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"Basta Viver": 1 ano de Portugal

por jpt, em 09.09.15

basta viver.jpg

 (Ilha do Zambeze, entre Manica e Tete, meados de 00s)

 

 

Março passado, já em Março, numa sexta-feira fui jantar com grande amigo, daqueles ... Chegados àquilo dos cafés quis pedir uísques, novos e parcos por causa dos preços, mas ele negou-se. Pois vive fora de Lisboa, iria guiar, não podia passar daqueles dois ou três copos de vinho que corrêramos. Viu-me desencantado e aventou que fosse eu para casa dele, beberíamos algo noite fora, nisso conversaríamos, dormiria eu por lá e regressaria no dia seguinte de comboio. A sede apertava, assim fiz(emos). Na manhã, já sábado feito, hora do almoço, regressei à capital no tal cavalo-de-ferro, indo para um seminário, não sabia ainda que para ouvir daqueles antropólogos emp(r)enhados, cheios deles mesmos a julgarem que isso são causas, aquelas aparentes das gentes com as quais trabalharam, observando-as. Aportei à estação de Entrecampos no intuito de me chegar ao ISCTE, o local onde falaria o revolucionário encartado, por corso doutoral, e alguns outros. O dia ia soalheiro e ali mesmo na Av. da República, enquanto marchava, tirei o casaco, pendurando-o no indicador direito e abandonando-o ao ombro, mesmo como se funcionário. Depois, já na esquina da "Forças Armadas", avenida assim ascendente, e porque o calor já apertava, transpirando-me, tirei o pull-over. E só depois, alguns passos passados, me apercebi, quase lacrimejando, e digo-o sem exagero: estava em mangas de camisa, ainda que compridas. E há mais de seis meses que não andava na rua assim.

 

Lembro-me muito disto, do gélido que andei, e do como tanto o notei naquele dia d'alvorada da primavera, esfuziante com aquela liberdade de súbito sentida. E hoje mesmo ainda mais, este hoje entre 8 e 9 do Setembro. Pois faz agora um ano que parti de Moçambique regressando à "Pátria Amada" (aquele tão pleonasmo moçambicano). E porque um blog é mais do que tudo um diário aqui refiro a data, partilhando um bocado, ainda que sem o dizer, do que quebrou então mas que se vai colando devagar no esforço das cálidas mãos amigas. Pois é difícil o regresso, quase-exílio no princípio. A sarar também, que Portugal é lindo. E, muito mais do que tudo, porque "basta viver", como aprendi, um duro dia, lá no Zambeze.

 

Para cantar isso, essa verdade, deixo 4 canções, 3 que são "standards" e uma, a "Piloto Automático", que o virá a ser. Como se banda sonora da vida, esta que me basta ...

 

 

publicado às 00:37

"Paper" apresentado por Alexandre O'Neill, Alain Oulman e Amália Rodrigues.jpt

publicado às 06:58

Fado Português

por jpt, em 16.09.12
Houve jantar cá em casa. E depois falou-se (d)o fado ...jpt

publicado às 03:12

Um (enorme) rodapé

por jpt, em 29.11.11

É a minha amiga Patrícia, também ela imigrada, que me faz lembrar este fado, "Zanguei-me com o meu amor" (versos de Linhares Barbosa, sobre música tradicional). Amália, ainda nova, bem antes de Alain Oulman, mas já a fazer(-se) lenda. Integrada no cinema, em "Fado - História de uma cantadeira", como se sua biografia (e logo após o super êxito "Capas Negras"). Em parelha romântica com Virgílio Teixeira, o galã que se veio a exportar; filme abrilhantado com todos os grandes nomes do cinema português de então (neste extracto com o grande António Silva, no seu registo que era uno e único). A indústria possível no Estado Novo. Este aqui condensado.

 Canta Amália (reproduzo do filme, que as versões na internet variam imenso):

"Zanguei-me com o meu amor / não o vi em todo o dia / zanguei-me com o meu amor / não o vi em todo o dia / à noite cantei melhor / o fado da Mouraria / à noite cantei melhor / o fado da Mouraria / o sopro de uma saudade / vinha beijar-me hora a hora / o sopro de uma saudade / vinha beijar-me hora a hora / para ficar mais à vontade / mandei a saudade embora / para ficar mais à vontade / mandei a saudade embora ..."

 

No fim irrompe o icónico António Silva "que diz a isto o amigo Morais? Não diz nada, claro, não tem nada que dizer, não há palavras ...". Que dizem a isto os "espertos" dos estereótipos? "Não dizem nada, não têm nada que dizer,  não há palavras" ...? Nem tanto, que a vertigem da "atitude" é-lhes mais forte. "Eu já vi tudo", como aqui culmina António Silva, e como tal o perorar continuará.

 jpt

publicado às 18:27

Fado nosso, música do Mundo

por jpt, em 28.11.11

Muitas teorias sobre as origens do Fado mas uma certeza: é produto certificado de Portugal. Agora, e depois de muitos anos a tentar a distinção - a propósito, uma palavra de agradecimento a Pedro Santana Lopes que lançou a ideia - a UNESCO reconhece o Fado como Património Imaterial da Humanidade. Vivam todos os cantadores e cantadeiras, guitarristas, empresários das casas de Fado, das companhias discográficas, do A de Armandinho e da Amália, passando pelo Alfredo Duarte, Marceneiro de alcunha por profissão, Carlos Ramos, Hermínia e pela mais que afinada Exma Senhora D. Maria Teresa de Noronha, por D. Vicente da Câmara e pelo incontornável Carlos do Carmo, pelo Raúl Nery e pelo Fontes Rocha, pelo vozeirão de Manuel de Almeida ou pelo estiloso Fernando Maurício, até ao Z de Carlos Zel não querendo esquecer não nomeando tantos outros conhecidos, famosos, ou quase anónimos intérpretes. Vivam ainda os poetas, uns populares, outros ditos eruditos, que a D. Amália conseguiu meter no acompanhamento fadista para bem deles e de nós. Viva também o Carlos Saura, que ao realizar "Fados" que tantos puristas e outros que nem conseguem distinguir uma guitarra de um bombo, enfim, mocos que são, por incapacidade de fazer, mesmo que pior, apedrejam, ajudou mais que muitos portugueses. Sei porque, mero acaso, assisti à exibição do filme em Nova Iorque há um bom par de anos, com sala cheia a aplaudir o celulóide por aquilo que mostrava e fez sentir. Serão alguns dos que cospem no hispânico os mesmos que no pós 25/4 "fascizaram" o Fado, quase expulsaram a insultada como fascista Amália Rodrigues e tantos outros. Invejosos, sabemos. É , ainda, curioso, ver gente das políticas com biqueiras dos sapatos a esfarelarem-se de tanto se porem em bicos de pés, gente que nunca se viu apoiar ou sequer frequentar os "antros" que são as casas de Fado. Enfim, dos fracos de ouvido, entre outros orgãos e dispositivos biológicos não reza esta história. Interessa é que há festa na Mouraria e que se calem os ingratos pois que se vai cantar o Fado. Sou suspeito, bem sei, porque gosto, sempre gostei de Fado. Não menciono aqui a nova geração, a começar pela Ana Moura, Carminho e Camané e, obviamente pela Mariza, que devo dizer não considerar fadista com "F" e sim uma enorme cantora que também interpreta fados, porque é destes novos e muitos valorosos, também, o futuro. Palavra agora ao grande Alfredo Marceneiro: Vosso mvf

publicado às 01:19


Escola Portuguesa de Moçambique - Centro de Ensino de Língua Portuguesa, 1 de Setembro de 2011, dia de abertura do ano lectivo português. O cartaz mapeia a escola indicando os locais para a receção (leia-se "recessão", a temida nuvem no horizonte da economia portuguesa) dos alunos dos vários ciclos.

 

 

Exactamente ao lado painéis anunciam o horário para os encontros com os directores de turma (DTs), actividade obviamente inserida na recepção [leia-se "recéção" ou mesmo "recé(p)ção)] dos alunos neste primeiro dia do ano lectivo.

 

Ainda há esperança. Pois ela sempre se mantém enquanto há alguém que tem a coragem de dizer não. Como escreveu Manuel Alegre (sim, o da voz cava) e cantou Amália e o grande Adriano Correia de Oliveira.

 

Mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém que resiste há sempre alguém que diz não.


A minha homenagem aos professores que têm a coragem - ainda para mais nestes tempos de Estado persecutório e de profundo desemprego - de o ser, que "dizem não", que resistem.

 

e

 

jpt

publicado às 00:45

Resumo a história para quem não a conheça. Recentemente a actriz Inês de Medeiros, a quem se desconhecia prática política ou publicista, foi convidada pelo Partido Socialista a candidatar-se à Assembleia da República, sendo de imediato colocada no destacado terceiro lugar da lista por Lisboa. Após a eleição gerou-se um problema, pois a nova deputada reside em Paris e solicita que lhe sejam pagas as viagens semanais casa-trabalho, o que não está regulamentado para a sua situação. Felizmente encontrou-se agora uma solução para o caso, que muito barulho tem causado, ainda que essa aparentemente seja um desenrascanço, que pouco ilustra a Assembleia.

Sublinho que nada me move contra Inês de Medeiros, a qual é com toda a certeza o parlamentar socialista com quem mais simpatizo. Mas da situação retiro dois corolários, que me parecem importantes. O primeiro estritamente político, como se vê neste exemplo típico do fariseísmo que acampou na actual partidocracia portuguesa: António Filipe, deputado do PCP [ao qual chego via 100Nada] defende a solução encontrada, reduzindo os seus adversários a populistas anti-democráticos, um "populismo mediático que considera o parlamento uma instituição indesejável e que olha para os parlamentares como uma massa de gente improdutiva a viver à custa do erário público" enquanto anuncia a "seriedade" (sua e do seu partido), que diante de "uma solução razoável e justa" decidiram pela "abstenção.". António Filipe não quer (ou não consegue) perceber que o populismo anti-democrático se alimenta exactamente deste tipo muito particular de "seriedade". E creio que os seus co-parlamentares continuam seguindo conjuntos na mesma incompreensão.

O segundo é mais importante, e na mesma acepção é ainda mais alimentador do populismo anti-parlamentar. Refere-se à causa de toda esta situação, o motivo desta súbita e meteórica aparição política de Inês de Medeiros - tão súbita que nem os detalhes logísticos foram convenientemente pensados. Uma causa estritamente ideológica. Político-ideológica, se se quiser.

 

É por isso que considero que as viagens de Inês de Medeiros deverão ser pagas na totalidade. Pois o trabalho paga-se. Neste caso deveria ser com o apoio de todos os partidos, que navegam o mesmo tipo de discurso. E dos votantes, que o sufragam - com mais ou menos resmungos.

Adenda: gostaria de chamar a atenção para a ruptura de valores políticos, uma nova era ideológica, acima representada (até simbolizada) pela deputada (belíssima, belíssima) Malu Mader - a ascensão da importância votada à causa do sabonete líquido. E sublinhar, já agora, o igualitarismo desta corrente de pensamento, ecuménica, expressa no último anúncio.

jpt

Nova adenda: via Meditação na Pastelaria chego à causa directa da contratação, perdão, do convite do PS a Inês de Medeiros. Num estudo encomendando pela PT, explicitamente para uso empresarial e governamental, as figuras públicas mais acarinhadas eram Luís Figo, o futebolista, e Inês de Medeiros. Figo foi contratado, recebendo apoio para acções da sua fundação - e veio a integrar a campanha socialista. Medeiros foi catapultada para o topo das listas partidárias. O populismo anti-parlamentar radica onde?

jpt

publicado às 10:07

(N)A "Pátria Amada"

por jpt, em 04.01.10
Lisboa

 

1. Inverno. Um calor de estalagmites.

 

Dizer

[Fotografia de inscrição ao Teatro Politeama, Lisboa, Dezembro 2009]

 

2. Crise. Qualquer emigrado português sabe que ir à "terra" é para ouvir os constantes lamentos dos amigos, da família, dos populares, com a “crise”, e etc. e tal. Mais agora, com a desgraça internacional a repercutir-se nos dois milhões de portugueses abaixo do limiar da pobreza, mais de dez por cento de desempregados, o país sem luz ao fundo do tunel, sem projecto.  E depois ... basta ver o potlatch radical dos últimos dias antes do tal solstício dito Natal! Basta perguntar no talho, no café (o bolo-rei), na livraria, na loja de brinquedos, nos restaurantes e afins, etc e tal vinícolas e isso, o obrigatório “então, e este ano como vai?”. Crise? Já lá vai, que “estamos melhor que o ano passado”. Crise? Como crise se a felicidade está ali mesmo, nos balcões dos chópings? E tudo segue, no dia 26 abrem os saldos e as multidões reiniciam o seu caminho de cigarras. O vazio (versão portuguesa do conradiano "horror").

 

 

avc

 

3. A gula. Crise? E é um "trocadilho" fácil, o com esta campanha de época, o tome atenção aos AVCs que encheu os painéis das cidades. Crise? Só se for a da gula, essa motriz dos AVCs. No fundo o símbolo da Europa Ocidental, obesa, no seu estertor. As causas? Exactamente a tal falta de visão, de preocupação. De razão. Tudo isso do a cada um o seu sapatinho, e nada mais ... Aliás, a cada um o seu sapatão.

 

 

paulo duarte

 

4. Paulo Duarte, afirma-se de origens humildes, foi um futebolista modesto e não enriqueceu, é agora o seleccionador do Burkina-Faso. Deu uma entrevista ao jornal Record. Interessantíssima, muito para além do patois futeboleiro habitual. De como olha o país africano para onde, surpreendentemente, foi trabalhar há já dois anos. E de como reconhece que para preconceitos era ele que os carregava ao início. Mas mais do que isso, também ele de longe a re-olhar os seus patrícios: "Se as queixas, por isto ou por aquilo, fossem modalidade olímpica, os portugueses estariam cobertos de ouro. Somos muito assim. Completamente. As dificuldades da vida são muitas, para toda a gente, mas há coisas que não podemos esquecer: a maior parte dos portugueses que vive mal tem uma casa, duas televisões, um vídeo, dois telemóveis, dois carros, um emprego, mal remunerado mas temos, tem água, tem luz, tem gás, tem comida na mesa, tem roupas adequadas ao clima. Com maior ou menor dificuldade, chegue o dinheiro ou não ao fim do mês, tem isso tudo". Sei que é muito fácil apupar este tipo de visão. Mas seria conveniente que os habitantes de um país que não produz o que tanto consome pensassem um pouco no facto de que a sua ladaínha lamurienta não encanta (enfeitiça) os que de longe os assistem. Fica o meu desejo das maiores felicidades a Paulo Duarte, homem a pensar. Força Burkina-Faso!

 

pai natal

 

5. Quadra natalícia: Eu também! Pois se o mito sublinha o amor transposto para o espírito de dádiva neste emigrante o real é a volúpia da posse, sacos de auto-prendas esquecendo-me dos "entes queridos", esvaziando-me o porta-moedas extinto que foi, e já em tempos, o cartão de crédito, malfeitoria ocidental. Malditas livrarias ....

 

stuyvesant logo

 

6. Saúde. Viver em flat e enfrentar tantas proibições tabagísticas em locais públicos: assim a fumar bem menos.

 

Corcunda de notre dame

 

7. Oferta infantil. Uma enorme oferta de espectáculos e actividades infantis. Gloriosa. Diz quem sabe que este Corcunda de Notre Dame foi do melhor que já viu, e já viu várias coisas.

 

asterix

 

8. Cultura. Na revista "Os Meus Livros" (nº 82, ano 7, 12.2009) a coluna "Caldeirada de Letras" (p. 52) contém um acertado texto da autoria de Luís Graça: "Astérix Ortografix". A propósito da edição do "O Aniversário de Astérix e Obélix, o Livro de Ouro" (fraquinho, já agora) uma crítica as  novas traduções dos nomes das personagens, um incompetente ataque à tradição asterixiana. (Algo que em tempos já aqui referi).

 

Artis

 

9. Surpresa. Encontro o Bartis (ok, o Bar Artis) reaberto. Um ícone do Bairro Alto, ali à Diário de Notícias, agora com nova gerência (propriedade dos donos do velho restaurante "Sinal Vermelho"), a vender apenas produtos portugueses (quer um whisky, um gin, um vodka? Beba aguardentes vinícolas - aprecio o acto). Mas mais do que isso - e ainda que lamentando isso do balcão estar agora ao fundo da sala - de louvar a reabertura de um local biográfico. Mesmo que já sem o seu velho proprietário, o célebre Mário, e - aí sim, lamentavelmente - desprovido da lendária Paula, rutilante alma. Mas está lá o Bartis ....

 

onesimo marx e darwin

 

10. Inteligência: a primeira auto-prenda, logo no dia da chegada, este "De Marx a Darwin. A Desconfiança das Ideologias" (Gradiva, 2009), um para mim desconhecido livro de Onésimo Teotónio Almeida. O autor é um homem inteligente, o livro idem. Uma delícia, sobre paradigmas cientificos, suas características e limites, e ainda da hipotética relação da ciência com a religião, da ética com a lei. Para mais muitíssimo acessível (efeitos da tal inteligência). Deixo uma citação. Que é letal para alguns meio lusos, e não é preciso recuar ao guterrismo: "Nem tudo na ética está codificado na lei, a lei civil é apenas a imposição da obrigatoriedade de uma ética mínima para o funcionamento das sociedades. Mas se a ética transcende a lei, e por vezes choca com ela, ambas têm os mesmos alicerces. Os debates legais resultam de confrontos entre valores éticos, de combates morais, e nem todos conseguem reunir consensos que se traduzem no estabelecimento de normas legais (ou, pura e simplesmente, de leis sancionadas pelos tribunais e pelas forças do Estado que velam pelo seu cumprimento), contudo muitos valores morais não precisam de ser codificados em lei. Há normas éticas aceites pela maioria que nunca foram consignadas em nenhuma legislação. Os ventos da história e o rumo de cada cultura acaba conseguindo para esta ou aquela norma ética um estatuto legal. Mas nunca a lei cobre todo o domínio da ética, até porque nela, a ética, há um mínimo que suporta legislação (o domínio do dever), porém existe um outro bem mais vasto, o da virtude - a arethé grega - que não poderá nunca ser legislado." (125)

 

sporting logo

 

11. Drama. Rui Santos sobre o Sporting. O jornalista em causa capta pouca adesão - como o prova o baixo número de subscritores das suas incessantes petições informáticas, abundamentemente publicitadas em inúmeras horas televisivas (basta compará-las com as petições lançadas in-blog para comprovar essa sua fragilidade). No entanto a sua denúncia sobre a destruição do Sporting Clube de Portugal por parte do núcleo socioeconómico, em tempos albergado sob o epíteto "Projecto Roquette", é inultrapassável. E de registar pois estabelecida em jornal de grande divulgação. E, por extrapolação, diz muito sobre o Portugal de hoje, esse da cega aceitação de auto-anunciadas elites sublinhada pela "falta de alternativas".

 

fnac

 

12. Capitalismo. A edição portuguesa está pelas "ruas da amargura". Sob a tutela dos interesses comerciais, de grupos editoriais desligados da cultura (e, porque multinacionais, do contexto nacional). E esmagada pela pressão oligopolista dos grandes potentados livreiros, também eles apenas virados ao lucro. Assim se apaga a hipótese da edição ensaística e apenas subsiste a chamada "literatura leve", a capa brilhante, o conteúdo inexistente, a forma "plana" - em particular expressa nos registos da "exo-ajuda" e do chamado "romance histórico".

 

Prova dessa superficialização produzida nas grandes superfícies encontro-a na FNAC do Chiado, chego à secção dos livros e deparo-me com o primeiro escaparate - aquele que me recebe e me despedirá, dentro de algum tempo, portanto o que mais apelará à aquisição. Uma das faces para a literatura nacional (prosa) considerada relevante (os peixotos, cachapas, saramagos, lobos antunes, tordos e torgas e isso). A outra face de prosa estrangeira, e não resisti a transcrevê-la, para aqui comprovar o "estado da arte" a que se chegou, do esmagamento cultural por via do comércio (do capitalismo, por assim dizer). São 18 colunas, cada qual com quatro livros, novas edições (traduções) ou recentes reedições. Por mim recenseadas, como denúncia. Apresento apenas os autores, para economia de ma-schamba. Eis então o painel do escaparate melhor situado:

 

1. Bernhard; Bernhard; Mishima; Mishima. 2. Beckett; Walser; Walser; Mme Lafayette. 3. Hesse; Hesse; Jane Austen; Jane Austen. 4. Hemingway, Dumas, Diderot, Dickens. 5. Iris Murdoch, Iris Murdoch, Rilke, Colette. 6. Susan Sontag, V. Wolff, V. Wolff, Lampedusa. 7. Thoreau, Flannery O'Connor, Orwell, Orwell. 8. Maugham, Mann, Beckett, Mailer. 9. Daphne du Maurier, Céline, Saint-Exupery, Walty. 10. Flaubert, Yourcenar, Yourcenar, Hsek (?). 11. Kafka (X4). 12. Aitmatov, Kafka (X3). 13. Jack London, Boris Vian, Victor Hugo, Lautréamont. 14. Proust, Proust, Calvino, Calvino. 15. Calvino (X4). 16. Calvino, Pasternak ,Turgueneev, Gogol. 17. Tolstoi, Zweig, Svevo, Bulgakov. 18. Dostoievski, Dostoievski, Lidmila Ulitsvaia (?, será assim?, não conheço), E. Waugh.

 

Lastimável. Esta prática comercial, esta subjugação editorial. O primado da mediocridade. Efeitos, necessários entenda-se, do capitalismo. Vil.

 

Charme Discreto da Burguesia 2

 

13. O Charme Discreto da Burguesia. Olivais-Sul, Lisboa, Dezembro de 2009.

 

Ler Dezembro 2009

 

14. Império. A Ler (nº 86, Dezembro de 2009), coluna "Booktailoring", de Paulo Ferreira e Nuno Seabra Lopes. Procurando um registo cómico em futebolês (o dia em que os humoristas escreverem em raguebês ou golfês será bem arejado...) o texto "Um jogo entre linhas" que aponta os "jogadores mais influentes do mercado editorial português em 2009". Não vou discutir os critérios. Apenas o eco da minha reacção: "tenho que ter cuidado, pareço da patrulha ideológica", resmungo-me. Pois na "selecção nacional" deles lá estão o Agualusa e o Mia Couto. Sim, eu sei que na selecção de futebol estão o Liedson, o Pepe e o Deco. Mas nesta, na literária, não há brasileiros. É, na cabeça dos humoristas, uma selecção portuguesa de Portugal, mas afinal uma transpiração da pobre lusofonia. Ou seja, e isto muito para além dos escritores em causa, da cabeça dos humoristas ninguém retira(ou) o Império. Nem na Ler... Absurdo. Mas um absurdo sintomático.

 

jornal i

 

15. O jornal I é o melhor jornal nas bancas. Já no Verão passado me parecera tal. Agora confirmam-me tal alguns amigos. Alguns até acompanham a opinião com um "é de direita mas ...". Mas digo eu, que o vejo sem publicidade e oferecido nas bombas da Galp. Mau sinal? A ver se se aguenta ...

 

Jose Cutileiro Bilhetes de Colares

 

 

16. Delícia. Inúmeras bancas de livros em saldo (aliás, monos), um "apelo às dádivas". Nelas sempre se encontram exemplares desta bela colecção "Horas Extraordinárias" que o Independente foi publicando há alguns anos. Cada vez que em Lisboa lá carrego alguns. Agora é a vez (a 2,5 euros, imagine-se) de adquirir este saborosíssimo "Bilhetes de Colares de A.B. Kotter (1993-1998)", "porventura" de José Cutileiro. Obrigatório regressar a esta Quinta da Beldroega, sita na Várzea de Colares, seus habitantes e visitantes, ponto máximo de observação deste país. Pelo olhar-mestre do Senhor Doutor Kotter, traduzido pelo ex-comando J. Fonseca, fiel à máxima de que "Como a leitora sabe, eu nunca me imiscuo na política deste maravilhoso país que tão generosamente me acolhe no seu seio. Não cabe a um estrangeiro fazê-lo; menos ainda a um estrangeiro sem razões de queixa." (66). Ainda que com ele se possa discordar, por vezes, como aqui: "Já tentei explicar-lhe que o snobismo não é tão mau como parece porque, vistas bem as coisas, sempre é o contrário da inveja...". Discordância que, se seguida, levaria por caminhos muito diversos. Mas mais do que a justificar a corrida aos monos...

 

fontes pereira de melo

 

17. Política. Nenhum dos meus amigos - desses que cada vez menos encontro -, nenhum dos meus familiares, nenhum dos teclistas lidos in illo tempore, enfim nenhum desses que tanto vituperaram (vituperámos) o "fontismo" cansado, travestido de "desenvolvimento", do primeiro-ministro Cavaco Silva tem agora uma palavra irritada contra o proto-fontismo de José Socrates. Mas para quê falar, se é para falar encastrado?

 

Amalia

 

18. Jonhy Lyndon (ex-Rotten). Amália. Coração Independente (no CCB). Não sou um amaliano, ainda que nela possa actualizar (reconheço, até acabrunhado) a expressão "de ir às lágrimas". Pois ainda que não o seja (amaliano) saí preenchido da exposição. Para logo quem ali a meu lado me iluminar, como sempre na vida, num até desdenhoso "não aprendi nada". E é isso, saio do amalianismo (no meu caso amador) e constato, a exposição não é um diálogo com Amália, é uma missa (certo, a haver divindade que seja ela), apenas uma missa. Ela adoraria. Mas está morta, não haverá outra forma de ser olhada?

 

Depois o tal diálogo com a mulher, a personagem, a artista, o mito  -  que se pretenderia? -  é atirado para um "posfácio", de arte contemporânea. Nesse pacote, mas que assim surge externo, in-dialogante, um bailado (Ana Rito) muito interessante, a peça de Joana Vasconcelos também. E uma instalação visual óptima de Bruno de Almeida. Mas mesclado com coisas-obras a parecerem  modismo para "espantar a classe média baixa". Francamente, não há paciência para quem atira um xaile para o chão e diz "arte!". Olhar um cilindro branco com espelho atrás, "um artista (Amália) solitário no palco". Em 2009? Ali tanta ruptura, tanta inovação como o busto realista atrás apresentado (Joaquim Valente), coisa de meados de XX, que foi muito ao gosto da representada. Honestamente uma desilusão. Pelo auto-centramento da exposição, que se pretende encantória. E pela tralha avulsa que se lhe colou à maneira de olhar actual - com as excepções referidas. Sempre me convenço que o epíteto "contemporâneo" faz eclipsar o espírito crítico, analítico. Cilindros brancos, mesas luz com banheiras coloridas, peças atiradas no chão. Hoje?

 

Coisas que sempre me fazem lembrar aquela entrevista do Jonhy Lyndon (ainda Rotten?) ao Philippe Manoeuvre, publicada na Rock & Folk cerca de 1982. Dizia o Rotten: "ser punk em 1980 é igual a ser hippie em 1976"... Xailes no chão?!

 

sahara ocidental

 

19. Sahara Ocidental. Uma militante esteve em greve de fome defendendo a causa do Sahara Ocidental, protestando contra a ocupação marroquina. A representação diplomática de Rabat em Lisboa concedeu uma entrevista ao jornal "i", anunciando que Marrocos é "o polícia da Europa". O silêncio europeu face à ocupação colonial do Sahara Ocidental passa por esta "política real". Confesso que nada sei sobre a situação efectiva na região (no país, por outras palavras), acredito até que o terrível fundamentalismo "alqaediano" seja um papão agitado por Marrocos para colher o apoio à sua velha expansão - como os leitores saberão ninguém falava de Al Qaeda e muito poucos falavam de "fundamentalismo"/"integrismo" islâmico quando Marrocos  procedeu à ilegal anexação daquele território. Ou o seu inverso.

 

Mas enfim, são contas do difícil e imbrincado rosário da história. A mim interessa-me a reacção em Portugal. Nos jornais e na TV, nas conversas, ninguém ecoa a posição do Estado - o qual desde o governo Socrates assumiu a posição mais próxima da política colonial marroquino. É óbvio que o "distante" assunto a ninguém interessará, Marrocos está nos confins, parece-me até antípoda. À esquerda ninguém diz nada, nem mesmo o BE, onde Marrocos será quanto muito o locus de umas ganzas a legalizar, que isso dos princípios é uma canseira. O PCP silencia, mas é óbvio: para um partido sempre ao lado dos poderes coloniais e dos regimes monárquicos não se deveria esperar uma interrogação sobre a política diplomática portuguesa nesta questão. Ninguém questiona a questão. O fait-divers da senhora à fome acabou, entretanto o escritor José Saramago foi lá apoiar (à revelia do seu partido, à revelia de António Costa, o socialista de quem é apoiante) porque é uma "causa justa" e pronto. Aliás, prontos ...

 

 

20. Excelência. No canal Mezzo (que pena não haver em Maputo) um fantástico programa sobre Rafael Campallo, bailarino que desconhecia. Grande, grande ...

 

 

Liceu Camões

 

21. O Antigo Regime. O álbum, merecido, celebrando o centenário da Escola Secundária de Camões (ex-Liceu Camões). Ainda que me arrepie sempre que ouço loas ao dito liceu (apesar dele próprio). Que é sempre agitado como se ícone dos "bons tempos" em que havia cultura, e educação que a sustentasse e reproduzisse, em Portugal. Ou seja, antes do povo estudar e, até, gerar professores. Tudo isso em discursos de "progressistas", até gente oposicionista germinada no velho Liceu - mas que verdade, verdadinha, suspira por trechos do dr. Salazar, em particular aquele de que ao povo basta ensinar a contar e a assinar. Quebrado isso ficámos como estamos. Que "eles" até a "doutores" vão.

 

k-el-quijote-de-la-farola-web1

 

22. A desistência. Visito, acompanhando uma ínclita comitiva, a exposição do fotógrafo Korda. Celebrizado pela iconográfica fotografia de Ernesto Guevara, de sua autoria. Muito interessante, pelo que demonstra da produção do culto de personalidade do ditador comunista Fidel Castro, do qual Korda foi acompanhante durante a década de 1960s. Fantástica a sua entrevista, a forma como glorifica o próprio Ernesto Guevara, um absoluto contrasenso (assista-se às suas declarações, elogiando a "punição" que Guevara lhe fez).

 

Korda6Korda5 Mão de Fidel

 

Fidel Castro como ícone, até bíblico. A mão na terra produtiva, a pegada de Fidel, o seu "gigantismo". A sua beleza sensual. Fascinante, como interpretável. Como produto e produtor de fascínio.

 

Korda1 - mulheres

 

Certo que se Korda fosse eslavo ou han teria tido problemas, acusações de "cosmopolitismo" (como aventou um amigo meu) não lhe faltariam. Basta ver esta fotografia, onde duas presumíveis beldades, até lânguidas, escutam no escuro as palavras solarengas do comandante, deixando imaginar outras prédicas, mais íntimas. Coisas deste discurso construtor do "fidelismo", de Fidel Castro, muito dadas ao tom local, mas também à específica característica de Korda.

 

Mas para além dos seus méritos estéticos e jornalísticos surpreende que esta exposição, demonstrativa da arte glorificadora de Korda, que surge sob tutela da também estatal Casa da América Latina num espaço também estatal (Cordoaria Nacional), seja apresentada sem qualquer contextualização distanciada, sem referência enquadradora. Nada nos textos que a acompanham, talvez (mas desconfio que não) no catálogo - que muito presumivelmente será apenas encomiástico. Espantosa desistência. Dias passados comento esta minha estranheza numa mesa polvilhada de académicos, a nenhum pareceu estranha tamanha distracção "fidelista", obviamente significante. Nem mesmo quando lhes disse ser Korda um pouco a Leni Riefenstahl do regime cubano, ou que diante de qualquer produtor de mitos e ícones se presume criar distância cognitiva, não apenas fascínio e adesão - coisas que tão bem "sabem" para outros casos. Um simpaticíssimo alto quadro do ministério da Cultura, ali entre variados acepipes, rematou que "a exposição é daquelas que se recebem". E pronto! Desistência, pura e simples. E a gente assiste.

 

gravata

 

23. A gravata. Penso que foi no jornal "Sol", uma pequena nota irónica sobre Francisco Louçã. Que o coordenador do BE aportara no parlamento usando gravata, ao contrário do seu significante traje político, esse que reclama dessassombro (e, claro, posição de classe). Para logo nos "sossegar", afinal era apenas o dia em que o deputado cumpria provas públicas académicas e nesse campo fazia questão de cumprir as normas de vestuário. Passa tudo num sorriso, as pessoas dirão que é do espectro das decisões pessoais, etc. Mas este pequeno episódio, o respeito pela gravatinha no seio da corporação profissional ao invés da liberdade encenada no traje política, este pequeno episódio mostra bem a hipocrisia do senhor professor. O corporativismo fala mais alto, em maquilhagem de pequena-burguesia.

 

Escaparate

 

24. O escritor de escaparate. Já no pós-Natal mas ainda a caminho de mais uma comensalidade pantagruélica. No rádio do carro, enquanto subimos ali em Monsanto, capta-se uma conversa com escritor - desses que está em todos os escaparates natalícios, diga-se. Diz ele, face a pergunta da radiofónica voz: "a literatura é o que tem que ser!". Abismado com tanta profundidade aumento um pouco o volume, para ouvir no que aquilo irá dar, e logo ouço mais uma pergunta "V. disse no seu blog que a literatura portuguesa não é apoiada pelas livrarias. Que vontade de escrever isso lhe dá?", ao que responde o escritor, voz arrastada, sofrida, "Nenhuma". A meu lado, enfastiada, a senhora pergunta-me "queres ouvir isto?" e eu, mais assim como eu, logo riposto: "tira essa merda!".

 

Rolling-Stones-Let-It-Bleed

 

25. Envelhecimento. Ligo o carro e na rádio reconheço os acordes da "Fanfarra para um homem comum" e logo surge a  "You can't always get what you want" dos Stones. Elevo, e bem, o som e segue a canção-ícone, rock-barro da minha gente. Acto contínuo a bela rapariga a meu lado põe-me na boca .... uma castanha assada.

 

coppola tetro

 

26. Tetro, de Coppola, é um soberbo, lindíssimo, filme sobre Buenos Aires. Fantástico. A história é um pastel, a deriva patagónica um must de pirosice. Convém ver. Mas sem som nem legendas.

 

jose policarpo

 

27. Cardinalice. O Cardeal de Lisboa invectiva a "indiferença, agnosticismo e ateísmo" na sua homilia natalícia. Interrogo-me onde vai ele buscar essa ideia da igualdade entre "indiferença" e "ateísmo". Que "indiferença"? A prática, a ética, a solidária, a reflexiva? Um argumento vácuo, inaceitável, e que não cola com a imagem de profundidade intelectual que Policarpo sempre apresentou. Sem rodeios, é uma parvoíce ao nível daqueles que reduzem a igreja católica a fogueiras da inquisição e a erecções pedófilas. José Policarpo tem o direito (em determinada acepção terá até o dever) de combater o ateísmo e o agnosticismo. Mas tem toda a obrigação de matizar as suas argumentações e invectivas. E exactamente quando a sociedade presta homenagem a Manuel Clemente, bispo do Porto, enquanto homem de cultura elogiando-lhe a fina análise. Um deslize cardinalício, ao invés do momento vivido. A colher, claro, o silêncio do comum ...

 

Homem em Furia

 

28. Homem em Fúria, de Tony Scott, competente filme de TV. Seria uma excelente peça de cinema de samurai, acho, não fosse o seguidismo ao paradigma psicologista, assim desvanecendo a profundidade abissal do protagonista. Um diálogo excelente: "Velho: Na igreja dizem que devemos perdoar; Creasy (Denzel Washington): Perdoar-lhes é com Deus. O meu trabalho é proporcionar-lhes o encontro."

 

record

 

29. Acordo Ortográfico.Record é o jornal que logo aderiu ao Acordo Ortográfico. Se dúvida houvesse sobre o substrato intelectual desta parvoíce provinciana a entusiasmada adesão de tão pobre jornal cessa qualquer hipótese de dúvida. Eduardo Pitta acha que os detractores do Acordo Ortográfico são "encenadores" que dão pontapés na gramática, e com ele concorda Filipe Nunes Vicente, outro grande-bloguista. Recordo que as maiores polémicas neste ma-schamba vieram desses meus actos pontapeadores e, envergonhado, lamento-os bem como à falência das minhas tentativas teatrais. Vou ali ler o Record - pode ser que por lá me expliquem que esta deriva homográfica lusófona nada tem a ver com um fundo tonto de apelo à gesta da "presença" e "expansão" da língua portuguesa, que nada tem a ver com a inexistência de verdadeira reflexão económica sobre os seus futuros resultados para a edição internacional em português (mas apenas em "desejos pensantes"), que nada tem a ver com a tonta e iletrada ideia feita da distinção radical entre a fala e a escrita (a "escrita é uma convenção" dizem os imbecis, convictos que a fala, em última análise, não o é; a "grafia não influencia a fala", dizem "professores" sem perceberem que assim invalidam a sua tarefa).

 

Bem, pelo menos parece o Miguel Veloso marcou um golo e diz-se que vai para a Fiorentina ou Barcelona, e o jornal deve falar disso ...

 

cafe bica

 

30. Decadência Nacional. Cada vez mais difícil, talvez até mesmo impossível, encontrar uma "bica" (aliás, "café", "expresso", "italiana") decente. Os estabelecimentos  comerciais especializaram-se em servir zurrapas. Café Chinês?

 

PResepio

 

31. Família. Em dois dias seguidos dois artigos interessantes, os de Miguel Pacheco, "Não São Sermões Sobre a Vida Íntima e Martim Avillez de Figueiredo, sobre a questão da "família". Em ambos choco com este meu preconceito, o de que o discurso jornalístico aparece mais superficial do que o académico ou de reclamação intelectual. É aqui o inverso, total. Pois em ambos é explícita a ideia, ao contrário dos discursos dominantes, da necessidade e da virtude da família. Ultrapassando as velhas querelas hiper-liberais e hiper-marxistas, da família como local agente de repressão e reprodutor da exploração, do maléfico Pai-Padrasto Castrador e da malvada Mãe-Madrasta Castrada Castradora, do discurso da libertação do sacrossanto indivíduo face às algemas comunitário-familiares, da ultrapassagem da repressão por via do sacrossanto Estado-sociedade, local de protecção, produção e reprodução. Afinal instituição virtuosa, falível claro, de produção e interacção de valores sociais.

 

Há quem chame a isto conservadorismo. Lembra-me o Jonhy Rotten (já Lyndon?): "ser punk em 1980 ..." (onde é que eu já li isto? ...).

 

enchidos

 

32. Frases feitas? Um repasto, entre antropólogos e excelsas iguarias, no caminho entre enchidos fidedignos, sopa de rabo-de-boi, conduto incomensurável, doçaria relevante, reservas variadas e vintages culminantes. Algo a que, ali, estou há décadas habituado. Com emigrantes à mesa a conversa passa ao "estado do país", claro. Donde ao casamento homossexual, que o resto foi resumido, como sempre, num "isto está mau" - mas que ninguém interprete este condicionamento do discurso popular como uma estratégia do governo, que é de esquerda, donde bom. Pessoa que há décadas muito me é querida e também minha mestra nas coisas antropológicas, talvez até causa quase-única desta minha formação, remata-me "O casamento é um contrato entre dois indivíduos". Vacilo, e partirei destruído para casa. Pois se vindo de quem vem aquele libelo individualista ... tudo aquilo que estudei, da reprodução estratégica de laços de filiação e de descendência, de articulação entre grupos sociais, de transferência de património (em sentido lato), de composição e recomposição familiar, tudo isso para onde foi, o que era? Nada, afinal a nossa sociedade é apenas um campo onde interagem indivíduos, livres, racional e radicalmente autónomos que contratualizam. Virtuosamente.

Vindo de quem vem? Já no carro, ao volante, entre a azia silenciosa e a flatulência reprimida, constato-me duas décadas de vida profissional enganada. Novo ano que aí vem - e até já veio - exige-me pois vida nova, profissão nova. Pois se a outra, a da até agora, inexiste afinal. Não dormirei, e desde então a insónia constante. Para onde ir? Que fazer? Ou antes, com que indivíduos contratualizar?

 

PortoVintage

 

33. Ideias Feitas?. "À mesa, entre antropólogos e excelsas iguarias, no caminho entre enchidos fidedignos, sopa de rabo-de-boi, conduto incomensurável, doçaria relevante, reservas variadas e vintages culminantes. Algo a que, ali, estou há décadas habituado. Com emigrantes à mesa a conversa passa ao "estado do país", claro. Donde ao casamento homossexual - que o resto foi resumido, como sempre, num "isto está mau" - mas que ninguém interprete este condicionamento do discurso popular como uma estratégia do governo, que é de esquerda, donde bom. Pessoa [outra] que há décadas muito me é querida, e também minha mestra nas coisas antropológicas, talvez até causa quase-única desta minha formação" [in blog ma-schamba, post "(N)A "Pátria Amada" (ponto 32)], explica-me, simpática e até solidária com as minhas falhas de formação (e tantas ela colmatou nos bons velhos tempos), a diferença entre o matrimónio religioso, de vínculo indissolúvel, e o casamento civil, coisa moderna e passível de ser dissolvido. Por opção própria, por economia de discurso, não lhe dá nenhum enquadramento de história institucional, mas não posso aprender tudo no mesmo dia. Estava eu, portanto, a ouvir pela enésima vez esta profunda argumentação - e ainda não tínhamos chegado à questão das sufragistas, mas haveríamos de lá aportar - quando um conviva comensal rematou, glorioso: "vínculo indissolúvel?! Ah, mas isso é o que defendem os sindicalistas!! Afinal são iguais, a Igreja e os Sindicatos".

 

Um vintage, este meu amigo, há décadas que vai vintage! Pena é que não meu mestre ...

 

bachhaydn

 

34. O cadáver da Antropologia. Ao sábado ouvir Bach na Gulbenkian, ao domingo Haydn no CCB. Para além do encantamento da música - um registo em que me perco completamente, por falta de capacidade interpretativa, uma delícia - deixo-me, como sempre, a "olhar" público e músicos. Olhar esta disciplina, que faz milhares de músicos aprenderem a reproduzir e interpretar partituras de tons e sons velhas de séculos, atentos às suas diversas matizes, e ainda, até, criando-lhes novas formas. Disciplina que passam a milhares e até milhões de ouvintes, que vão sendo treinados a escutar (alguns até a entender). Disciplina essa a qual poderá ser chamada "civilização", forma vasta de controle, molde gigantesco de sentir e ser. É um fim-de-semana bom para isso, isto de partilhar espaço civilizacional com patrícios relativamente diversos - nas formas do saberem os seus corpos, de controlarem tosses, espirros, flatulências, agitações, sentimentos, amores, aplausos. Mais "burgueses" à Praça de Espanha, mais "populares" (menos "cívicos", menos "civilizados") em Belém, que tudo isto é um processo longo de aprender.

 

Mas de repente, ali a meio da Criação, de Haydn, entre tosses múltiplas e aplausos fora-de-tempo no seio dos ainda algo in-disciplinados, lembro-me da minha queridíssima amiga e mestra. Que é isso? Questionar-me sim, mas apenas sobre as contratualizações que ali nos uniam. Nada mais há a questionar, a inquirir. Paguei bilhete, é o meu contrato. Outros pagaram ainda impostos, é outro contrato. Todos comprámos produtos dos patrocinadores, mais contratos jurídicos. E basta, deixo-me a ouvir a música, incompreendendo. Feliz.

 

Jornal de Letras 1

 

35. A cremação da dita e ainda das suas primas. Jornal de Letras, já institucional presença. Tem defeitos, mas é melhor que exista. Muito estatal, no ponto de vista, nas formas de associação e financiamento. Também por isso local dos sinais dos tempos. Na última edição (nº 1024) vários artigos sobre a década agora terminada, "dez anos de letras, artes e ideias". Extensas indexações de poesia e prosa literária, artes plásticas, música erudita e pop, cinema, dança e teatro. Ambiente, ensaio e ideias (sobre estas dois textos) também. Não discuto os critérios, gente sábia a escrever. Mas surge-me questão. No mundo das "ideias" ainda há referência para uma ciência social, a História. Até par as sua versão história intelectual (já agora, saúdo as referências a obras que me são bem queridas, "História do Pensamento Filosófico Português", coordenada por Pedro Calafate, "Portugal Extemporâneo" de Carlos Leone). Depois ... Eduardo Lourenço, mais alguns ensaios, o "Portugal Medo de Existir" ("os portugueses são ...").

 

Entenda-se, dois artigos sobre "ideias", um sobre "ensaios". Nem uma referência a trabalhos portugueses de Antropologia, de Sociologia, de Psicologia, de Geografia, de Linguística, de ... olhando bem nem de Economia, nem tampouco de outra área de investigação. Ideias durante a década? Ideias sobre Portugal e sobre o mundo? Nada a referir. [Vou escrevendo e pensando que sobre Ciências Exactas/Naturais idem, idem. Mas haverá ideias aí?, dirão os especialistas do JL].

 

É o Jornal de Letras! Sinais dos tempos? Claro, como comprovei nesta minha deslocação.

 

inhamabane

 

36. Inhambane. Para lá sigo. Intentando, entre sol e calma, encontrar um novo rumo. Entenda-se, novos contratos. Apenas jurídicos, claro.

 

jpt

publicado às 17:37

Amália Rodrigues em Moçambique

por jpt, em 30.11.09

Abaixo eu e ABM fizemos várias referências às digressões de Amália Rodrigues a Moçambique. Deixo duas imagens recolhidas no livro iconográfico "Era Uma Vez ... Moçambique", compilação de Curado Gama, editado pela Quimera (1ª edição 2004, 2ª edição 2005). Infelizmente as fotografias não estão creditadas.

Amalia no Aeroporto

("Amália Rodrigues entre amigos e jornalistas, no aeroporto, em 1950")

Amalia no Polana

("Amália Rodrigues com amigos no terraço do Hotel Polana", 1950)

jpt

publicado às 01:15

Amália em Moçambique III

por jpt, em 09.10.09

amalia-2

[Amália recebida no aeroporto por centenas de pessoas]

A evocação da visita de Amália a Moçambique desenvolveu-se em invocação. A minha boa amiga Amélia enviou-me estes preciosos recortes de jornal, relativos à digressão de Amália em 1969 [pressionados aumentam, possibilitando a sua leitura]. A diva do fado, estrela internacional, regressou a Moçambique duas décadas depois da sua última aparição. Veio como centro de uma delegação cultural, integrando o actor Jacinto Ramos e dois cavaleiros tauromáquicos, o que bem denota o conteúdo do arquipélago cultural identitário de então. Se é interessante, paralelamente, ver como a mutação sociocultural da democracia implicou a desvalorização da tourada como símbolo nacional e não de nenhum dos então célebres 3 "fs", este facto torna explícita a dimensão de "representação", donde de acto também político, da acção cultural em causa.

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[notícia da recepção oferecida a Amália e restante delegação cultural pelo Governador-Geral Baltazar Rebelo de Sousa]

Nada mais sei sobre esta deslocação, apenas posso especular sobre o seu contexto - o de assumir a vitalidade económica da sociedade colona, a trazer a grande artista para uma digressão desta monta, a sua óbvia integração no espírito da época, o de fazer Amália calcorrear um território assim feito, explicitado, Portugal. E um Portugal pacífico, acolhedor da Diva. E, claro, a sua inserção no esforço de guerra português, a expressa vontade do ícone nacional de prestar apoio moral às tropas portuguesas aquando da sua actuação no Norte.

Mas num outro registo, mais conjuntural, apontar a presença do governador Baltazar Rebelo de Sousa, o homem do "colonialismo de rosto humano", e inclusive a coincidência temporal, explícita no primeiro recorte, com a sucessão da partida de Marcello Caetano e a chegada de Amália. Vivia-se a "primavera marcellista", terá sido esta uma "acção cultural interna" também propagando esse vector? Numa África onde, pessoa do seu tempo, Amália constata "ainda me sinto mais portuguesa".

amalia

[Anúncio do espectáculo de Amália em Maputo (Lourenço Marques), no pavilhão do Sporting]

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[Amália visita e actua na casa de Malangatana, emparceirando com músicos locais]

Enfim, recortes que são verdadeiros documentos desse tempo, e não só pela forma da escrita jornalística: actuações em Maputo (Lourenço Marques), Beira, Chimoio (Vila Pery) - aqui "apadrinhando" a sua ascensão a cidade, facto civilizacional - e Nampula, com relatos do seu sucesso. A visita à Gorongosa - ex-libris turístico de então, mas também símbolo de uma "África natural". E, pois há coisas/olhares que se mantêm, a deslocação/actuação a casa do grande Malangatana (já então, como sempre, acompanhado de Oblino) para uma sessão que hoje chamaríamos de "multicultural" (e onde estava, entre outros, a poetisa Glória de Sant'Anna, recentemente falecida).

amalia-3

[Amália em Nampula]

amalia-entrevista

[Entrevista no Hotel Polana, acompanhada de Maluda e da jornalista radiofónica Manuela Arraiano, ambas oriundas de Moçambique]

amalia-reportagem

 [Amália na Gorongosa, depois de actuar na Beira e em Chimoio (Vila Pery)]

 Adenda: breve memória de Amália em Nampula durante esta digressão, deixada no Petromax.  jpt

publicado às 10:40

Amália Rodrigues na Beira

por jpt, em 06.10.09

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(fotografia tirada em Outubro de 2007; pressione-a para a engrandecer]

Como abaixo o ABM homenageou Amália Rodrigues, no décimo aniversário da sua morte, para isso recordando a passagem da cantora por Moçambique, cumpre-me associar-me a essa invocação aqui deixando memória da passagem de grande cantora pela cidade da Beira, onde inaugurou o Miramar em 29 de Junho de 1951.

jpt

publicado às 21:38

Velhas Gavetas. Primeira Vez.

por jpt, em 24.07.05

BilheteAmalia.jpg

A primeira vez de Amália Rodrigues no Coliseu dos Recreios de Lisboa, quando aquela sala era o Coliseu dos Recreios de Lisboa. Em 1985, apenas. Lembro uma sala abarrotada de um povo de amantes apaixonados. Amália já trauteava muito e o público, enlevado e entusiasmado, também. O amor é assim, até ao fim.

No antes e no intervalo os promotores, os então inefáveis e super-populares António Sala e Olga Cardoso, sorteavam "varinhas mágicas" e quejandos pelos espectadores, tipo "aniversariantes que o possam comprovar!!!". Arrepiante? Era-o, mas ainda que isso tinham sido eles os promotores, finalmente alguém. Desde então deixaram-me de ser inefáveis.

Era o Portugal de então. Hoje engavetado.

publicado às 02:44


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