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Francisco Noa sobre Armando Artur

por jpt, em 07.10.07

Como as ligações aos textos nos jornais têm tendência a serem perecíveis aqui fica a transcrição do texto com o qual Francisco Noa apresentou o último livro de Armando Artur. 

 

Já agora: que a actual moda de lançamentos de livros procure a elegância, como este livro lançado na última quinta-feira, num dos hotéis mais significativos da nossa capital. Perante uma plateia de luxo que abarrotava a sala que acolhia gente importante do nosso universo cultural e político. Dando um grande valor ao acto que se realizava. não é defeito. Posso argumentar que dar valor ao acto de edição é ler o livro, mas também acho que o "povo bonito" se calhar compra e, até, pode patrocinar - ainda assim fico-me com a minha saudade das sessões com escassas chamussas e vinhos suspeitos (e com a memória do Navarro, praticante do tinto, ordinário que fosse), onde se podiam encontrar caras amigas menos do quotidiano.Agora que os livros sejam lançados e passados quinze dias ainda não se encontrem nas livrarias é que acho mesmo estranho - por exemplo, nem sei que editora publicou este "No Coração da Noite" - ou será que se edita só para o dia do lançamento?

 

Enfim, depois do resmungo, aqui fica o texto do Francisco Noa:

 

No Coração da Noite”, de Armando Artur

 

Ao prefaciar “Os Dias em Riste” de Armando Artur, em 2002, sublinhei, na altura, alguns aspectos que caracterizavam a forma do autor fazer e de estar na poesia: constância, intimismo, leveza, equilíbrio e simplicidade, mas sempre com um apurado sentido de profundidade.

 

 

Lendo, hoje, passados cinco anos, “No Coração da Noite”, seu último livro, entendo que se os aspectos atrás referidos continuam presentes – o que valoriza sobremaneira a sua obra, do ponto de vista de permanência e de uma fidelidade intrínseca –, outros elementos há que emergem e que representam uma curva evolutiva da sua escrita.

 

 

Em relação à obra que temos, neste momento, em mãos, começaria, em primeiro lugar, por me referir à composição obtida na articulação entre a palavra e a imagem, onde os poemas se casam com os desenhos da autoria de um poeta da imagem que dá pelo nome de Ídasse Tembe.

 

Aí, surpreendemos um diálogo cúmplice e interactivo que obriga o leitor a procurar e a encontrar múltiplos e desconcertantes sentidos entre os versos e os traços das figuras representadas, numa envolvente demonstração de que a poesia enquanto expressão da modernidade é uma experiência permanente sobre os materiais que lhe dão forma, isto é, sobre os seus próprios processos de construção.

 

O segundo elemento que vejo destacar-se, nesta obra, assenta no poder figurativo da metáfora. Alguns exemplos: “No Coração da Noite”, suor dos mangais (p. 12), perfume de cio (p. 13), oferenda divina (p. 34), grinalda de quimera (p. 41), janela da tarde (p. 52), etc. Metáfora transversal e estruturadora de toda a obra é certamente aquela que dá título à obra: “No Coração da Noite”. Esta acaba por cumprir múltiplas funções:

 

Celebração da vida e da poesia pois é aí onde tudo parece começar, terminar e recomeçar e que faz desse lugar-tempo uma dimensão privada, profana mas também sagrada onde se esconde e se revela o mistério da criação: “É no coração da noite/ Que tudo principia” (p. 12).

 

Lugar de dispersão, de exílio, de partidas, mas também de regressos: “No coração da noite/ Recomeça o exílio voluntário [...] Sobre os limites da vida/ E da morte, eis-me pois/ Nos carreiros do regresso” (p. 49)

 

Lugar de transições entre a vida e morte, entre a palavra e o silêncio, entre a esperança e o nada, entre a solidão e o mundo, entre o esquecimento e a memória: “No coração da noite/ Há uma lembrança em contracção./ E há lágrimas sobre a capulana rota./ O soluço e a solidão agonizam/ Sob o tecto falso” (p. 19).

 

O terceiro elemento relevante neste livro de Armando Artur tem a ver com a convocação de alguma memória literária, aquilo a que nos habituamos a chamar de intertextualidade. É uma memória que nos surge ora de forma explícita, com a nomeação de autores de referência, ora de forma implícita, através de insinuações de títulos, versos e palavras emblemáticos resgatados dessa mesma tradição literária. Trata-se, no essencial, de uma expressão celebrativa das leituras do poeta e que são, ao mesmo tempo, legado pessoal e colectivo.

 

Finalmente, não podia deixar de fazer referência àquele que considero o grande salto da poesia de Armando Artur e que se prende com o apuramento da escavação interior, representando singulares inquietações filosóficas e existenciais.

 

Para uma rápida percepção deste facto, basta rastrearmos, por um lado, a profusão da interrogação ao longo da obra, uma espécie de consciência da erosão das certezas e das verdades absolutas que caracteriza o nosso tempo: “Mas como folhear estas laudas/ Com as mãos exangue?” (p. 16); “Senão há certeza/ Do lado de lá, por que não nos cantos/ E recantos da nossa homilia?” (p. 25); “(Afinal, para se ser/ não basta apenas nunca ter sido?)” (p. 30).

 

Outro indicador das inquietações lavradas nos poemas encontra-se na proliferação de termos ou expressões como “alhures”, “regresso ao nada”, “engulho do nada”; “nada”; “sensação do nada”, “parte nenhuma”, “nenhures”, etc.

 

O “nada” é ao mesmo tempo vácuo, angústia, busca, mas é sobretudo espaço de passagem, brancura de papel e da imaginação onde, como fogo de artifício, detonam as palavras que confluem No Coração da Noite. Sem cair no nilismo ou na radicalidade negativa nitzscheana, o sujeito parece claramente perseguir sentidos que melhor o situam na poesia e na vida, especialmente aquela que se processa interiormente.

 

Esta é, pois, uma obra cujo gesto criador, celebrativo e questionador faz da poesia de Armando Artur uma experiência sempre renovada de fruição e de aprendizagem. Para ele e para nós.

publicado às 22:02

Prémio José Craveirinha 2004

por jpt, em 22.12.04
O Prémio José Craveirinha 2004, o mais prestigiado prémio literário aqui, atribuído pela Associação de Escritores Moçambicanos sob patrocínio da Hidroeléctrica de Cahora-Bassa (5000 USD), foi agora atribuído em paralelo aos poetas Eduardo White e Armando Artur.Este machambeiro teve hoje o prazer de beber uma (ou talvez um pouco mais) cerveja com os laureados. Este machambeiro tinha camisola vestida neste prémio, mas isso também não é muito importante. Meras opiniões.

publicado às 15:36

O Rosto, de Armando Artur

por jpt, em 28.11.04
O Rosto

O rosto e o tempo
Cruzam-se num espelho
Rachado. E dialogam.
É uma conversa de surdos.
O rosto e o tempo divergem
Na mesma vertigem do absurdo.
Ambos não se reconhecem.
(Ah, tão misterioso este rosto,
Tão plácido este tempo,
Tão cruel este espelho)


Armando Artur

(Imagem Passa Palavra, Porto, Identidades/Gesto/Faculdade Belas Artes)

publicado às 01:31

Para a Sophia de Mello Breyner

por jpt, em 13.07.04
Os búzios
iam e vinham
vinham e iam
como um pêndulo do tempo perdido
Que mistério lá havia, afinal?
(Será, realmente, o náufrago
cúmplice dum crime impossível?)
Talvez. Pois da redoma dos astros r
essoa a marcha fúnebre dos deuses
(Armando Artur, Estrangeiros de Nós Próprios, Associação de Escritores Moçambicanos, 1996)

publicado às 08:05


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