a cores na minha prateleira, 
alvura arrendada para o meu devaneio, 
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço. 
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, 
golpe até ao osso, fome sem entretém, 
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, 
rocim engraxado, 
feira cabisbaixa, 
meu remorso, 
meu remorso de todos nós... 

Alexandre O'Neill, 'Feira Cabisbaixa'

publicado às 23:01

O'Neill (e blogues ...)

por jpt, em 25.12.10

[Alexandre O'NeillCoração Acordeão, O Indepedente, 2004]

EsquerdireitaÀ esquerda da minoria da direita a maioriado centro espia a minoriada maioria da esquerdapronta a somar-se a elapara a minimizarnuma centrista maioriamas a esquerda esquerda não deixa.Está à espreitade uma direita, a extrema,que objectivamente é aliadada extrema-esquerda.Entretantoextra-parlamentar (quase)o Poder Popularvai-se reactivar, se ...Das cúpulas (pffff!) nem vale a penafalar, que hão-depular!Quanto à maioria da esquerdaficará -se ficar - para outro poema.(1976)
(Também) sobre os blogs políticos portugueses.

publicado às 18:03

Dadivoso

por jpt, em 29.01.10

 

"Pesou a moeda na mão do cego" (Alexandre O'Neill, Coração Acordeão, O Independente, 2004, p. 40. Edição de Vasco Rosa).

publicado às 09:13

O'Neill

por jpt, em 16.11.09

O'neill

     
Frequento palavras estrangeiras, Já vivi em saudade,mas expulsaram-me(p'ra sempre ...?)da língua portuguesa

[Alexandre O'Neill, "Divertimento com sinais ortográficos" (1960), Poesias Completas, Assírio & Alvim, 2000]

***

Ainda para mais pontapeando essa "saudade" que o pobre essencialismo português quis fazer sua. Está aqui tudo o que haveria a dizer sobre a tralha patrioteira a propósito do acordo ortográfico. Essa pacovice que impediu a verdadeira oposição. Ilustrada.

(transcrevo o poema pois a reprodução dificulta a leitura).

publicado às 20:09


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