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Morreu Pancho Miranda Guedes

por jpt, em 07.11.15

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 ["Templo decadente", escultura em madeira, 1968]

 

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[Casa do Dragão, fotografia de Mike & Minette Bell]

 

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[Restaurante Zambi, fotografia de  Mike & Minette Bell]

 

Morreu hoje Pancho Miranda Guedes. Forma de homenagem ao até mítico "arquitecto de Lourenço Marques", do pigmalião de Malangatana? Ler este profundo texto de Alexandre Pomar. Acompanhando-o com este filme.

 

 

A Procura De Pancho from ArchitectureZA on Vimeo.

 

E depois?

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Quem estiver em Maputo trata-se de retirar da estante este guia "112 Edifícios de Pancho Guedes em Maputo. Lista e Localização", um roteiro então produzido e oferecido pelo consulado-geral de Portugal, aquando da sua condução pela mais do que estimável diplomata Graça Gonçalves Pereira - que, na prática, foi também sua pesquisadora e autora -, que contém mapa e identificação nominal, com respectivo endereço, da obra do arquitecto nesta cidade.

 

Entretanto? Ao longo dos anos coloquei no blog alguns postais sobre o arquitecto. Nele incluí várias ligações a sítios a ele dedicados - infelizmente na sua esmagadora maioria estão descontinuados. Espero que rapidamente sejam substituídos por arquivos digitais de livre acesso - será a maior homenagem ao grande arquitecto. E não seria mal pensado que o Conselho Municipal de Maputo congregasse as faculdades de arquitectura do país e organizasse uma bela homenagem, forma de pensar inspiradamente uma arquitectura em Moçambique.

 

E transcrevo um postal que coloqui há cinco anos, por ocasião de uma visita do arquitecto a Moçambique, citando um excerto da entrevista que concedeu ao importante investigador Uli Beier:

 

 

 [Pancho Guedes. Vitruvius Mozambicanus, Museu Colecção Berardo, 2009]

 

"Ulli Beier: Quantos edifícios construíu em Lourenço MarquesPancho Guedes: Não sei, ainda estou a organizar o meu arquivo. Parece que há trezentos ou quatrocentos edifícios em Moçambique. (...) mas ao todo desenhei mais de seiscentos, talvez setecentos edifícios." (23-24) Olhá-lo não deverá ser num sentido museológico, conservacionista que seja, e ele próprio sabe-o: "A maior parte das minhas obras está agora morta ou ferida, vítima de acidentes e revoluções." (31). Pelo contrário olhar a sua obra é, para arquitectos porventura mas com toda a certeza para cidadãos, uma aprendizagem das exigências, do que é a exigência de quem vive, agora que, e não só em Maputo, "Em toda a parte as cidades estão a perder as suas personalidades e começam a parecer-se umas com as outras, quase como os aeroportos. Não é através de regras, dogmas, ditames, piruetas ou assassinatos que a cidade será devolvida aos seus cidadãos. Só através do poder da imaginação a cidade se tornará maravilhosa." (75) Uma imaginação que terá que ser um questionamento: o do grão-edifício padronizado - cuja inevitabilidade/obrigatoriedade a sociedade urbana moçambicana parece aceitar sem angústia e, até, com orgulho, altaneira e com indiferença diante de "edifícios propositadamente estranhos, que têm a qualidade das aparições. Há algo de extraordinários neles, são desiquilibrados ..." (20); o da planeamento "racionalista" - "Quando voltei a Lourenço Marques em 1950 (...) a câmara tinha imposto um plano à cidade propriamente dita, através do qual, à autoritária maneira pombalina tentava determinar a título definitivo o que poderia vir a ser construído em cada local. Felizmente, Fernando Mesquita, um conselheiro municipal iluminado, desenvolveu algumas alternativas dissidentes das quais beneficiei..." (75); e o da arrogância sociológica - "... os urbanistas seguintes ... foram, na sua maioria, indiferentes ao que se passava no caniço." (75).

 

Ler (e ver) Miranda Guedes é aprender também a como a tal "cidade maravilhosa" imaginada na prática se faz não na manutenção de uma qualquer "identidade" pré-determinada, em purismos sempre legitimados pelo sufixo "idade". Sabê-la como produzida, imaginada na mistura, arrojada mas nunca auto-complacente, de referências. A tal imaginação, o tal arrojo, não como um acantonamento, sim como uma viagem: "Ulli Beier: E quando começou a fazer o tipo de edifícios a que chama Stiloguedes? Pancho Guedes: Logo no início. (...) Ulli Beier: Quando desenha edifícios que têm esses elementos estranhos, como chega até eles? (...) A imagem surge primeiro, então? Pancho Guedes: A imagem - não sei de onde vem. Neste caso em particular, chamei-lhes dedos, picos. Será uma reinterpretação de um edifício que sempre teve importância para mim? É uma casa em Lisboa, a Casa dos Bicos, que picos piramidais em toda a fachada e arcos góticos. Quase toda a superfície da parede tem estas pirâmidade salientes, em ângulos rectos. Lembro-me desta casa de quando era pequeno, e vou vê-la sempre que volto a Portugal." (20-21-22). Enfim, conjugar para além do óbvio. Do grande. E do "cimento". E é nisso que radica a "ident - idade".

 

Deixo as imagens. Para um "quem diria?!" que venha a ser "dizer que".

 

["A Ribeira Velha antes de 1755", a Casa dos Bicos é o segundo edifício desde a esquerda, com a forma aproximada da actual]

 

["Fachada da rua dos Bacalhoeiros, primeira metade do séc. XX"]

 

 

 

 

publicado às 18:33

Bye bye Xenon

por jpt, em 31.03.14

 

 

Era o melhor cinema da cidade, e também uma boa sala de espectáculos. Conheci apenas a parte final do seu historial quando a Lusomundo a reactivou em 1997. Ficar-me-á na memória, fundamentalmente, como o cinema das sessões matinais de domingo, o início cinéfilo da minha filha - ok, repetindo incessantemente os filmes, denotando já há vários anos o desinteresse da sua gestão. Tanto que há já muito que ia eu dizendo que só esperavam para ali construir. Longe vão aqueles tempos das "vacas gordas", esses em que a Lusomundo ia "innuendando" que se preparava para aqui abrir um diário, uma estação de TV e que o objectivo era constituir uma plataforma para entrar na África do Sul.

 

Ficam-me outras memórias, mais minhas: o espectáculo que organizei para comemorar o início da Expo-98, grupos moçambicanos entre os quais os fantásticos TPM, num dia que coincidiu com a queda de Suharto. E Alkatiri estava na sala, comovi-me.  O único cinema que ia frequentando (e como falta cinema em Maputo), ainda que numa selecção muito mainstream. Ir ver o filme e voltar no dia seguinte à tarde, a pedir para assistir só aos primeiros quinze minutos: sim, "o soldado Ryan" de Spielberg, uma sucessão de lugares-comuns mas que realismo espantoso, que "guerra" mostrada naquele início. Em versão mais suave a minha surpresa ao deparar-me com uma actriz desconhecida num filme do Zorro, a minha mulher "calma, Zé" diante do meu desassossego com uma tal de Zeta-Jones.

 

Lembro também os belos espectáculos de Mário Laginha e Maria João, um deles também oferecido aos congressistas de um evento de ciências sociais, em que os portugueses deslocados nem ligavam às múltiplas ofertas, só se queixavam que não lhes tinha dado de comer (voltaram para Lisboa a queixar-se de não terem sido bem recebidos - o Estado-Providência é isto: os analistas sociais querem apenas a barriga cheia, os outros sentidos, entre os quais a razão, são-lhes indiferentes). 

 

E lembro um concerto de Artur Pizarro, o pianista indignado com o piano disponível. E com o camera da TVM, postado em cima do palco a falar alto, coisas de quem nunca filmara um momento de música clássica. Dia difícil, para mim. Desesperante, até.

 

Lembro também as "estreias" de filmes, momentos até paródicos, entre o mimetismo de Hollywood, gente de vestido longo e smokings e outros (também eu) de ganga e caqui, a mostrar um "Maputo" oscilante entre uma identidade cultural própria e a vontade de querer ser como se julga ser "lá fora". Do Ali de Will Smith às produções portuguesas aqui - num catastrófico filme português a querer retratar a guerra em Moçambique passei o intervalo feito recepção à conversa com um general da guerrilha, que me ia dizendo, até contristado, e sem cinefilices, "a guerra não é assim!". 

 

E assim, paralelamente, também momento para pensar o que terá acontecido, depois de várias gigantescas produções cinematográficas americanas (Ali, Blood Diamonds, e outros) o que se terá passado para que tal actividade tenha ido para outros lugares?

 

Enfim, lembro esses "velhos tempos" dos finais de XX, quando trabalhava mesmo ali ao lado. Sobre isso, sobre o Xenon e o Gil Vicente, escrevi um dia este texto: "ha ngonhama ya mbangu lowo". E depois meti uma adenda fotográfica.

 

Bye, bye Xenon. O mundo não trava, Maputo muda. Mas assim apenas fica o cinema de centro comercial. Cá, como em quase todo o lado. Tudo o que é mau se pode copiar, claro.

publicado às 09:02

Maputopatia, Maputose ou Maputite?

por jpt, em 31.03.14

 

 

É a questão que se coloca. Aqui deixo ilustração de vitrite, vigorosa inflamação disseminada. Tumor detectado na Baixa da cidade.

publicado às 08:29

O neo-Maputo

por jpt, em 19.12.13

 

 

Este muro será, com toda a certeza, uma "obra" arquitectónica. Eu é que não a percebo ...

publicado às 17:11

Maputo actual

por jpt, em 16.10.13

 

Qualidade Quantidade, um texto do arquitecto João Athayde Melo, sobre o Maputo actual e a vaga de alterações infraestruturais, publicado no Jornal Arquite[c]tos. Leitura mais do que recomendável.

publicado às 08:14

Maputo-estaleiro

por jpt, em 13.07.13

Maputo está um estaleiro. Por todo o lado se vêm surgir novas construções, e muita conversa sobre o que aí vem. Não haverá muito a fazer, o "imobiliarismo" será a ideologia mais poderosa da actualidade e joga, como qualquer ideologia empreendedora de "futuros", com as evidências do senso comum: a cidade precisava de construção e de infraestruturas. O problema do senso comum é sempre o mesmo, independentemente de onde habita, o da sua difícil coexistência com o bom senso.

 

Acabo de receber um e-mail, desses tipos corrente, que anuncia alguns projectos (alguns até já com alguns anos) para a cidade. E que não refere tantos outros que vão sendo discutidos - desde a transformação do bairro militar até à "falicização" da marginal/Costa do Sol. Quanto ao que aqui está não tenho qualquer confirmação sobre a veracidade do seu conteúdo mas julgo que estará muito aparentado com a "imaginação social" actual. 

 

Por isso aqui partilho esta .... escatologia. Lembrando o que há dias me disse um amigo, "vai deixar de haver céu". Coisa, logo pensei, que é o objectivo de todos os demónios, como bem sabemos.

 

MAPUTO VAI ARRANHAR OS CÉUS

 


Mesmo na Baixa de Maputo surge o Maputo Bay Waterfront, que é considerado um dos maiores projetos imobiliários em desenvolvimento. Os novos projetos imobiliários começaram a mudar a configuração de Maputo que se assume como a localização preferencial dos investidores, combinando a habitação com retalho e serviços.

Está para breve a construção de torres e edifícios multiusos e a certeza é que vai haver de tudo: apartamentos, escritórios, hotéis e centros comerciais, no centro e na periferia.


Mesmo na Baixa de Maputo surge o Maputo Bay Waterfront, que é considerado um dos maiores projetos imobiliários em desenvolvimento.


E, de facto, é um dos maiores em termos de área de intervenção e de investimento, atingindo o valor de 1162 milhões de dólares.

O projeto, vocacionado para uso misto, combina as valências da habitação, comércio, serviços e lazer, estendendo-se por uma área de 83.000 m2. A sua localização coincide com o espaço onde outrora era realizada a FACIM, Feira Internacional de Maputo. (…)

Não muito distante do local, prevê-se a construção das Torres Maxaquene,

 

 

uma infraestrutura a cargo da Oriental K Real Estate, que pretende ser um marco arquitetónico na Baixa de Maputo com os seus 82.300 m2 destinados a habitação, comércio e serviços.

Da responsabilidade da mesma companhia, surge também o Edifício Pott,


um projeto que resulta da reconversão de um palácio do século XIX, em avançado estado de degradação mas com uma traça valiosa do ponto de vista arquitetónico, num conjunto de edifícios modernos. A construção irá localizar-se entre a Av. 25 de Setembro e a Av. Samora Machel, a via que dá acesso ao Conselho Municipal de Maputo. Ao todo, o complexo vai ocupar 23.883 m2, distribuídos por escritórios, habitação, comércio e ainda por um hotel.

Ao mesmo tempo, a Green Point Investment, de capitais maioritariamente israelitas, vai aplicar 110 milhões de dólares no desenvolvimento do Maputo Business Tower.


O edifício terá 47 andares e será o maior do país. Promete apresentar 32 pisos para escritórios, cinco para estacionamento e os restantes para centros comerciais e um heliporto.

publicado às 00:23

(D)urbanismo

por jpt, em 14.11.12

O meu texto na coluna "Ao Balcão da Cantina", da edição de hoje do "Canal de Moçambique"

 

 

(D)urbanismo

 

Neste 125º aniversário da elevação Maputo a cidade, uma bela idade, não fui a nenhuma festa nem concerto comemorativo. Um demorado fim-de-semana gasto em repastos vários, outros aniversários, de amigas várias. Provocando excessos, ainda que parcos. E neste ambiente de efeméride, todos eles conduzindo a que as digestões, longas, trabalhosas, fossem passadas a folhear alguns livros dedicados, exclusiva ou parcelarmente, à cidade. Esta que me acolheu, que me encantou. Há já quinze desses cento e vinte e cinco anos.

 

Certo que o encanto de uma cidade, esse que nos faz habitá-la, para ela (i)migrar, brota primordialmente das pessoas que lá estão, que a fazem viver. Aquelas que conhecemos, com quem interagimos, até amigamos. A essas o pudor impede a que se afixe o nome, se nem em privado muito menos em público. E aquelas que nem conhecemos, com quem “apenas” (um desapenas, melhor dizendo) partilhamos o espaço. Sobre essas, e já que falo de livros, sempre lembro o belíssimo livro “Desenrascar a Vida”, uma colectânea de fotos coordenada por Nelson Saúte, um épico sobre a gente de Maputo, lamentavelmente esgotado, a exigir ser ressuscitado. Quem sabe se numa próxima Páscoa …

 

Por isto que vou avançando, este agrado difuso com o universo circundante, muito me agradou e me foi significante assistir ao lançamento de “Nghamula. O homem do tchova (ou o eclipse de um cidadão)”, ocorrido na passada quinta-feira, acho que muito a propósito da etapa do calendário. O último livro de Aldino Muianga, aquele que sempre digo o escritor de Maputo, pelo menos o meu escritor de Maputo. Não que com isso o queira reduzir a localismos, mas tem sido nos seus livros que tenho, sempre com agrado, encontrado a cidade que me rodeia, que desconhecia, que vou desconhecendo, ainda que agora já um pouco menos. Na sua escrita serena, sem exotismos, Muianga é sempre imprescindível, criando vozes a personagens que não são típicas, coisa pobre, mas que são representativas. Coisa rica.

 

Parte da minha comemoração foi, então, encetar este novo “Nghamula. O homem do tchova …”. Livro a distribuir também, pelos tais amigos impublicados. Quem sabe se num próximo Natal.

 

Mas o encanto da cidade, esse que se pega, não vem só da gente. São os passos que damos, a paisagem que respiramos. Sim a baía, claro. Mas também este Maputo, que foi Lourenço Marques (e antes outros nomes) e também Xilunguíne. O Maputo construído, obra de urbanistas e de arquitectos, imaginado. Das casas e prédios, das ruas que deles são moradia.

 

Por isso regressei agora, com a acima referida modorra, até enfartada, à estante onde vive a memória de Maputo. Livros que lhe são dedicados, uma mão-cheia, e nisso até reencontrando material, imagens e saberes que vão, como é natural, transitando de obra para obra. Livros dedicados à cidade, como o pequeno e aprazível “Maputo. Roteiro Histórico Iconográfico da Cidade”, que A. Sopa e B. Rungo fizeram há meia dúzia de anos, contando a história da cidade, e que o então Centro de Estudos Brasileiro publicou. Estará ainda acessível nas livrarias? Um outro livro sei eu que não está, o interessante “Maputo. Desenho e Arquitectura” do arquitecto italiano Luigi Corvala, publicado há alguns anos pela Faculdade de Arquitectura. Também aqui relatando a história urbana e arquitectónica da cidade, com profusão das sempre desejadas imagens. Lamentavelmente o livro acabou por ser retirado do mercado, por necessidades autorais, uma qualquer mácula que o tempo vai apagando. Mas, felizmente, resguardei o meu exemplar, e posso de quando em vez desfrutá-lo.

 

Lembrei-me ainda de livros lindos, ainda que não totalmente dedicados à história da cidade. Um, que é um pequeno catálogo de uma exposição em cartazes, que fez uma itinerância em Moçambique, e de cuja realização ainda lembro a génese. Trata-se de uma obra da historiadora portuguesa Isabel Castro Henriques, “Espaços e Cidades em Moçambique”, apresentando imagens e algum historial dos últimos séculos das principais cidades moçambicanas. Recordo-me do prazer sentido quando há alguns anos entrei pela Escola Portuguesa em Maputo e notei que uma ala está decorada com esta bonita exposição. Talvez seja de a remostrar, alguma instituição que a possua, pois julgo que ela foi amplamente distribuída.

 

Fiquei ainda longamente debruçado sobre duas obras preciosas, agora puras e duras de arquitectura, e sua história. Da investigadora portuguesa Ana Magalhães (com imagens de Inês Gonçalves) o trabalho “Moderno Tropical. Arquitectura em Angola e Moçambique, 1948-1975”, debruçado fundamentalmente sobre o trabalho de oito arquitectos portugueses que se tornaram referência durante o período final da sociedade colonial, abrangendo várias cidades angolanas e moçambicanas. É uma delícia, e não é preciso ser arquitecto para nos encantarmos com ele. E, finalmente, o fabuloso livro-catálogo de Pancho Miranda Guedes “Vitruvius Mozambicanus”, resultante da enorme exposição que lhe foi dedicada há alguns anos em Lisboa, correspondendo à explosão de interesse e reconhecimento que o arquitecto-artista vem colhendo, em Portugal e não só. Pancho Guedes, o grande arquitecto de Lourenço Marques / Maputo, esse que tem sido alvo de algum interesse aqui, e sobre cuja obra há passeios pedestres organizados (por Jane Flood), não sei se suficientemente conhecidos. Pancho Guedes, personagem genial, uma obra fragmentada em detalhes fantásticos, em propostas fascinantes.

 

Não estou a esgotar a bibliografia existente sobre Maputo, claro, nem mesmo a que habita cá em casa. Apenas partilho as formas livrescas como me dediquei às difíceis digestões das tais festividades coincidentes com a efeméride municipal.

 

No domingo, alquebrado, engordado, cruzei a cidade para ir almoçar a um restaurante estabelecido exactamente num edifício desenhado por Pancho Guedes. No caminho fui cruzando a marginal e a baixa, olhando, sob o calor soalheiro que tanto tem demorado este ano, os edifícios mais recentes, decerto que por influência destas leituras-viagens. Todas aquelas habitações familiares, grandes ou gigantescas, caixotes tétricos encaixados uns nos outros, todos aqueles enormes tubos de escritórios, falos de vidro em erecção eterna.

 

Dirão que torço o nariz por questões do meu gosto pessoal. Decerto. Mas estou crente, e bem crente, que isto que vai acontecendo agora na arquitectura da cidade é muito pouco saudável. No fundo será como a diferença entre comemorar o aniversário da cidade comendo uma boa galinha à zambeziana ou indo engolir um frango frito ao Kentucky Fried Chicken, infecto.

 

É o (d)urbanismo de hoje. Muito, mas mesmo muito, fraquinho.

 

Nota: a fotografia que aqui ilustra o texto foi "roubada" ao blog Digital no Índico.

 

jpt

publicado às 21:58

 

É minha ideia, talvez algo "poluída" pela amizade, que o arquitecto Mário do Rosário é o mais sábio dos meus conhecimentos em Moçambique. Profundo conhecedor do país, que calcorreia há décadas, abrangendo-o com um olhar de arquitecto atento às dimensões sociais que é muito raro numa profissão internacionalmente encantada com a réplica das urbes, endo-centrada e onde a religião actual é o culto do menir (falo) de vidro. Mário do Rosário é também o coordenador do curso de Arquitectura no ISCTEM, o segundo curso do país nessa disciplina, o que me permite ter esperança que nos próximos anos despertarão em Moçambique alguns (nunca serão mais que alguns ...) arquitectos menos como eles costumam ser.

 

Amanhã o Mário do Rosário falará no Porto, na Faculdade de Letras. Aconselho quem lhe esteja próximo a que interrompa a respectiva agenda e vá ouvir este humanista.

 

Aqui fica uma breve sinopse. Que é, acima de tudo, uma complexa agenda de reflexão:

 

Repensar Arquitectura em Moçambique e na região: desafios e oportunidades na necesssidade de sobrevivência e de crescimento humano, económico e sociocultural; procurar os contornos de uma identidade cultural, feita de cruzamento de culturas facilitadas pelo Índico, tendo em conta os intercâmbios culturais, o colonialismo, o imperialismo moderno. 

 

Reflectir sobre o periodo pós-guerras, sob uma Paz regional e de empobrecimento crescente, tendo em conta as assimetrias de eixos de exploração de recursos naturais espartilhando o território em áreas isoladas longe dos benefícios do dito desenvolvimento – a nova ordem urbana regional, num contexto de vivência da Natureza, ao sabor das suas mudanças, e sem perspectiva de industrialização. 

 

Neste contexto que relação homem x materiais naturais x espaços construídos na Natureza? Que estrutura urbana? Gerida pela Cidadania ou pelos eixos de exploração do Capital? Que visão para o futuro espaço africano? Afirmação moderna da sua própria Cultura ou submissão aos cânones despersonalizantes do mundo ocidental?

 

jpt 

publicado às 18:29

À Procura de Pancho

por jpt, em 31.08.12

A Procura De Pancho from ArchitectureZA on Vimeo.

Um belo filme dedicado às obras do arquitecto Pancho Miranda Guedes, icónico construtor de Maputo (então Lourenço Marques), e não só.

jpt

publicado às 17:17

Cabrita & Forjaz

por jpt, em 05.06.12

 

(o texto para a edição desta semana do "Canal de Moçambique") 

 

Cabrita & Forjaz

 

Nestes últimos anos a Escola Portuguesa de Moçambique tem tido uma heterogénea e interessante actividade editorial, a qual não tem tido a atenção devida, porventura devido às modalidades não comerciais da sua distribuição. Três linhas se salientam: livros infantis, bem conseguidos, no qual saliento um texto de Mia Couto, ilustrado por Malangatana, que tem passado ao lado de um necessária crítica; a colecção “Acácia”, de irregular periodicidade, uma série de pequenas caixas-livros organizada por António Cabrita que junta textos nacionais, incluindo alguns inéditos, com literatura estrangeira, entre inéditos e clássicos, o que é único no país. E, agora, entrevistas com vultos culturais moçambicanos, também elas realizadas por António Cabrita.

O primeiro desses livro-entrevista, “Kok Nam, o homem por detrás da câmara”, data de 2010 e veio combater o silêncio sobre a obra do fotógrafo. E foi, para muito daqueles que o desconhecem, uma muito agradável surpresa. Pois Kok Nam, homem da imagem e não da escrita, e também de poucos (ou nenhuns) discursos, ali surge com uma profundidade analítica, do seu percurso, do seu ofício e do seu país, que quem o conhece reconhece. Mas que era urgente registar em documento, tornando-a acessível a todos.

Agora saíu o segundo volume desta iniciativa, “José Forjaz. A paixão do tangível, uma poética do espaço”. Neste caso a dimensão é diversa, pois sobre o arquitecto há já publicações e ele próprio é homem (também) da escrita. O que em nada retira interesse à obra, uma acessível forma para aceder ao pensamento e ao percurso do (re)conhecido arquitecto.

Não exagero, nem apouco os seus colegas, ao lembrar que no país José Forjaz é o arquitecto, de tal modo que a profissão quase surge como dele sinónimo, tamanha a ref(v)erência que se lhe atribui. Tal dever-se-á à importância da sua obra, internacionalmente reconhecida, ao seu papel fundacional na escola de arquitectura do país e ainda ao facto dele corporizar alguma continuidade, no sentido de transição e não de mera filiação, com a arquitectura pré-nacional. À importância da sua personalidade somar-se-á ainda o fascínio que a personagem José Forjaz produz naqueles que o contactam. Homem sedutor, não no sentido melífluo mas sim como encantatório, pela sua densidade intelectual.

Refiro este último ponto não para me atolar num tom intimista mas para salientar uma das dimensões interessantes do livro. Pois o velho Cabrita, ele próprio homem de muitas andanças (e entrevistas), surge ali como encantado. O que se traduziu numa sumarenta conversa, temática sem a ânsia da completude ou (pior) da cronologia. Gerando um texto que poderá servir para que os mais-jovens jornalistas nele possam compreender as artes da entrevista. Que implicam, claro, alguma cultura geral e alguma preparação específica. E, acima de tudo, interesse no outro. Coisas que parecerão óbvias mas que, infelizmente, não o são.

Isto é um “apelo à leitura”, não uma resenha do livro. Uma tão longa carreira não é resumível numa entrevista, e o texto não o intenta. Nele abordam-se algumas questões centrais, a sua concepção de arquitectura, das relações desta com a arte, o planeamento urbanístico no Moçambique colonial e nacional nas suas relações com a sociedade, e, claro, ainda que de modo muito resumido, as linhas condutoras da obra do entrevistado.

Mas mesmo sem resenha refiro uma linha de conversa que gostaria que tivesse sido desenvolvida. Forjaz, sabiamente, rodeia o epíteto “Arquitectura Tropical” desmontando-lhe uma hipotética unicidade. Apenas aflorada, esta questão, a da “arquitectura entre-trópicos” nas suas plurais condicionantes ecológicas e na sua miríade sociocultural, despertou-me a curiosidade. Exigindo, porventura, um tomo 2 à obra …

E ainda dois pontos centrais. A proposta de uma arquitectura despojada, “desadornada” que se associa à postura filosófica que anuncia, a da vida como desaprendizagem, como de avanço libertário até uma “inocência na atitude criativa”, como se um caminho até uma intuição poética. Sendo certo que consciente das algemas dos “padrões” de compreensão e acção que o constituem, Forjaz persegue a libertação do poluente que lhe amputa o ser. É óbvia a antítese face à ideia materialista e cumulativa dominante, a da adição de saberes e bens (e adornos arquitectónicos). Como se um manifesto, individual, por um ascetismo ético, intelectual.

É por esse eixo que encontro o ponto nevrálgico desta conversa na referência aos seus projectos de templos cristãos (p.55), projectando e reproduzindo uma particular ideia da vida religiosa, da ascese. Imediatamente confrontada (e também por Cabrita) com a vida lúdica, as discotecas (locais de “caça”, dizem). De súbito temos, e numa apenas entrevista, muito mais do que isso. Enfrentamos uma visão antropológica do homem, a velha dicotomia corpo e alma, ascese e pecado, bem e mal. Tudo o que uma particular tradição tem transportado, tentado edificar (querendo extirpar os êxtases “xamânicos” ou as comunhões colectivas, por exemplo). Esse projecto de uma modernidade, querendo modelar uma forma justa, “ética”, de transcendente. De homem. De mundo.

Num país como Moçambique, onde a grande revolução que vem decorrendo é a religiosa, este livro surge assim como crucial. Sobre Forjaz. Mas também sobre a modernidade. Uma bela conversa entre dois belos interlocutores. Modernistas. Remoendo, quiçá até cansados, estas afinal tão múltiplas modernidades. Um documento. A ler.

jpt

publicado às 22:41

Maputo, alvorada de XXI

por jpt, em 30.10.11

[Bairro Sommerschield]

 

Pequeno edifício epítome. Numa cidade onde a terceirização do núcleo central urbano é a desbragada "vidrização". Apenas porque se julga bem, que é assim ... E nisso têm responsabilidade, uma radical responsabilidade, os arquitectos locais. O seu a seu dono. Neste caso os donos do mau-gosto (e da ineficiência ecológica, já agora).

 

jpt

publicado às 15:31

Lusofonia arquitectónica

por jpt, em 13.09.11

Há algum tempo aqui coloquei o novo miradouro da baixa de Maputo, utilizando uma fotografia que uma amiga (real) colocara no seu mural de facebook, com isso despertando um debate sobre as "valências" de tal abordagem arquitectónica. Considerei-a então uma original forma de afirmar um miradouro, mas também não sem a sentir como típica de algumas características de alguma arquitectura actual na cidade. E aqui recoloco a fotografia

 

[Fotografia Carla Ribeiro, Cruzamento Av Zedequias Manganhela com Av Alberto Luthuli]

 

A quase inocente colocação desta fotografia teve ainda um corolário. Passados alguns dias no mural-fb da AL alguns dos mais radicais dos "espoliados do Ultramar", enquanto se lançavam em loas à bondade do colonialismo português e ao esforço aperfeiçoador das gentes humanas por via da assimilação e do indigenato ("ele" ainda há alguma gente assim, pouca mas frenética na internet), exemplificavam a perfídia das independências africanas com este edifício, ali dito "arquitectura de monhé", simbolizando a incúria e a maldade que subjugaram os pobres povos ultramarinos quando privados das benesses da santa tutela. [Isto enquanto invectivavam de "filhodap..." este jpt, pois aespoliado e como tal ilegítimo habitante do Padroado].

 

E com essa memória ainda recente não deixei de a associar quando uma amiga (virtual) me enviou via facebook a seguinte fotografia, simpatia que muito lhe agradeço. Infelizmente não conhecemos o seu autor e por isso não está nem identificada nem devidamente agradecida. Está tomada de empréstimo, por assim dizer. E isso impõe-se pois, neste contexto, é um verdadeiro exemplo de arquitectura lusófona ... Como sempre a conclusão, e aqui de âmbito muito amplo, "não há nada de novo sob este céu ...".

 

 

jpt

publicado às 10:38

O Expresso e o Banco Único

por jpt, em 04.09.11

Vejo no Expresso uma grande reportagem sobre o Banco Único, o novo banco em Moçambique, um filme e bastas fotografias das instalações a serem culminadas. Nela vejo várias caras conhecidas (duvido que leiam blogs, e este em particular, mas aproveito para deixar votos de sucesso). Vejo também que a sua sede será o prédio reconstruído na Nyerere (fronteiro ao Hotel Avenida) que me agredira o outro dia, agora que destapado: entre palavrões chamei-lhe "império da marquise". Mas tenho retirar o epíteto, para não parecer que desgosto da iniciativa bancária (ainda para mais portuguesa) e, fundamentalmente, porque o arquitecto é muito afamado. É, portanto, muito bonito o estado em que ficou o prédio ... e não, aquilo não parece uma colecção de marquises.

Surpreende-me que um novo banco, ainda que de capital português, tenha tamanha importância que justifique tamanha cobertura no Expresso. Mais do que o interesse jornalístico presumo que tanta atenção se deva a um bom trabalho do sector de comercialização do banco (o marquetingue), que assim fica de parabéns. O que não percebo é o Expresso. Faz o número e depois titula, com uma raivazinha óbvia, "o novo banco é para ricos". O fel está lá, e escorre, botado pela jornalista Catarina Nunes. A destapar o preconceito de lisboeta visitante. Então uma conta abre-se com 700 euros? São ricos, pois claro - então ela vem a África para encontrar africanos que não estejam esfaimados? Não está tudo ao abrigo do ACNUR? Inaceitável. O preconceitozinho (que se julga progressista mas não é mais que racismo básico, aos pretinhos a pobreza que lhes assiste) explodiu-lhe, e tão recorrente é nos da corporação quando em "vôos de pássaros". Mas mais estranho ainda, presta-se ao número de marquetingue e depois vinga-se (vingançazinha) no suave resmungo? Pobre número. No pobre título.

jpt

publicado às 02:29

 

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[Miguel Valle de Figueiredo, Demolição do Cinema Monumental, Lisboa (c. 1984)]

 

 

Ao andar pelo Maputo muito me lembro desta fotografia que o MVF partilhou há alguns meses no seu (belo) mural do facebook. Trata(va)-se do cinema Monumental, na Praça do Saldanha em Lisboa.

 

 

 

Ali habitava o mítico cinema, grande sala com grande ecrã (que ainda se escrevia ecran) onde se viam grandes filmes esplenderosos,  e lembro-me de ainda serem antecedidos de documentários de informação, em tempos noticiosos e, depois, de bastos anúncios cinéfilos, e acompanhados de programas (sim, um desdobrável em papel ...). Uma plateia gigante (cuja planta deixo aqui), mais os balcões, onde ainda havia placas a anunciar às senhoras para tirarem os chapéus durante as projecções para não prejudicarem a visão os outros espectadores. E, em regime de coabitação, o Estúdio, sala satélite que não em arremedo de multiplex.

 

Algumas mudanças de época anunciaram o fim do cinema. A "crise" (coisa muito regular, pelos vistos) dos anos 80s. Mas também a novidade vídeo. O povo abandonara, e de vez, o costume de sair à rua para ver filmes. As grandes salas e os grande ecrãs tinham perdido a função. E a capacidade para gerar lucros.

 

Em assim sendo foi demolido o Monumental e naquele gomo da praça do Saldanha foi erguido um paralelepípedo de vidro. Em assim sendo no gomo fronteiro da praça construiu-se um tijolo de vidro semelhante, que levou nome no dialecto alfacinha, "Saldanha Residence" e que se tornou o horizonte de quem anda naquela central avenida lisboeta. Vai daí e os outros edifícios sitos nos outros gomos da praça foram sendo entaipados e passaram assim anos até que houvesse vidro suficiente para fazer outros blocos e chamar-lhes "Residences" ou coisas assim. A Praça do Saldanha ficou uma boa merda, digam o que disserem (dirão?) premiados arquitectos e concomitantes críticos, uma coisa que está ali como podia estar noutro lado qualquer. Ou seja, o Saldanha não existe.

 

Muito me lembro do Monumental. E não só por lá ter visto o "E Tudo o Vento Levou" e coisas assim, em particular "A Queda do Império Romano" onde descobri, através de uma Sofia Loren no seu auge, que havia um isso ("it") das mulheres. Lembro-me acima de tudo porque na discussão de então muito se referia que o edifício não tinha valor arquitectónico particular, não era em si próprio um item patrimonial. E em assim sendo se defendia o "bota abaixo". E foi.

 

É disso que me lembro, e cada vez mais, desta minha memória e daquela argumentação arquitectónico-patrimonial,  quando ando por aí neste Maputo entaipado. E de falos de vidro.

 

jpt

publicado às 00:19

[Fotografia Carla Ribeiro, Cruzamento Av Zedequias Manganhela com Av Alberto Luthuli]

 

A minha amiga CR, leitora (e laicadora) residente do ma-schamba, acaba de colocar no facebook uma fotografia (e emprestou-ma) mostrando este interessante novo projecto arquitectónico em Maputo, um miradouro (viemos a descobrir) sobre a zona baixa da cidade. O qual decerto que em breve passará a integrar os roteiros turísticos da cidade - que nem só de Pancho Guedes é feita a urbe.

 

jpt

publicado às 20:10


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