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Os italianos em Moçambique

por jpt, em 22.12.10

[Augusto MassariOs Italianos em Moçambique na Época Portuguesa (1830-1975), Maputo, Imprensa Universitária, 2005]

Livro dedicado à presença dos italianos em Moçambique, escrito por um diplomata italiano durante a sua missão no país. Interessante, informativo, ainda que a profissão se tenha imposto ao olhar. Pois filiado à actividade missionária católica e também ao nacionalismo (de retórica até serôdia): “[os missionários italianos] para além do seu trabalho de evangelização … permitiram às populações moçambicanas habitando as zonas mais arredadas e desconhecidas pelo homem europeu conhecer e apreciar a humanidade, a laboriosidade [sic], a inteligência e a alegria do povo italiano” (226) e “pondo em prática os grandes ideais de solidariedade e de amizade, típicos do povo italiano, perante as populações mais necessitadas” (131). Já não é tempo para estas formulações! Um nacionalismo católico que lhe prejudica a compreensão da história moçambicana, como neste eco anti-pombalino da historiografia portuguesa católica: “durante o período da ditadura do Marquês de Pombal, foi o seu ódio patológico contra a Companhia de Jesus” - “Ódio patológico”, porquê? - que o autor até entende como prejudicial para o “controle português da África Oriental” pois que devido a isso esse controlo se teria então restringido a “poucos senhores dos prazos, que no vale do Zambeze, conseguiram manter uma certa influência portuguesa” (8 ) [de referir a inconsistência de apresentar Pombal como no poder durante a segunda década de XVIII (7-8), o que talvez seja apenas um erro de revisão].

Parece óbvio o exagero da influência eclesiástica (e jesuítica) bem como a incompreensão da sociopolítica dos “Prazos” e das realidades políticas históricas em Moçambique, algo que até transparece na forma como escorrega na questão das terminologias administrativas portuguesas e dela retira, para o longo período XVI-meados XIX que “os portugueses tinham o controle de pouco mais de 30% do actual território moçambicano(10), um exagerado exagero.

Ainda de notar a incompreensão (ou nacionalista - de italiano - tentativa de ilegitimação) do projecto colonial modernista europeu em Portugal, ao invectivar a I república portuguesa por “o partido republicano, paradoxalmente, que fará do imperialismo um dos seus cavalos de batalha, consolidando o sentimento de afeição e de vínculo à vocação colonial da nação portuguesa” (18). Paradoxalmente porquê? Enfim, características “amadoras” da obra, somadas ao facto de indiscutir a identidade “italiana”, mas que não lhe tiram o interesse mas que fazem exigir particular distância na leitura. Em particular face à deriva nacionalista, desnecessária, a que nem o pequeno prefácio da historiadora Anna Maria Gentili está imune. Mas não é para discutir a história geral de Moçambique que se avança para um livro destes, sim para fruir o que há para saber sobre a presença de italianos aqui (ainda que a própria ideia de "italianos" seja indiscutida no livro). E para esse objectivo é muito interessante:

Anúncio fábrica "Jolanda" (1914) que virá a produzir "A Nacional", 1ª cerveja moçambicana

O livro organiza-se cronologicamente. Começa por breve abordagem a alguns passantes de XVI, e que deixaram registo escrito: Lodovico de Varthem que aportou a Ilha de Moçambique e Sofala na primeira década e publicou em 1510 um “Itinerário”, reeditado em 1885 (citado em 27-28); Andrea Corsali, que aportou na Ilha em 1515 (citado em 28-29). São breves incursões, como se curiosidades, em relatos típicos da época, sempre saborosos de ler.

João Albasini, comerciante e caçador, diplomata e autoridade política.

Depois são abordados os percursos de duas famílias ainda presentes na paisagem moçambicana, os “pioneiros” como lhe chama o autor. Os Fornasini e os Albasini, oriundas de indivíduos que chegaram cerca de 1830, famílias que durante várias gerações tiveram membros com renome e interessantes percursos. Neste âmbito Massari refere até que João António Fornasini, segunda geração aqui, mulato - miscigenação que não ocupa o autor, nem relativamente à dimensão "italiana" das personagens nem tampouco quanto às características mais porosas da hierarquia sociopolítica de então face a décadas posteriores - que chegou a governador interino do distrito de Inhambane e seu capitão-mor (décadas de 80 e 90 de XIX), teria sucedido a José Loforte, durante décadas capitão-mor da pequena vila, e que seria também ele de origem italiana - e também fonte de uma reconhecida e alargada família local. Mas o autor não adianta mais dados, para essa “italianização” das famílias históricas da sociedade crioula moçambicana.

Hotel Cardoso, década de 1920

Um terceiro período abrange o processo de formação urbana, com a corrida aos minérios preciosos na África do Sul e Rodésia do Sul, com a construção dos caminhos-de-ferro LM-Pretória (terminado em 1895) e Beira-Salisbury (terminado em 1898), implicando a chegada de operários especializados e de pequenos comerciantes, alguns dos quais se fixaram, principalmente na capital (onde o primeiro consulado italiano se firmou em 1905, demonstrando o crescimento estável dessa comunidade). E logo depois com o sucesso de alguns comerciantes e industriais que marcam a paisagem urbana e social da cidade: Giuseppe Cavallari, fundador da “A Nacional” a primeira marca de cerveja moçambicana, que resultaria da fábrica Jolanda. Os Sorgentini que ficaram proprietários e desenvolveram o Hotel Cardoso. Os Buffa-Buccellato que construiram a primeira pista de patinagem e o Varietà. E na Beira o Hotel Savoy de José de Martini e o Cosmopolitan Hotel de Pedro Tognoli. E a “Branca das Mãos de Ouro”, Branca Berg, das primeiras europeias residentes na então Lourenço Marques, mulher do espectáculo, cantora, empresária hoteleira, jogadora, muito provavelmente prostituta de elite - um historial, de que há memória histórica, e que se impõe de imediato como personagem para futuras ficções, literárias ou cinematográficas.

Mandimba, 1926, missonários italianos na 1ª igreja católica no Niassa

Um quarto processo, de tentativa de implantação de interesses italianos (lombardos) no norte do país, em Cabo Delgado e fundamentalmente no Niassa, vocacionados para a agricultura, e com apoios económicos e políticos de Itália, que terão sossobrado com a crise de 1929 (a imagem  da capa é a da reprodução de um jornal italiano que refere a "colónia italiana em terras de África"). Tudo isso em articulação com os missionários italianos que chegaram em 1925 com o intuito de se estabelecerem no Niassa. Era um projecto com contornos políticos de expansão italiana, ainda que pouco sistematizados – Massari, narra risonhamente, que os missionários da Consolata, foram recebidos no porto da Beira por uma orquestra cujo maestro local, italiano (adstrito à hotelaria local), fez tocar o hino da juventude do partido governamental, de Mussolini. É talvez o ponto mais interessante do livro, esta abordagem aos processos estratégicos da missão da Consolata em penetrar no Niassa, articulados (mesmo que de forma algo fluída) com os interesses agrários e políticos de sectores italianos pró-coloniais e agrários. Isto durante a década de 20, aquando do espírito colonial italiano virado para a África Oriental. E enfrentados com profunda desconfiança por clero e administração portuguesa, o que permite um entendimento algo mais trabalhado sobre as relações entre missões católicas e Estado português de então.

Tulio Cianetti, ex-ministro de Mussolini, dono da Sociedade Industrial do Maputo, recebe homenagem em Bela Vista

Um quarto momento do livro é dedicado aos efeitos da II Guerra Mundial. O refúgio no porto de Lourenço Marques do navio Gerusalemme, ali fundeado com a sua tripulação durante 3 anos e meio, e o afundamento do navio britânico Nova Scotia ao largo da costa e cujos sobreviventes foram transportados para Moçambique, aqui tendo ficado por anos, em ambos os casos implicando alguns processos de integração, episódica ou perene. Para além desses episódios marítimos (também muito propícios a narrativas) dois elementos surgem no pós-guerra. A presença de alguns refugiados italianos, oriundos do regime derrubado, associados a uma alguma disponibilidade de capital e estatuto social e facilmente integrados no âmbito do Estado Novo.

E a chegada das novas missões católicas, capuchinhas, dehonistas e comonianas, que viriam a marcar a paisagem cultural e até política da colónia e do futuro país. Como o veio a fazer este futuramente célebre padre Prosperini (falecido em 2004) depois de fundar a União Geral das Cooperativas. Condignamente homenageado no final do livro.

Prosperino de Montescaglioso, Morrumbala
jpt

publicado às 19:21


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