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Hoje é dia do Nobel da Literatura

por jpt, em 10.10.13

 

O blaseísmo, a atitude taralhouca que reviveu em Lisboa com a tralha do "Independente" dos anos 80s e nunca mais de lá desacampou, adora (si-la-bar, sff, para adequar o tom) desmerecer o prémio (pois quase tudo lhe é incomodativo, tirando o que é "bem" - neste caso se o prémio for para Roth, ainda que este não tenha culpa dos tontos). O Prémio Nobel é um prémio, só isso, mas o maior dos literários, uma honra e um turbo para adquirir leitores. Bom, bom, era cair para o maior dos escritores em português, António Lobo Antunes.

 

Ando a reler este "As Naus", vinte e cinco depois de o ter lido. Não é o seu melhor livro. É um belo livro. E o homem um gigante. Daqui a um bocado lá se saberá.

publicado às 09:14

Com referência às declarações de Cavaco Silva sobre a guerra colonial portuguesa, elidindo a violência dos seus processos de arregimentação militar e a multiplicidade das formas da sua vivência, e as quais surgem tão descabidas que deverão ser originadas em grande desconhecimento histórico proponho que algum membro da equipa de Cavaco Silva leia rapidamente estes quatro pequenos livros e deles faça um condensado em reunião de trabalho. São todos supra-recomendáveis e todos versam o assunto: o sentir das tropas portuguesas em África e o sentido que davam à guerra (as tais "coragem ...desprendimento...e determinação" que Cavaco Silva invoca, como se fossem assunto indiscutível, neutral). Trabalho curto, rápido e, com toda a certeza, prazenteiro.

 

[Eduardo Pitta, Persona, Angelus Novus, 2000]

[Fernando Assis Pacheco, Walt, Assírio e Alvim, 2007 (1978)]

[António Lobo Antunes, Os Cus de Judas, (1979)]

[Mário de Carvalho, Os Alferes, Caminho, 1998]

jpt

publicado às 16:15

1. A propósito da sequência das declarações "bíblicas" de José Saramago uma insistência no tema, talvez a aborrecer os visitantes. Mas é uma sequência de dizeres tão sintomáticos sobre Portugal que se tornam irresistíveis.

No Mar Salgado Vasco Lobo Xavier ecoa que Saramago defende que Deus devia ter vedado a macieira com rede. É uma afirmação deliciosa, levando a matéria para onde ela realmente pertence. Tal como o nosso ABM lembrou nestas declarações do que se trata é de um conflito ideológico-político com a Igreja Católica, nada reduzíveis às furibundas invectivas de publicidade ou senilidade. Pois torna-se óbvio que para Saramago é possível o paraíso, nos seus avatares que foram correntes: sociedade de lazer, sem exploração, sem escassez, de "homem novo". O que para isso é necessário é que alguém, alguns, construa(m) a cerca (e por ela velem) que defenda os homens da "natureza humana". À "incompetência" (aliás, inexistência) da divindade suceder-se-á a competente tutela do partido, em particular a dos seus intelectuais.

2. Ficou (algum?) Portugal aos gritos com o assunto (mesmo os que se aprestaram a dizer que não havia nada a dizer), uns vociferando contra o herege, outros lamentando-lhe a incapacidade de crítica literária, a falta de profundidade hermenêutica.

Finalmente chegou-me às mãos um jornal Público da semana passada. Onde diz Vasco Pulido Valente: "O problema com o furor que provocaram os comentários de Saramago sobre a Bíblia (mais precisamente sobre o Antigo Testamento) é que não devia ter existido furor algum." Como é óbvio, e não só porque velhas como a própria Bíblia são as invectivas a Deus.

Mas logo avança Pulido Valente: "Não assiste a Saramago a mais remota autoridade para dar a sua opinião sobre a Bíblia ou sobre qualquer outro assunto, excepto sobre os produtos que ele fabrica, à maneira latino-americana, de acordo com o tradição epigonal indígena." Entenda-se, Saramago pode falar do que faz, do seu artesanato, do seu ofício. Sobre outros assuntos não tem autoridade, "a mais remota". Depreendo, até porque condiz com o locutor, que para falar de assuntos abrangentes, fora da vidinha de cada um, há apenas alguns com autoridade, os especialistas. É uma explícita divisão social do trabalho (intelectual). À "incompetência" (aliás, inexistência) da racionalidade geral suceder-se-á a competente tutela do partido, perdão, das elites, em particular a dos seus intelectuais.

Para culminar com o gráfico de Portugal no mesmo jornal diz Lobo Antunes: [os populares] "É óptimo. Uma pessoa não tem guarda-chuva e eles emprestam." 

Olhando para o agregado de locutores está bem marcado o quadro. As três ordens de Dumézil trazidas até quase-nós por Duby: 1. os sábios/intelectuais (com estudos) que têm autoridade abrangente; 2. os arrivistas (escritores que não pensam como os sábios, jornalistas, bloguistas, lumpen-burguesia, sindicalistas ex-aristocracia do ex-proletariado) que querem falar mais do que da sua vidinha; 3. os populares, porreiros porque emprestam o guarda-chuva. Modelo agora em aparência (pós)moderna, mas bem, bem, antigo. Foi feudal, antes indo-ariano. E ainda hoje vigora.

Isto são só coincidências. Releio o artigo "Indústria e Repressão Sexual numa Sociedade da Planície do Pó" e umas páginas antes diz assim (minha versão do francês): "Tem uma sincera e primitiva admiração por aquele que sabe. Desse sempre sublinha as suas qualidades manuais, a memória, a metodologia evidente e elementar: tornamo-nos cultos lendo muitos livros e retendo o que eles dizem. A suspeita que a cultura possa ter uma função crítica e criadora não lhe surge. À cultura julga-a segundo um critério puramente quantitativo. Nesse sentido (o de que para ser culto é necessário ter lido muitos livros durantes muitos anos) é natural que o homem que não é predestinado renuncie a qualquer tentativa". (Umberto Eco, "Phénoménologie de Mike Bongiorno", Pastiches et Postiches, 1992, p. 63). Ou seja, que emprestemos os nossos guarda-chuvas.

É óbvio que nada disto tem a ver com as insistentes considerações sobre "onde está" a direita ou a esquerda, característica questão da topologia portuguesa. É muito mais perene. O tal modelo trifuncional nas mentes de alguns. E sempre associado com a apropriação sociológica do discurso. No fundo com quem pode (e deve) vedar a macieira. Ou levar-nos até ela.

Chove! Vou ali emprestar o meu chapéu-de-chuva.

jpt

publicado às 01:12

Cartas de Guerra, de Lobo Antunes

por jpt, em 18.10.08

capa-lobo-antunes-cartas.jpg

Já antiga prenda de bela amiga só agora leio "D'este viver aqui neste papel descripto", as cartas de guerra de António Lobo Antunes à sua mulher Maria José (D. Quixote, 2005).

Livro especial, na altura da sua edição nos jornais muito se louvou a escrita de Lobo Antunes, a transcrição da intensidade do seu amor, o seu sentir da guerra. Ora o que leio (vou a meio do livro) é algo diverso. Se Lobo Antunes é um escritor extraordinário não é o nestas cartas - nem tinha que o ser, são cartas para a sua mulher, nunca pensadas como objecto literário. E se muito amava a sua mulher (a qual surge como de uma Beleza perturbante) não seria isso relativamente generalizado nos seus camaradas de armas? Amará mais um escritor do que um amanuense? E não serão a guerra e a sua solidão extrema dinamizadores do sentimento do amor? Ele escreveu esse amor e outros não, a diferença. Que justifica juntarmo-nos à volta destas palavras, não precisando para isso de outros sublinhados.

Nessas cartas surpreendem duas coisas: por um lado a narrativa da guerra, nada (aparentemente) escondido, um nunca capear os perigos e os medos - um pacto entre o casal? Mas acima de tudo surpreende o homem, a ingenuidade que transparece nos seus 28 anos, até a estreiteza do interesse sobre o que o rodeia, homem do seu espaço e do seu tempo, um tempo onde se podia escrever "as hóstias sabem a papel almaço". É isso que espanta pois, por mais céptico que se vá ficando, ao ler um Escritor como este, imenso, imagina-se o homem como quasi-omnisciente, homem imenso também, uma inata apreensão do circundante. Mas não, mero homem que amadurece(rá). Esse, para mim, o interesse do livro. Extremo.

Tudo se poderá resumir assim. O médico militar vai a uma povoação (7.3.71, pp. 80-82) e "Hoje, domingo, passei a manhã numa cerimónia curiosa, a assistir à esconjuração de uma doente, para que a doença saísse de dentro dela. Como sou uma personagem de marca sentaram-me na única cadeira existente, dando a direita ao soba. Depois 3 homens tocavam tambor, a doente foi sentada numa esteira, e a malta dançava e cantava em volta uma melopeia estranhíssima. Estava um calor como não me lembro de ter sentido na minha vida, não havia uma única nuvem no céu e tudo brilhava e reluzia. Assisti à cerimónia por acaso, porque andava à procura de cachimbos e pentes. Aquelas coisas de madeira em que se faz o pirão, uma espécie de almofariz assim, mais ou menos trabalhado, ficava estupendo em nossa casa como cesto de papéis ou outra coisa qualquer. Há-os muito bonitos, mas são bastante pesados. Estou a pensar mandar fazer um baú para levar os objectos que por aqui vou juntando, e que nunca vi em parte nenhuma em Lisboa. Os bibelots ficam por minha conta. A fim de escolher só coisas que valem realmente a pena tenho passado o meu tempo livre a esquadrinhar os quimbos. Hoje, por exemplo, vi um cachimbo giríssimo mas não mo quiseram vender, apesar de eu oferecer a exorbitante quantia de 10$00. Tenho a impressão de que a tia Hiette, por exemplo, perderia a cabeça por estas paragens. Espero que não te horrorizes quando me vires chegar cheio de coisas para as quais, talvez, pelo número, não tenhamos lugar em casa. Vamos a ver se levo algumas em Outubro, quando aí for. E o mais incrível é que no meio disto tudo ainda só gastei 20$00!"

Não é crítica minha. É até comovente ver um (ainda) jovem recém-casado a escrever à mulher grávida, as minudências da decoração do lar, uma verdadeira bricolage para manter o registo de casal (quotidiano, como as cartas o tendem a ser). Mas ao mesmo tempo ao ler isto espanto-me, o Lobo Antunes, futuro médico psiquiatra (ainda que não lhe fosse a vocação, há-de resmungar durante anos) passa, forçado e distraidamente por uma exorcização, e segue descrevendo com minúcia o bric-a-brac? Coisas desse tempo, ileituras desinteressadas desse tempo, o hiato entre-homens de séculos, de então. E se até o Lobo Antunes assim pairava, como seriam, como seguiriam todos os outros?

Depois, enquanto vou passando as páginas e decido voltar atrás para sublinhar, percebo que o tempo não passa. Não andam hoje esses profissionais produtores de exótico às voltas, maravilhados, com as "medicinas tradicionais", não são eles os nativistas do "conhecimento autóctone" os distraídos consumidores deste bric-a-brac d'agora? Completamente. E com o (gigantesco) senão de não serem Lobo Antunes ...

publicado às 13:26

Aqui vai um excerto de uma entrevista de António Lobo Antunes à revista Visão (de há umas semanas atrás) onde, às tantas, se evoca a dita "guerra do Ultramar", em Angola, em que o ilustre Autor tomou parte.

V: Ainda sonha com a guerra?

ALA: (...) Apesar de tudo, penso que guardávamos uma parte sã que nos permitia continuar a funcionar. Os que não conseguiam são aqueles que, agora, aparecem nas consultas. Ao mesmo tempo havia coisas extraordinárias.

Quando o Benfica jogava, púnhamos os altifalantes virados para a mata e, assim, não havia ataques.

V: Parava a guerra?

ALA: Parava a guerra. Até o MPLA era do Benfica. Era uma sensação ainda mais estranha porque não faz sentido estarmos zangados com pessoas que são do mesmo clube que nós. O Benfica foi, de facto, o melhor protector da guerra.

E nada disto acontecia com os jogos do Porto e do Sporting, coisa que aborrecia o capitão e alguns alferes mais bem nascidos. Eu até percebo que se dispare contra um sócio do Porto, mas agora contra um do Benfica?

V: Não vou pôr isso na entrevista...

ALA: Pode pôr. Pode pôr. Faz algum sentido dar um tiro num sócio do Benfica?

publicado às 14:21

Os Cus de Judas

por jpt, em 05.02.05

[continuando a aborrecer os visitantes com a minha releitura, 20 anos depois, de "Os Cus de Judas", de Lobo Antunes. E mais aborrecendo pois não sendo eu das literaturas não tenho particular caroço para ecoar]

(António Lobo Antunes, Os Cus de Judas, Círculo de Leitores, 1984)Creio que será a capa mais estapafúrdia que brindou um livro deste autor. Registe-se, ainda que tanto tempo passado.Sempre achei estranho ser fraca a literatura portuguesa sobre a guerra colonial (de libertação, chama-se do outro lado). Mas neste regresso aclarou-se-me isso, Lobo Antunes matou-a num mero tomo, não só por lhe ter posto a fasquia alta mas também porque a descentrou, desviou-a dos postes triviais. Na prática, como é tradição em Portugal, não se dedicou à guerra, escreveu sobre naufrágios, o dele"Talvez que a guerra tenha ajudado a fazer de mim o que sou hoje e que intimamente recuso: um solteirão melancólico a quem se não telefona e cujo telefonema ninguém espera, tossindo de tempos a tempos para se imaginar acompanhado, e que a mulher-a-dias acabará por encontrar sentado na cadeira de baloiço em camisola interior, de boca aberta, roçando os dedos roxos no pêlo cor-de-novembro da alcatifa" (58)e não só. Este livro pode entrar como capítulo mais recente da História Trágico-Marítima.Nele outros livros brotaram, e vozes sábias dizem-nos ainda mais conseguidos. Mas aqui há umas entranhas que me (re)conquistaram.Para me libertar desta memória aqui deixo mais duas breves citações:"pertencemos a uma terra em que a vivacidade faz as vezes do talento e onde a destreza ocupa o lugar da capacidade criadora" (35)"a ideia de uma África portuguesa, de que os livros de História do liceu, as arengas dos políticos e o capelão de Mafra me falavam em imagens majestosas, não passava afinal de uma espécie de cenário de província a apodrecer na desmedida vastidão do espaço, projectos de Olivais Sul que o capim e os arbustos rapidamente devoravam, e um grande silêncio de desolação em torno, habitada pelas carrancas esfomeadas dos leprosos..." (125, e continua assim, é o capítulo "P")

publicado às 23:57

Lobo Antunes e Che Guevara

por jpt, em 04.02.05
Já agora, e como aqui escrevi (e fotomostrei) várias vezes sobre a moda Che Guevara, não resisto a este pequeno trecho de "Os Cus de Judas" de Lobo Antunes (Círculo de Leitores, 1984, p. 30), que há pouco descobri:

"Duas coisas, minha boa amiga, continuo a partilhar com a classe de que venho, desapontando o poster do Guevara, esse Carlos Gardel da Revolução, que pendurei sobre a cama a fim de que me proteja dos pesadelos burgueses, e que funciona um pouco para mim como uma espécie de jóia magnética Vitaphor da alma:..."

(O que seria uma jóia Vitaphor?)

publicado às 20:46


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