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Astérix: o Papiro de César

por jpt, em 11.11.15

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Ainda para mais depois do trôpego último postal, aludindo à wikileaks, impõe-se-me ecoar este "Le Papyrus de César" que há pouco li. Não é a "Foice de Oiro", o "Combate dos Chefes", "O Escudo de Arverne", "Astérix e Cleópatra" e um punhado de outros álbuns dos gloriosos tempos do auge goscinnyano? Não será. Mas também eu não sou o mesmo petiz impressionável, 47 anos depois de "ler" o meu primeiro Astérix, rejubilando em êxtase diante de cada nova aventura. E em assim sendo, com esse desconto, fico muito agradado com este novo exemplar do culto. O argumento de Jean-Yves Ferri é bem construído, com aquele toque de actualidade que fez a série, ecoando subtilmente as aventuras de Assange, o homem da Wikileaks, manipulando com cuidados os traços estruturais do universo asterixiano original - e nisso fugindo ao desbragado "fantástico" com que o Uderzo tardio o poluíra. E o desenho de Didier Conrad é assustadoramente fiel ao original, qual verdadeiro clone do excelente Uderzo (o desenhador, não o argumentista), mantendo-nos confortáveis - Astérix é um culto, não é  para inovar. Confesso que às vezes me parece um bocado artificial (por exemplo a última vinheta da página 8 com um Astérix de expressão algo robótica) mas se calhar isso é exagero meu. É exactamente essa capacidade de criar algo original dentro das balizas de um universo ficcional mais do que estabelecido que saúdo, descrente que sou destas sequelas na banda desenhada póstumas aos criadores. E é por isso que o único verdadeiro senão que encontro nesta aventura  - sim, sou um fundamentalista asterixiano - é o momento em que Panoramix (p. 42) bebe a poção mágica. Que me lembre isso não "faz parte", o druida não bebe, é um dogma (em caso de necessidade é carregado por Obelix). E há valores que é preciso manter, quebra-se um, por pequeno que seja, e derruba-se o dique que protege da anarquia. 

 

Ainda assim, uma bela aventura. A rejuvenescer o velho leitor. E, espero, a encantar os novos.

 

[Eu li a versão francesa, espero que a portuguesa tenha regressado aos nomes originais das personagens, algo que não aconteceu nas últimas publicações, um triste sinal de mediocridade.]

publicado às 05:02

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Daqui a um mês aqui em Portugal eleições legislativas, depois presidenciais. Muito provavelmente os compatriotas elegerão como primeiro-ministro um comentador televisivo, avatar de José Sócrates, e como presidente da república um outro comentador televisivo, avatar dele próprio. Os compatriotas eleitores vão discutindo, alguns até com ardor e militância. Eu só lamento que este livro não esteja publicado em Portugal - bastaria capa e título para mostrar o futuro em assim o sendo. E talvez esclarecer as tais discussões.

 

Madam & Eve parece muito localizado, muito sul-africano. Mas é tão, mas tão mesmo, global ...

 

publicado às 00:19

Tintin no Congo

por jpt, em 08.07.15

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Coisas de aniversariar. Mãos amigas ofertaram-me este "Tintin Akei Kongo", a edição traduzida em lingala, mais do que provavelmente uma iniciativa do iconoclasta Ilan Manouach - como se refere no blog "A Garagem", entre outras alusões -, um artista que já pontapeou os Schtroumpfs de Peyo e o Maus de Spiegelman, e que aqui "permanece" anónimo mais do que provavelmente devido a razões legais.

 

O interesse desta edição, numa língua que desconheço? A questão do racismo explícito nesta obra de Hergé (início de 1930s), bem à moda daquela época europeia. E o facto de assim permitir a apropriação endógena (os falantes de lingala) do seu conteúdo. Esta será a menor pois estou crente, ainda que desconhecedor do contexto do ensino escolar nos países onde se fala a língua, que a maioria dos leitores de lingala o será também em francês, língua oficial na maioria daqueles casos nacionais. Ou seja, neste âmbito o mais interessante será a apropriação do texto e a sua possível reformulação em termos de linguagem - uma questão muito bem levantada por Pedro Moura na parte final deste texto. E também o impacto que uma edição destas poderia/deveria ter no universo de recepção da obra de Hergé, quase um culto, desmontando-lhe as características verticais, até hieráticas, muito fruto do tipo de tratamento editorial/industrial actual.

 

O enquadramento geral é o referido racismo de Hergé, matéria recorrentemente denunciada. Dou-me muito mal com esta invectiva. Homem do seu tempo, "espírito de época" transpirado? Com toda a certeza, e mais do que tudo na refracção dos estereótipos vigentes, mas também na forma como eles se foram transformando ao longo dos 50 anos da sua carreira - facto visível nas próprias reformulações que foi fazendo nas reedições dos primeiros álbuns de Tintin (já para não falar da auto-censura ao primeiro). Mas estereótipos que continuam, alguns. Estarei eu a ser racista quando faço uma ligação electrónica quando escrevo "lingala", presumindo que quem aqui passe não saiba exactamente do que se trata? Estará o bloguista do simpático "A Garagem" a ser racista quando reduz a "dialecto" a língua lingala - desvalorização colonial e pós-colonial tão constante, e tão "barbarizadora" dos contextos africanos - enquanto louva esta edição? Ou estaremos apenas imersos no desconhecimento, farripas do(s) "espírito(s) de época(s)"?

 

O próprio conservadorismo de Hergé, até dito colaboracionismo (com o nazismo), questão que é hábito levantar, é resmungável. Há pouco conversava em Antuérpia com uma escritora, ali estrangeira, mulher empenhada e notoriamente "à esquerda". Referia-me ela, e também a propósito de Hergé mas não só, os seus antecedentes familiares flamengos, como estes tinham vivido o advento da II Guerra Mundial. Como naquele país esse foi também lido no seio das rivalidades (políticas, económicas, culturais) entre flamengos e valões. Como levantaram a então recentíssima memória do destratamento ("carne para canhão") do contingente flamengo na I Guerra Mundial, subordinado a um oficialato valão. Um Hergé flamengo (neerlandês) algo titubeante no início da avalanche alemã e do terror que lhe foi acoplado? Desse contexto às imputações posteriores vai um mundo de diferenças.

 

Há alguns meses fiz uma  intervenção sobre o banda-desenhista Joe Sacco. E depois escrevi um pequeno texto sobre isso, onde inclui um bocadinho sobre Hergé. Repito esse excerto aqui. Enquanto folheio, deliciado ainda que iletrado, este "Tintin Akei Kongo": 

 

Mas, para entender o “espírito da época” actual, atente-se como a crítica ideológica acomete “Tintin no País dos Sovietes” (Hergé [1930]) e “Tintin no Congo” (Hergé [1931]) (p. ex. Hind 2010; Moura 2012). E como se aparta o “Tintin na América” (Hergé [1932]), imediatamente subsequente (e partilhando algumas características estilísticas com as primeiras aventuras). Neste caso surge uma relativa neutralidade na recepção, esta protegida pelo anti-americanismo (e anti-industrialismo) constitutivos deste actual eixo de reflexão crítica, nisso tão coincidente com o conservadorismo de então de Hergé, tão patente no livro. Coincidência profunda na história intelectual que Revel (2002) abordou, ligando o “criticismo” actual ao tardo-romantismo de XIX, adverso à democracia, à sociedade de mercado (pois ligado à ambição reaccionária da manutenção da sociedade de estatutos), nesse amplexo adverso à sociedade americana. 

 

Mais ainda, é notório que a crítica à obra de Hergé enfatiza esses primeiros livros, em particular “Tintin no Congo” – particularmente no âmbito das sensibilidades pós-coloniais -, sem atentar que, para além da reprodução de ideias presentes no senso comum europeu de então (e as utopias evangelizadoras e progressistas que acompanharam o processo colonizador), o trabalho não só foi explicitamente secundarizado pelo próprio autor aquando da sua produção, mas também não reflecte as concepções e projectos coloniais do seu contexto (belga) e, até, os recursos literários então utilizados (Halen 1993). Mais ainda, esquecidas são as complexidades de obras mais tardias como “As Jóias de Castafiore” (Hergé 1963), ataque aos preconceitos contrários aos ciganos – e logo numa temática tão gostada pela “comunidade antropológica”. Como também a reflexão sobre as migrações forçadas, a exploração no seio da globalização, a permanência de polimorfas escravaturas – assunto candente, inclusive abordado por Sacco -, tende a esquecer o pioneiro “Carvão no Porão” (Hergé 1958), que antecipa em décadas outros registos (denunciatórios) sobre migrações forçadas. Ou a crítica-denúncia da sua fase final, em “Tintin e os Pícaros” (Hergé 1976), um legado actualíssimo de corrosiva descrença nos guevarismos.

 

É certo que estas obras poderão ser menosprezadas em certos sectores por razões de moda estética – o cansaço face ao classicismo, a “ligne claire” da BD “franco-belga”, de que Hergé é expoente máximo, e, quiçá, um intelectualismo adverso ao sucesso comercial desta corrente. Mas acima de tudo são punidas por não estarem aprisionadas pela actual cabotagem ideológica. O que se torna interessante é que a visão crítica sobre o autor se prende com uma linearidade analítica, tão inversa à apresentada pelo cume dos estudos culturais, explicitado na abordagem riquíssima e complexa de Edward Said ao trabalho de Joseph Conrad (Said 2000). Neste sentido a recepção actual da obra de Hergé, e de tantas outras, seja com sinal positivo ou negativo, deriva de um ambiente onde a prática canonizadora é exercida num estrito ambiente sociopolítico de incidência cultural. Sublinhando algo que Peeters (2003, 15) recorda: “Régis Debray [em Le Suite et le Fin (Gallimard, 2000)] mostrou bem como o intelectual, nascido com o caso Dreyfus como defensor do inocente injustamente acusado, se transformou pouco depois no procurador intransigente: deixando para outros as subtilezas do direito ou a análise minuciosa do contexto, proclama desde logo o seu conflito.”

 

publicado às 06:30

2014: personalidades do ano

por jpt, em 30.12.14

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publicado às 18:50

Alix: os nossos heróis da BD

por jpt, em 04.12.14

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Aqui vi - e verdadeiramente fiquei estupefacto - a notícia da publicação do próximo volume de Corto Maltese. Anos depois da morte do seu autor Pratt, ou melhor dizendo, da sua morte ele-mesmo, alguém, mandatado por herdeiros e editores, legalmente pirateará o nosso Corto e sua galeria. O povo comprará.

 

Lembro que há anos visitei uma daquelas lendárias livrarias de BD em Bruxelas. Estava ainda, nesses belos tempos, armado de cartão de crédito. Significava isso que o único obstáculo era os quilos de bagagem permitidos no avião para Maputo - e como pesam os hardcovers da BD! Choquei com um novo Blake & Mortimore - claro que já pós-Jacobs -,  tremi (o "Armadilha Diabólica" é um dos livros da minha vida e ainda me lembro do aroma de cada vinheta)! O jovem livreiro, informadíssimo, à minha pergunta sobre se valeria comprá-lo refutou a negativa mas, cúmplice, deixou o olhar cair em alguma outra estante, túrgida de livros apetecíveis.

 

Sei que o mercado da saudade da BD é importante e traz novos leitores e dá novos públicos - li que o novo Astérix, o primeiro pós-Uderzo (finalmente) foi o livro mais vendido em França. Mas tem que haver limites para estas cartas de corso, este rapinar da arte antiga, esta legitimidade do trabalho de falsário sob a desculpabilização da indústria.

 

Resmungo isto a propósito do "Britannia", relativamente recente volume das aventuras de Alix, o grande herói de Jacques  Martin. Alix dará pano para mangas e calças para a crítica dos estudos culturais (e pós-coloniais) - e se calhar já deu. O louro descendente de gaulês que é cidadão romano e que segue uma republicana ética, defensor de uma boa República (ou proto-Império, pois contemporâneo de Júlio César), configura em absoluto a imagem do "assimilado", defensor do "império" correcto, da "civilização" da boa lei e ordem. Lido agora Alix será o caso mais extremo na grande BD (e até na literatura canónica) do mundo colonial-imperial europeu da 2ª metade de XX, sobrevivido na sua radical essência devido ao seu carácter infanto-juvenil, que o terá eximido - aquando da sua produção e nas décadas posteriores - da radical crítica que incidiu sobre os produtos discursivos ocidentais (particularmente após as obras do gigante Said, um tipo que iluminou o mundo que nos rodeia - por mais que isto custe a quem não quer pensar [oops, então o jpt não é de direita?]).

 

Mas eu vivo com Alix desde 69 ou 70, no Tintin de semana e nos álbuns subsequentemente editados. Estou-me rigorosamente nas tintas para o seu implícito. E comprovo, empiricamente, que um tipo adorar Alix não o torna um torpe esclavagista - que o anacrónico herói não é, tão "moderno" é na sua ética - nem um defensor da "pax romana" (ocidental) civilizadora, algo que o herói substancializa. Pois o crucial no autor Jacques Martin é, para além dos valores do humanismo que defende, o sumptuoso gráfico que se associa à cuidada reconstrução histórica. Poder-se-á amar a história (a História) sem a gostar nos desenhos de Jacques Martin? Ou, para ser ainda mais radical, poder-se-á ser "europeu" sem ler ler, gostar e fruir Alix? É intelectualmente analisável, criticável, o seu conteúdo? Com toda a certeza. Mas como criticar, analisar, algo que não se leu, não se perseguiu, não se comprou ou tomou de empréstimo? Não se amou?

 

Em Bruxelas, cidade da ligne claire ( terra que sempre dizemos aquela lá de Jacobs, de Martin, de Hergé, do sempre esquecido Cuvelier) deparei-me com este "Britannia", já pós-Jacques Martin, a tal indústria banda-desenhística. Nem hesitei na compra, apesar destes novos tempos parcos. Para me defrontar com um sub-produto, isso mesmo. A alguém (nem vale a pena mostar o nome) se entregou a carta de corso para continuar a rapina sobre estas pobres populações costeiras, o povo dos "Clientes". Um enredo complicado e nada verosímil. Mas isso é menos. Pois ali habita um desarranjo gráfico agressivo, até humilhante para nós-amantes. Pois se Alix sempre teve massas de texto volumosas nunca como agora elas surgem agredindo a imagem, poluidoras, uma penosa incapacidade de síntese. E, pior do que tudo, um desenho grosseiro, agredindo personagens, perspectivas, horizontes. As nossas almas fiéis. Uma vergonha.

 

Comprovando isto que deveria ser o óbvio. Em morrendo o autor-persona finda a criação-autor. Por mais que chore o negócio...

publicado às 00:31

Kannemeyer em português

por jpt, em 01.12.14

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É surpreendente apanhar uma edição portuguesa do "banda-desenhista" sul-africano Anton Kannemeyer, este Papá em África (ligação a galeria sobre o livro e com o texto de posfácio de Marcos Farrajota e do/a tradutor(a) Crizzze), editado por uma editora que eu desconhecia (isto de viver fora de Portugal), com um nome impronunciável mas com um grande blog [Gente Bruta, isto sim um blog de editora, não essas pobrezas institucionais que fui conhecendo]. Estão aí 500 exemplares para que os esgotem, apressem-se.

 

Kannemeyer não é um iconoclasta, é um puro canibal. Se aparenta filiar-se no racionalismo, como este ex-libris simula 

 

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tal não corresponde minimamente à verdade. O autor filia-se muito mais num "devoro, logo existo", pontapeando todos os bons ícones e princípios e, ainda por cima, as boas causas. Há algo que o engrandece, o seu discurso (o seu apetite voraz, dizendo melhor) global. Pois, e sabê-lo-á quem está habituado ao registo sul-africano, as maiores produções nacionais têm sempre um tom local, como se tão complexa seja (e é) aquela sociedade que algema os elaboradores (mesmo Coetzee, também ele pontapeado neste livro). Visceral dependência contextual que Kannemeyer rompe sem recusar a flatulência ancorada, libertando-se exactamente através deste radicalismo "take no prisioners". Nada lhe escapa.  

 

Aqui nesta preciosa selecção o sacana acampa em Tintin no Congo, este envelhecido, em já calvo cinquentão, satisfazendo-se em doggie style com a pobre (paupérrima) indígena agradecida mas também sodomizado na prisão, enquanto nos lembra, assim-como-quem-não-quer-a-coisa, as tenebrosas práticas africanas dos belgas tintinescos. Rasga os pergaminhos africanders, não deixando pedra sobre pedra do Voortrekker, e pontapeia as práticas negras da "nação arco-íris", como a eroto-mania violadora das brancas. Tanto fel não lhe capta, evidentemente, a simpatia interna, naquele conturbado espectro de luz austral. Principalmente quando, como aqui em cima meti, afixa os mimetismos como prática estruturante (e hiperbólica) da actual sul-áfrica.

 

Há derivas que são criticáveis? Haverá, para mim em particular as preocupações com a carga semântica inscrita na língua (no africâner, no caso). Não há línguas "limpas", a gente sabe, e é até bizantino continuarmos nessa preocupação higienista. Mas que não seja por isso - repito, vão esgotar os 500 exemplares. A ver se mais coisas do homem serão editadas em português.

 

 

 

publicado às 15:28

Joe Sacco

por jpt, em 10.11.14

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Vivo perto da Bedeteca de Lisboa, e tenho lá ido. Por isso apeteceu-me escrever sobre banda desenhada, a meter-me em coisas de que sei (mais) pouco. Deixei agora um texto longo na minha conta da rede Academia. Quem tiver interesse encontra-o clicando no título: "Joe Sacco: o engajamento denunciatório".

 

publicado às 18:37

Mafalda no Festival BD na Amadora

por jpt, em 31.10.14

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Ontem fui ao Festival BD da Amadora, acompanhado da Mafalda cá de casa. Lá está uma breve exposição dedicada a "Mafalda", a propósito do cinquentenário. Uma das "tiras" afixadas é esta - a ter imenso a ver com o que passa na Lisboa de hoje, em vários sentidos, e até nos últimos postais deste ma-schamba.

 

Não há dúvida: "Mafalda" é o máximo. Viva Quino.

publicado às 16:10

Aniversário

por jpt, em 29.09.14

50 anos, faz hoje Mafalda (é mesmo da minha safra). Parabéns a nós todos, por sermos contemporâneos de Quino.

 

 

 

 

Cresci com eles, através dos pequenos livros de então. Felipe era, e ainda é, o espelho ... Mafalda a paixão impossível. E o mundo a enfrentar.

publicado às 07:38

 

 

Estante Austral (7)

“Canal de Moçambique”, edição de 24.9.2014

 

 

“Namacurra”, a I Guerra Mundial em Moçambique na banda desenhada de João Paulo Borges Coelho

 

Em 2003 João Paulo Borges Coelho publicou o seu primeiro romance, “As Duas Sombras do Rio”, cujo impacto logo o firmou como nome maior na literatura moçambicana. Condição que se sedimentou  pela permanente produção que se seguiu na década seguinte (“As Visitas do Dr. Valdez”, “Índicos Indícios I – Setentrião” e “Índicos Indícios II – Meridião”, “Crónica da Rua 513.2”, “Campos de Trânsito”, “Hinyambaan”, “A Cidade dos Espelhos”, “O Olho de Hertzog”, “Rainhas da Noite”). E que desde cedo foi sinalizado através da atribuição do maior prémio literário nacional, o José Craveirinha de Literatura de 2006, então atribuído ao “As Visitas do Dr. Valdez”, e, posteriormente do prémio Leya 2009, em Portugal, dedicado ao “O Olho de Hertzog”.

 

Todo este já longo programa ficcional e o relevo obtido tende, até paradoxalmente, a obscurecer as anteriores incursões do autor na banda desenhada. Algo que se deve também, é isso evidente, às características do contexto editorial moçambicano. Pois as três obras que publicou no início dos anos 1980s (julgo que entre 1980 e 1982, incerteza devida ao facto dos meus exemplares não estarem datados) estão esgotadas há já muitos anos, sendo inclusive quase impossível encontrá-las nos fervilhantes alfarrabistas das ruas de Maputo – isto apesar das tiragens de então terem sido bastante grandes, conta-se que na ordem dos 20 mil exemplares. Nessa já recuada época Borges Coelho publicou “Akapwitchi Akaporo Armas e Escravos” e “No Tempo de Farelahi” (Instituto Nacional  do Livro e do Disco) e ainda  “Namacurra”, este último na revista periódica “Kurika”, e do qual apenas possuo exemplar fotocopiado.

 

(O texto completo está aqui).

publicado às 10:25

A I Guerra Mundial

por jpt, em 30.06.14

 

 

 

Ana Cristina Leonardo recorda-me este extraordinário filme de Kubrick, Paths of Glory (1957), sobre a I Guerra Mundial. Para a compreender recomendo ainda a leitura de um punhado de livros de Jacques Tardi. O resto virá por acréscimo.

 

publicado às 16:40

Auto-hipnose

por jpt, em 03.04.14

 

 

Os mais novos nem saberão ou lhe darão o verdeiro relevo. Jacky Ickx foi uma enorme estrela do automobilismo, vice-campeão de Fórmula 1 no tempo de Jackie Stewart e também do primeiro brasileiro Fittipaldi. E depois dominador da então prova-rainha, as 24 Horas de Le Mans. De tal maneira foi estrela que Jean Graton o fez integrar a equipa de Michel Vaillant, célebre banda desenhada dos tempos.

 

 

 

Ao longo dos anos de vez em quando aqui resmungo contra o alarmismo, feito de desconhecimento e produtor de desconhecimento, que brota das notícias internacionais (em particular das portuguesas) sobre Moçambique. Como aqui o fiz, face ao descabelado exagero relativamente a uma vaga de criminalidade que ocorreu há meses em Maputo. Mas agora, talvez incoerentemente, venho em sentido contrário.

 

Leio esta desgraçada notícia: a antiga mulher de Jacky Ickx, em viagem de lazer no país, foi violentamente atacada numa estância (aka resort) por um grupo de assaltantes, que à catanada lhe deceparam uma mão. É evidente que o fundamental é o horror da notícia - a senhora foi entretanto operada, recolocada a mão, e muito espero que a recuperação possa acontecer. Pois a medicina actual faz alguns milagres.

 

Mas, e em nada secundarizando o trauma humano, ocorre-me outra linha. A do efeito letal que uma notícia destas terá no turismo moçambicano. Este, dizem-me, já bastante alquebrado, com menores taxas de ocupação nos últimos meses, depois do início dos desmandos da Renamo. E com a situação piorada devido ao eco internacional dos crimes urbanos. Agora esta notícia. Não é a primeira vez que acontecem assaltos nas estâncias balneares, por características locais mais ou menos ermos e quase desguarnecidos.

 

O facto de agora ter sido vitimizada alguém ligado a uma estrela internacional - e super-conhecido num contexto relativamente abonado, particular mercado internacional para o turismo de "resort" na costa moçambicana, virá a ter incidências complicadas para os próximos tempos. Para mais estes acontecimentos encaixam num velho imaginário. A imagem de uma mulher branca só, loura ainda para mais, ferida à catanada por um bando de negros num ermo de África fere mais o imaginário globalizado (sublinho, globalizado) do que um qualquer tipo morto à facada no Rio de Janeiro ou em Roma ou a tiro no Cabo ou Nova Iorque. Alguns poderão torcer o nariz a esta afirmação, dizê-la até racista. Mas não o é, apenas enfrenta imagens que vêm sendo perenes, talvez até subliminares. E particularmente num mundo, mercado, "turista".

 

Em Moçambique a maioria da criminalidade não é mediática, reside nos subúrbios, só é notícia quando é particularmente sanguinolenta ou quando, por vezes, provoca movimentos de justiça popular. E depois há a presente, e crescente, na "cidade-cimento". Se há anos era cíclica (antes das "festas" já se sabia que haveria um incremento) cada vez é mais constante. Esta, do(s) centro(s) urbano(s), é mais mediatizada, pois atinge pessoas e lugares mais próximos dos produtores de notícias. E em particular quando atinge estrangeiros, que não sendo um alvo privilegiado são um alvo visível.

 

Para esta situação, muito desconfortável e até angustiante, as pessoas apontam responsáveis. Aqui vejo uma grande diferença. Não quero entrar em antropologices e muito menos em culturalismos mas boto a minha opinião. O mundo europeu (e sua descendência) é muito marcado pela ideia cosmológica da omnipotência divina, cuja corruptela é uma difusa sensação de macro monocausalidade (ao escrever isto percebo que tenho voltar a ler sobre a teodiceia de Leibnitz). E cuja actualização, em versão laica pós XIX, é a crença no "sistema" (capitalista de Marx, pancrático de Foucault, etc.) como omnipotente causa das (más) acções. Esta sociologia teocrática, espontânea, é muito recente em África, onde as compreensões cosmológicas apelam bem mais às causalidades humanas, uma humanocracia moldada na perspectiva das poderosas articulações entre homens e seus antepassados imediatos. Aquilo que na linguagem vulgar se chama "feitiçaria" mas que não é isso. E que é uma sociologia individualista (um proto-liberalismo radical, se se quiser) espontânea, vigorosa. [E penso-a muito mais "moderna" e assente na crença da racionalidade individual do que a velha teologia europeia, nas suas versões vulgares].

 

Este meu relambório (o blog é um diário, portanto aqui fica este improviso) tem um fito. Se no mundo "ocidental" há a histórica tendência para a crença no tal "sistema" (pós-divindade) causador dos males, aqui há a história tendência para a crença na atribuição individualizada aos males acontecidos. 

 

Estes últimos meses foram angustiantes devido aos acontecimentos no centro e à mediática criminalidade. E contiveram bastante discurso político, pelas eleições acontecidas e pela preparação das próximas. No qual tenho lido muita gente apontando a responsabilidade desta explosão de criminalidade a alguns indivíduos. E, particularmente, ao presidente Guebuza. Por seu turno li alguns, mais defensores do poder actual, criticar a "fulanização" do discurso, no fundo a monocausalidade individualizadora que referi. E vou concordando com esta última posição.

 

Não se trata de tomar partido, de defender ou atacar o poder (não falo de política moçambicana, e não estou a falar de política moçambicana). Mas olhando isto percebo o quanto o meu fundo (teológico, cultural) europeu me marca a interpretação, rementendo-a para dimensões macro ("a mão invisível", o "todo-poderoso", o "sistema exploratório", nomeiem-nos ..). A questão não se prende com os governantes actuais, gostem os leitores ou não gostem os leitores destes ou de outros.

 

O problema, que tem como graves epifenómenos estes mais ou menos sonoros crimes, é a da rapidissima, profunda, até dramática transformação sociológica do país. Que não é má, nem é boa. É. Esta é a problemática, que muito ultrapassa o "dizer mal" do líder governamental, ou dos líderes das oposições. Ou até mesmo da malevolência estrangeira, latina, escandinava, anglo-saxónica, extrema ou mezo-asiática. Insistirmos na "fulanização" (versão individual ou grupal) é uma auto-hipnose.*

 

Como é uma auto-hipnose isto do "onde vais este fim-de-semana comprido", estes dois que aí vêm. Burgueses e expatriados em busca do recôndito balnear. Que não (nos) aconteça algo, é o meu angustiado desejo.

 

*Presumo que haja amigos (e FB-amigos) que me passarão a invectivar como "guebuzista".

publicado às 07:48

No feedly (6)

por jpt, em 27.03.14

 

 

Dos textos de blogs recebidos através da selecção ma-schamba no feedly destaco:

 

Portugal, no acertado teclado que escreve o Nada o dispõe à acção.

 

- Portugal, no acertado teclado que escreve o Portugal dos Pequeninos.

 

- Foi um dos heróis da minha meninice, ainda que eu lhe preferisse François Cevert (e depois Ronnie Peterson), que eu era da Tyrrell de Jackie Stewart. Mas a notícia de que 15 álbuns de Michel Vaillant serão publicados em Portugal pelo jornal "Público" enche-me de lamentações, arrepanhando os cabelos. Vou perder a colecção ...

 

- Uma preciosidade: o primeiro beijo no cinema, que apanho no Banco Corrido.

 

- Também no Banco Corrido ligação para acervo fotográfico sobre a (participação portuguesa) na I Guerra Mundial, preciosa ainda para mais neste ano de centenário do começo da estapafúrdia Grande Guerra.

 

- Um belo texto sobre Adolfo Suarez (com ligação a anteriores textos também muito recomendáveis) no Delito de Opinião.

 

- Muito pertinente este "A diplomacia do Brasil", no Duas ou Três Coisas. E mais do que recomendável para ser lido aqui em Moçambique. Fica-se à espera da continuação da reflexão sobre a matéria, prometida no postal.

 

- Um excelente texto sobre Crimeia e Ucrânia, de Luís Menezes Leitão no Delito de Opinião.

 

- Um pequeno trecho sobre José Sócrates. Mas de pouco serve, os fiéis - entre os quais alguns meus familiares e amigos chegados - continuam a ter uma ligação orgástica com o "engenheiro". E a ambição ejaculatória varre, como todos sabemos, o mais elementar dos bons sensos. 

 

 

publicado às 04:23

No Feedly (1)

por jpt, em 03.01.14

 

 

As melhores imagens de ciência em 2013, através do De Rerum Natura.

 

O colectivo do excelente À Pala de Walsh elege os dez filmes de 2013. Vale a pena ler.

 

Doze livros editados em Portugal no ano passado: a escolha do  Antologia do Esquecimento.

 

Uma selecção de 10 livros de 2013, especialmente centrada em banda desenhada e ilustração.

 

Os acontecimentos desportivos mais importantes de 2013, no XV contra XV.

 

Um interessante texto de Achille Mbembe sobre Nelson Mandela e a África do Sul actual, ecoado na Buala

 

Uma evocação do mestre de banda desenhada Sergio Toppi, e é ali que noto que o autor morreu, e já há alguns meses. 

 

Picasa: aguda observação sobre o cliquismo fotográfico actual.

 

Robert Mitchum no Escrever é Triste.

 

A Barriga de um Arquitecto é um excelentíssimo blog. Dinossauro já, cumpriu uma década.

  

Dá para viver sem se ter conta no banco? Um belo texto (e uma boa pergunta, sublinho eu quando aqui em Portugal) no Bandeira ao Vento, na sua bela série "Postais de um fotógrafo de bairro", uma colecção de pérolas.

 

As 20 palestras TED mais vistas (actualização). 

 

"A identidade cultural europeia", o prefácio de António Barreto ao livro de Vasco Graça Moura com esse título.

 

 Desejo assim para 2014 uma maior saúde às palavras, no Apenas Mais Um

 

Sobre Sá Carneiro e ao que o reduzem actualmente: no Abrupto.

 

"Meninas a intenção é boa, mas tanta maminha já cansa": uma acertada abordagem sobre as mamocas feministas, no Domadora de Camalões.

 

Um mergulho no bloguismo português, no Delito de Opinião.

 

Sei da existência de um documentário sobre o cante alentejano, feito por Sergio Tréfaut: através do Margem Esquerda do Odiana.

 

José Pacheco Pereirahá muito reconheço na figura de Ramalho Eanes uma dignidade pessoal e um sentido de estado e de serviço público, que são tão escassos na actualidade, que brilham no meio da escuridão moral e cívica em que está mergulhada a nossa vida pública, dominada por gente obcecada pela sua carreira, permeáveis a tudo, menos no seu bem-estar e “protagonismo”. Não admira que Eanes fosse ficando sozinho na sua honra modesta, enquanto ao lado tudo apodrecia. Não é que o seu mérito não seja absoluto, mas o feito do seu mérito ainda se salientou mais devido à degradação da política portuguesa.

 

Natal em Lisboa: eu cheguei a 24 e ainda assim deu para ver (e já nem falo na azáfama pós-natal dos saldos): O que este ano me surpreendeu foi a loucura das compras num período de crise. Há muito tempo que não via um tal frenesim e sou capaz de apostar que o consumo interno terá dado um pulo bastante significativo, apesar de haver quem diga o contrário. Como economista surpreende-me e como cidadã fico perplexa, porque o cartão de crédito vai ter de ser pago em Janeiro..., no Fio de Prumo.

publicado às 11:27

Mandela em sotaque lisboeta

por jpt, em 12.12.13

 

Sem internet em casa e tendo, entretanto, ido à África do Sul não acompanhei as parangonas portuguesas sobre a morte de Nelson Mandela. Regresso agora e vejo um punhado de ecos. A rasteira política interna, com as acusações ao governo de finais de 1980s (com argumentos não apenas descontextualizados mas também falsificados), uma coisa vergonhosa. Mas também o coro vácuo, tipo água-de-colónia a litro. Pior ainda os que procuram ser inteligentes e conhecedores: o constante Vasco Pulido Valente lá aproveita o assunto para, como sempre, dizer mal de (quase) todos os portugueses, enquanto vai resmungando que nada mudou na África do Sul (a qual, nas suas doutas palavras, "continua dividida entre brancos ricos e pretos pobres"). Outros blogo-opinadores idem. E alguns, mais "cultos", ecoam uma patacoada (mais uma) do (ex?)ícone Zízek (outro para quem nada mudou - até porque os EUA são o motor da história, a história, o motor, dela também o demónio. Sendo dela pó os que o, ao Zizek, aplaudem).

 

Enfim, nada de novo entre os Açores e a Madeira.

publicado às 13:45


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