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Agora que o "Espírito Santo" balbucia e talvez desapareça, e enquanto se degola o bode Ricardo Salgado, intentando-se lampedusiamente que tudo mude para que tudo fique na mesma, seria interessante abandonar o rame-rame jornalístico ou o apelo da "economia/finanças" para tentar perceber um bocado mais. Não ficando preso à culpabilização do indivíduo (e seus directos) ou à lamechice do "mau gestor". Perceber a dimensão estruturante desde há décadas do peso dos Espírito Santo e dos seus "primos" na sociedade portuguesa, perceber o protectorado que exerceram nos últimos 15-18 anos no poder português (à "esquerda", como dizem os tolos, e à "direita", como dizem os tolos)

 

Para isso poder-se-ia ler "Grandes Famílias Grande Empresas", da antropóloga Maria Antónia Pedroso de Lima (D. Quixote, 2003), sua tese de doutoramento. Um livro excelente, analítico, documentadíssimo, e muito bem escrito (o que ajuda os que não vêm deste área disciplinar a ler sem esforço). Iluminador. E caso extremo da afirmação da relevância das ciências sociais, em particular da antropologia (tantas vezes condenada pelo "engraçadismo ideológico" dos seus praticantes, infectados pelo "identitarismo", mergulhados em prementes objectos como os proto-transsexuais portadores de piercings nas glandes fenecidas ou grupos de rap de descendentes de imigrantes do Burkina Faso no bairro X de Rio de Mouro).

 

Neste momento ler (ou reler) este Grandes Famílias Grandes Empresas deveria ser um apelo, uma corrida às livrarias, para quem queira perceber Portugal, e as características sociológicas e culturais dos poderes que o dominam e conduzem. Em vez da discussão vácua sobre os "erros e desvios" (exactamente, como diziam os comunistas serem as causas nada-sociológicas do fim do comunismo soviético) de um mau "gestor" (o "treinador" Salgado, no patois do futebolês dominante). 

 

Aqui fica um aperitivo-apresentação. E o convite. Tenham coragem, não custa muito, basta deixar de ler um ou dois Expressos daqueles nicolaus santos ou coisas dessas. E vale muito mais.

 

 "Analisei a forma como sete grandes famílias, detentoras de grandes empresas há várias gerações, articulam dois critérios de relação social, em regra concebidos como antagónicos: família e empresa.

 

Na sociedade ocidental, a separação entre família e economia está de tal forma enraízada que é difícil pensar estes dois conceitos de uma forma articulada (...) Os meus entrevistados da elite empresarial de Lisboa mostravam-se inquietos quando lhes sugeria que as suas alianças económicas tinham algo a ver com as suas relações familiares. Ser, simultaneamente, sócio e parente acarreta uma contradição cultural e teórica que os sujeitos sociais se esforçam por ultrapassar nas suas práticas quotidianas. Actuando num mundo onde predomina um ideal meritocrático, a elite financeira de Lisboa não pode transmitir a imagem de que é perpetuada através de um critério de consanguinidade.

 

Contudo, neste contexto social, as relações de parentesco e as relações económicas não constituem dimensões (...) distintas. Pelo contrário (...) esta interligação é um dos factores que mais contribui para a distinção que estas grandes famílias empresariais adquirem a nível social e económico. (pp. 305-306)

 

"A presença de grandes empresas familiares tem sido um elemento marcante na economia portuguesa deste século. A política económica do Estado Novo privilegiou a concentração do investimento, favorecendo, desta forma, a criação e o desenvolvimento de grandes grupos económicos (...) O período Marcelista (....) representou o culminar desta situação, tendo-se então desenvolvido consideravelmente o poder e a influência dos sete grupos económicos que dominavam a economia nacional. Curiosamente, todos estes grandes grupos económicos tinham uma ampla base familiar. Eram eles: o grupo CUF, o Grupo Espírito Santo, o Grupo Champallimaud, o Banco Português do Atlântico, o Banco Borges e Irmão, o Banco Nacional Ultramarino e o Banco Fonsecas e Burnay (...). Para além do seu imenso poder económico, as famílias que dominavam estes grupos*gozavam de um enorme prestígio social e de uma intervenção significativa, ainda que indirecta, na política portuguesa.

 

Estes poderosos grupos económicos de base familiar começaram a sua implantação em Portugal em finais do século passado e projectaram-se durante a Primeira República."

 

*["São apenas catorze as famílias que dominam os sete grandes grupos financeiros portugueses durante o Estado Novo: Espírito Santo, Mello, Champallimaud, Burnay, Cupertino de Miranda, Pinto de Magalhães, Quinas, Mendes de Almeida, Queiroz Pereira, Figueiredo, Feteiras, Vinhas, Albano de Magalhães e Domingos Barreiro" (...)] (p. 60).

 

 

 

publicado às 12:06


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