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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Também aqui se tem falado de emigração portuguesa. E, mais recentemente, da que vem acontecendo para Moçambique. Neste assunto é comum referir-se a tradição portuguesa de galgar mares, um "modo português de estar no mundo", a predisposição para emigrar, um "àvontadismo" como se que cosmopolita. Dois dedos de conversa sobre o assunto e já estamos de novo no Camões e no antanho de ouro, como se a história marcasse o ser e o estar do futuro, dos homens de hoje. Conversas culturalistas, que valem o que valem (para quem não estudou destas coisas, o culturalismo é uma teoria científica que consiste em afirmar que "prognósticos só depois do jogo").
Nisso de se olhar o passado, e nele se ver inscrito uma tendência estrutural portuguesa para a emigração, um "fado", se se quiser, ocorre sempre o argumento literário. A mim, e por isso mesmo, ocorre-me citar Bocage. E cito-o, também para pensar o hoje:
"Despedindo-se da pátria, ao partir para a Índia
Eu me ausento de ti, meu pátrio Sado, Mansa corrente deleitosa, amena, Em cuja praia o nome de Filena Mil vezes tenho escrito e mil beijado:
Nunca mais me verás entre o meu gado Soprando a namorada e branda avena, A cujo som descia mais serena, Mais vagarosa, para o mar salgado:
Devo enfim manejar por lei da sorte Cajados não, mortíferos alfanges, Nos campos do colério Mavorte;
E talvez entre impávidas falanges Testemunhas farei da minha morte Remotas margens, que humedece o Ganges."
ou ainda
"Vendo-se longe da pátria e perseguido pela fortuna
Já por bárbaros climas entranhado, Já por mares inóspitos vagante, Vítima triste da fortuna errante, 'té dos mais desprezíveis desprezado:
Da fagueira esperança abandonado, Lassas as forças, pálido o semblante, Sinto rasgar meu peito a cada instante A mágoa de morrer expatriado:
Mas ah! Que bem maior, se contra a sorte Lá do sepulcro no sagrado hospício Refúgio me promete a amiga Morte!
Vem pois, ó nume aos míseros propício, Vem livrar-me da mão pesada e forte, Que de rastos me leva ao precipício!"
jpt
Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu quando os cotejo!
Igual causa nos fez perdendo o Tejo
Arrostar co sacrílego gigante.
Com tu, junto ao Ganges sussurrante
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da sorte dura,
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és ... Mas, ó tristeza! ...
Se te imito nos transes da ventura,
Não te imito nos dons da natureza.
(Bocage)