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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
É mera superstição matemática isto de acharmos que após determinado número de dias acaba qualquer coisa, um ano por exemplo, e que devemos fazer rescaldos do que se passou no último naco de tempo, para a este impor marcas. Também é certo que a vida sem estas coisas, superstições e marcações, teria menos piada. Por isso mesmo escolho a personalidade moçambicana do ano.
Certo que num ano tão complexo para o país muitos poderão olhar outros redutos do social. Para mim a personalidade pública que mais se destacou foi a Associação para o Desenvolvimento Cultural Kulungwana: constante no apoio privado (ainda que não economicista) às artes plásticas, com um painel cuidado de exposições e de colaborações; muito bem sucedida na realização do Xiquitse - temporada(s) de música clássica em Maputo, algo cada vez mais sedimentado, descentralizado e com público local. Mas mais do que tudo com a belíssima iniciativa, investimento, de participar na 6ª Feira de Arte de Joanesburgo, aí apresentando uma boa exposição, “TempoRealTime”, fotografias de Filipe Branquinho, Mario Macilau e Mauro Pinto. Belos trabalhos excelentemente apresentados, numa acurada curadoria de Berry Bickle. A mostrar um caminho cosmopolita, na realização e na produção, que urge nas artes moçambicanas. E, sem qualquer hesitação, no resto das actividades nacionais.
Por isso aqui fica a minha vénia à Kulungwana!
[A galerista, Mário Macilau, Cita Vissers, Sónia Sultuane, Glória dos Santos, Paulo Alexandre]
Na Kulungwana inaugurou ontem a colectiva de fotografia Mulheres Descortinando, 10 obras de 5 fotógrafos [Berry Bickle, Cita Vissers, Glória dos Santos, Mário Macilau, e Paulo Alexandre], desafiados pela Sónia Sultuane para desvendarem a a matéria das mulheres, a procura do não-óbvio. Coisas muito díspares de gente que também o é nos seus percursos. No final algo muito bem conseguido.
Dois trabalhos fantásticos, duas não-danças apaixonantes, de Berry Bickle ("Os laços que nos unem I" e "Os laços que nos unem II"), que nem admitem nem precisam de mais que se lhe diga. No restante fico com dois retratos etnográficos de Cita Vissers, um traço que lhe é também característico, atentos ao detalhe ("Caminhos") e à harmonia da composição ("Maternidade"), uma bela encenação do corpo sempre-reconstruível de Glória dos Santos ("Subtil Destruidor"), que para além do interesse objectivo surge em desafio à temática do "Descortinar", pois afinal quase tudo ve(n)dando por via de sombras e ângulos. E o Paulo Alexandre a surpreender, e bem, com duas conseguidíssimas composições, a real matéria no "Sou mulher" e um sumptuoso "Eu" (sumptuoso é o termo ..).
As cortinas que lá estão são um bocado redundantes, mas não é isso que tira o mérito ao conjunto. A ir ver. Eu fui ontem, na estreia, tirei a fotografia (com o Nokia, claro) que ali está acima. Berry Bickle não está em Maputo, virada que está para a Bienal de Veneza.
jpt
Na galeria Kulungwana (na estação dos CFM) uma mostra colectiva organizada por Berry Bickle serve para assinalar o fim das férias, uma mescla heterogénea que bem merece a visita: Idasse, Shikhani, Sitoe, a própria Berry Bickle, Famós, Victor Sousa, Jorge Dias, Ulisses Oviedo e Malangatana. Gostei particularmente dos "rizomas" de Jorge Dias, um inteligente regresso às suas instalações, e da surpreendente (para ele excêntrica) obra de Sitoe.
Bem estava Malangatana, ali avisando que está de viagem até à Universidade de Évora, onde receberá o doutoramento honoris causa em meados deste mês. Apadrinhado por Marcelo Rebelo de Sousa, seu conhecimento bem antigo. Aqui fica a reprodução de um quadro dessa década
["Nu com Crucifixo", 1960]
Nota: Imagem reproduzida de Okwui Enwezor (org.), The Short Century. Independence and Liberation Movements in Africa, 1945-1994 (Prestel, 2001). Se pressionada aumenta, para melhor visibilidade.
Já foi há quinze dias, mas fica aqui o registo. A curiosa iniciativa "Karl Marx dezoito trinta quatro". Na prática Mabunda, o cada vez mais celebrizado escultor de armas recicladas e ferro-velho, transforma a sua casa em galeria e abre a porta para uma colectiva, uma óptima forma de "receber". Não foi a primeira vez. Na altura da primeira (Março 2009) escapara-me a iniciativa
que juntou três gerações: o próprio Mabunda, Mauro Pinto, Idasse e Reinata.
Desta vez Mabunda e Mauro Pinto repetiram e juntaram-se-lhes alguns outros artistas (ver convite). A casa cheia de obras, algumas muito recentes (fotografias frescas do Mauro - que tinha um quarto para ele - por exemplo) outras já conhecidas mas sempre a recordar (como a bela série de Berry Bickle). Estava pois a casa cheia e também de pessoas, que o sábado à tarde foi dia de KM 1834. Quem abrilhantou a cena foi o agrupamento "Sem Crítica", com música e declamações ("coisas" como eles dizem que fazem). Deixo três pobres fotos para memória, alguns deles tocando diante do Cristo de Mabunda (no chão) e ombreando com o fantástico Músico de Titos Mabota (abaixo em grande plano)
KM 1834 é uma bela onda. Não só por poder juntar as pessoas com as obras (e as pessoas com as pessoas, e as obras com as obras). Mas porque desinformaliza um meio que aqui tende, muitas vezes, ao pomposo. A repetir, espero. Assim para que fiquemos no meio dos estranhos mundos que nos propõem, assim pelo menos durante algum tempo saindo das nossas próprias estranhezas ...
jpt