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Um excelente artigo-diagnóstico sobre Portugal, publicado por António Barreto no "Correio da Manhã". Reproduzo-o para que alguns o possam ler mas também para ficar em arquivo, dado que as ligações nos jornais tendem a ser pereciveis. Mas há mais. O diagnóstico sobre a situação portuguesa está feito, mais ou menos estabelecido. O diagnóstico sobre as causas é mais polémico, mas também pode ser feito. Mas não se poderá cair na tentação de individualizar as causas. Por pior que Sócrates seja o processo não se reduz à sua influência, e textos como este de Marques Mendes, centrados nos efeitos da perspectiva do ex-PM, acabam por ser perniciosos.

 

A questão surge para o futuro. A situação portuguesa era anunciada, e há muito. Para intervir no futuro é fundamental regressar aos arquivos. Recordar e elencar as personagens que ao longo dos anos conseguiram ter alguma clarividência, independentemente dos contextos de onde fala(ra)m. E interessa também recordar quem passou as duas últimas décadas em anuência, constante ou episódica, com todo o processo, em  verdadeiro delírio de cumplicidade. Não para uma caça às bruxas mas porque não tem qualquer sentido tentar imaginar o futuro, nele actuar, através do mesmo naipe de políticos, intelectuais e opinadores (e "gestores") que estruturaram este contexto e o divulgaram, tornaram como se "natural". Diagnóstico feito? Então trate-se de elencar os actores anteriores. Induzir a reforma. E não ter pejo de os votar ao ostracismo intelectual.

 

E escolher num novo painel. Contando com veteranos que tiveram a coragem da clarividência. Rapidamente. Por razões de competência, por razões de ética, mas acima de tudo por razões de concepções. "Os tempos estão a mudar"? Não. Já mudaram.

 

Novo ciclo: A incerteza

 

Como quase sempre na vida, os ciclos terminam antes que as pessoas se dêem conta. Algures em meados da década de noventa, os tempos da fartura e da prosperidade tinham acabado. Desde então, o crescimento estagnou, primeiro, desceu para níveis negativos, depois. Iniciou-se então uma época "entre ciclos", durante a qual se mantiveram as ilusões e a euforia, agora condimentada com doses inultrapassáveis de demagogia.

 

Vivia-se como se tudo fosse ainda possível, como se os cofres do Estado, das empresas e das famílias estivessem recheados. Como se ainda houvesse agricultura, floresta, pescas e indústria. Como se o investimento estrangeiro continuasse a procurar a nossa economia. Em poucas palavras, como se o progresso interminável estivesse garantido. O Estado prometia e pagava. As famílias gastavam. A Banca aproveitava. As empresas endividavam-se. O financiamento externo não cessava. Os avisos que alguns deram não tinham sequer eco, foram considerados sinais de senilidade e pessimismo. O futuro continuava radioso.

 

SEM SENSATEZ

 

A crise internacional e o colapso nacional mostraram a dimensão inacreditável do desastre e da demagogia. A fragilidade nacional surgiu em proporções inesperadas. A produção nacional era insuficiente, o consumo não parava de crescer. O défice público aumentava sem travões nem sensatez. As dívidas externa e interna, sobretudo a primeira, atingiam níveis dramáticos. A balança comercial afundava-se. Os emigrantes enviavam menos remessas e os imigrantes mandavam mais. O investimento externo reduzia-se. A expatriação de capitais aumentava. A deslocalização de empresas acelerava. Passámos a viver em desequilíbrio crescente e à custa dos credores.

 

O ataque à dívida soberana resultou imediatamente, não por efeito de conspirações malignas, mas em consequência de uma vulnerabilidade total. O País, o Estado, a Banca, muitas empresas e muitas famílias faliram. A assistência financeira externa foi indispensável. Começou a viver-se um novo ciclo que ainda não tem nome, mas cujos contornos são já conhecidos. A nova realidade do desemprego, da quase falência do Estado social, da falta de competitividade, da austeridade e do crescimento insuportável dos impostos veio para ficar. Iniciámos um longo período de crescimento muito baixo ou nulo. As oportunidades serão cada vez menos. A emigração será maior.

 

BRANDO DIAGNÓSTICO

 

Há muita gente que não acredita neste brando diagnóstico. Como não acreditou, durante década e meia, nos sinais de desgoverno e de decadência. Mas a vida acabará por impor a sua lei e a força da realidade. Tão cedo, antes de vários anos, os portugueses não voltarão a ter os níveis de rendimento, de bem-estar e de desafogo que conheceram, de modo crescente, durante duas ou três décadas.

As classes médias perderão algo que tinham, trabalhadores e classes mais desfavorecidas sentirão apertos maiores e apoios sociais menores. Na melhor das hipóteses, com muito trabalho, com um enorme esforço de reorganização do Estado e das finanças públicas e com uma imensa acção de atracção do investimento externo, os portugueses terão, dentro de cinco a dez anos, as primeiras impressões de um melhoramento real das suas vidas.

 

UE ESPATIFADA

 

Entretanto, as consequências políticas desta situação tornaram-se visíveis ou previsíveis. O Parlamento nacional encontra-se marginalizado e sem regresso. A política nacional está dependente e condicionada nos mais ínfimos pormenores. A Comissão Europeia foi espatifada. O Parlamento Europeu foi confirmado na sua mirífica irrelevância. As instituições europeias estão à mercê das duas grandes potências regionais e dos grandes grupos financeiros multinacionais.

 

Partidos e sindicatos europeus brilham pela sua ausência. As empresas europeias põem-se ao abrigo nacional ou multinacional, mas certamente não europeu. Nenhum movimento europeu se revelou até hoje com capacidade para emprestar a voz aos cidadãos, que, de qualquer maneira, se sentem menos europeus do que nunca.

 

PERDA DE DEMOCRACIA

 

Pior do que tudo: não há alternativa. Portugal (tal como qualquer outro país) terá de encontrar as suas soluções no quadro europeu. Não parece haver solução portuguesa para a portuguesa crise. O ultimato alemão e europeu é insuportável, as instruções para a revisão constitucional são intoleráveis e a interferência na escolha dos dirigentes políticos é inadmissível. Mas não se conhece outra solução, a não ser a aquiescência ou a resignação.

 

No quadro europeu, seguindo as regras de disciplina financeira e vivendo um longo período de austeridade e de crescimento quase nulo, Portugal terá a hipótese de preservar alguma aparência de democracia e uma reduzida margem de bem-estar e de apoio social. Mesmo se com independência mitigada. Fora da Europa, com algum proteccionismo, com a reestruturação da dívida e eventualmente a cessação de pagamentos, os portugueses conhecerão a pobreza e perderão o pouco que lhes resta de democracia. Não há volta a dar. Acreditem.

 

jpt

publicado às 01:30


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