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Cahora-Bassa

por jpt, em 10.11.15

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O Diário de Notícias publica hoje uma notícia afirmando graves irregularidades na transacção da barragem de Cahora Bassa, um processo inscrito no acordo de independência de Moçambique e culminado em 2007 (com um episódio final em 2012). A notícia é muito problemática, por duas razões: a) vem daquela coisa do wikileaks, que ecoa informações diplomáticas, e como tal legítimas, americanas que foram roubadas. Ora quem usa produtos roubados, ainda por cima para ganhar dinheiro (vendendo jornais, publicidade, ou crescendo clics) é um receptor, exactamente como os tipos que compram aos ladrões a tralha que eles vão roubando de casas ou automóveis alheios. Assim sendo o diário de notícias passa a receptor, perde aqui as maiúsculas e nem leva o elo para a notícia que lhe cresça os clics; b) as mensagens que são ecoadas são meros telegramas diplomáticos, e nem sequer os verdadeiramente secretos. Em tempos li alguns desses (tive o azar de alguns, particularmente problemáticos, terem sido traduzidos no ma-schamba por um antigo machambeiro) e nunca são prova de nada, são apenas sínteses de conversas, um diz-que-diz dos "mentideros", às vezes só fumo, outras nem isso, outras afogueados, e outras, muito raramente, com brasa. Um pacote de atoardas, na sua maioria. E isto não é uma característica específica da diplomacia americana, como bem se sabe. 

 

Ou seja, num mundo ideal as pessoas virariam a cara para o lado, mudariam de página ou dariam "scroll down" a este tipo de notícias. Mas não vivemos num mundo ideal e as pessoas interessadas na saúde das suas sociedades mergulham, ávidas, neste tipo de informação, também porque sentem um défice democrático, administrações opacas. É por isso que tenho no meu mural de Facebook vários amigos moçambicanos a partilharem esta "notícia" que alude a, repito, graves irregularidades na transacção da propriedade de Cahora-Bassa do estado português para instituições moçambicanas, mediada por consórcios bancários em cujo cerne estava a banca portuguesa, e também a pública.

 

É isso mesmo que me interessa, o fenómeno da recepção pública deste tipo de notícias. A "notícia" sai hoje (porquê?) dia da queda do governo português e simbolicamente do regresso ao poder do partido socialista, esse que estava no poder naquela altura e que tanto interferiu e controlou a banca portuguesa, pública e portuguesa. E no meu mural de Facebook nem um dos milhares de contactos portugueses não-residentes em Moçambique, tantos deles tão eufóricos hoje com o anunciado regresso socialista ao poder, reparou, comentou ou  partilhou, naquela notícia. Porque desprezam a wikileaks? Nada disso, que se "pelam", à direita e à esquerda, para vituperar os americanos ou para "denunciar" reflexamente o que eles aludem. Não partilham, não atentam, porque gostam, se alimentam e orgasmam, com esta gente, e nada que lhes possa fazer perder o aparente brilho lhes apetece .... E aos outros chamam "fascistas"...

 

Adenda: Como quem leu o texto compreenderá eu não leio wikileakadas, acho patético todo o processo. Como tal não li a notícia, vi os cabeçalhos hoje sistematicamente partilhados pelos amigos moçambicanos (e/ou patrícios residentes em Moçambique). Por isso, ainda que surpreendido (como aliás também expresso no texto), julguei que a notícia era de hoje. Leitor atento avisa-me que não, que se trata de uma partilha generalizada de uma notícia antiga. Isto tem um efeito sobre o postal: retira a surpresa pelo facto de hoje não haver eco entre os portugueses (festivos ou não) da notícia. Mas por outro lado recorda uma coisa - a aludida confusão não teve qualquer efeito em termos de auto-reflexão na época. Em termos de imputação aos alheios (a "corrupta África Negra") teve-a em tempos, lembro-o bem. Mas não em termos de questionamento sobre as instituições nacionais. Como tal deixo o texto assim.

 

publicado às 17:07

 

Dams, Displacement and the Delusion of Development: Cahora Bassa and Its Legacies in Mozambique, 1965 - 2007, o livro que Allen Isaacman e Barbara Isaacman publicaram em 2013. 

 

Com óbvia articulação a este temática falarão na próxima terça-feira no âmbito dos seminários do Departamento de Arqueologia e Antropologia da UEM.  A sessão leva o apetecível título de "A expansão dos tentáculos do império Sul-Africano: a desterritorialização da Bacia da Cahora Bassa".

 

Data: Terça-feira 25 de Março
Local: Anfiteatro 1502, FLCS, Campus-UEM
Hora: 10:05 ás 12:05h
Oradores: Professores Allen Isaacman e Barbara Isaacman
RESUMO:

Em 1965, quando Portugal propôs a construção de uma barragem em Cahora Bassa , as autoridades coloniais imaginaram que inúmeros benefícios fluiriam do projecto hidroeléctrico de 515 milhões dólares americanos e do ambiente que iria produzir . Estes incluíram a expansão da agricultura irrigada , o aumento da presença Europeia e dividendos em minerais, bem como a redução de cheias nessa região de chuvas imprevisíveis e às vezes excessivas.

Apesar destas declarações , as realidades no terreno obrigaram Portugal a modificar drasticamente a sua visão para a represa. Durante o período de construção, o progresso da luta de libertação contra o colonialismo Português em Moçambique tornou a barragem um ponto focal no âmbito de uma disputa regional mais ampla. Cahora Bassa se ​​tornou um projecto de segurança que o regime de minoria na África do Sul e da ditadura de Salazar em Portugal mascararam como uma iniciativa de desenvolvimento . Ambos viam a barragem e sua albufeira como um amortecedor poderoso que iria bloquear o avanço das forças da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e , por extensão, o Congresso Nacional Africano (ANC). Os regimes temiam que se a FRELIMO e os seus aliados fossem capazes de atravessar Rio Zambeze, eles teriam acesso relativamente fácil para ambas as principais cidades coloniais da Beira e Lourenço Marques, e para a fronteira Sul Africana.  

Em troca de assistência estratégica da África do Sul na luta contra a FRELIMO, Portugal concordou em exportar para a África do Sul a grande maioria da energia que Cahora Bassa iria produzir a um preço artificialmente baixo. Este acordo de 1969 transformou Cahora Bassa de um projecto da hidroeléctrico multidimensional para uma barragem cuja principal função era fornecer energia barata para as minas e indústria Sul- Africanas, a uma fracção dos preços internacionais aumentando desta forma a segurança energética de Pretoria. De maior importância, o acordo permitiu que o regime do Apartheid pudesse estender os tentáculos do seu império para a área da barragem, no coração da colónia, levando à desterritorialização de Cahora Bassa .

publicado às 12:58

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por jpt, em 04.12.07

Por ca (imensos blogs, ja repararam?):Ainda a "reversao" (que deliciosa semantica...!) de Cahora-Bassa: as contas no Bula-Bulices.Luis David coloca Jose Socrates como "como último colonizador africano. Queiramos ou não, a história haverá de registar quem foi o último colonizador a abandonar África.". Pelo menos retira o onus a todos os futuros portugueses por ca ...Chapa 100 ecoa surgimento do Instituto Superior de Artes e Cultura e, como brinde, deixa um retrato de geração do seu Maputo.Anuncio e pre-publicacao de livro de Policarpo Mapengo, no Ideias Subversivas: mas antes, Mapengo, temos quinta-feira ...Sobre a tal lei anti-tabagista ....

publicado às 07:18

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por jpt, em 04.12.07

Por ca (imensos blogs, ja repararam?):Ainda a "reversao" (que deliciosa semantica...!) de Cahora-Bassa: as contas no Bula-Bulices.Luis David coloca Jose Socrates como "como último colonizador africano. Queiramos ou não, a história haverá de registar quem foi o último colonizador a abandonar África.". Pelo menos retira o onus a todos os futuros portugueses por ca ...Chapa 100 ecoa surgimento do Instituto Superior de Artes e Cultura e, como brinde, deixa um retrato de geração do seu Maputo.Anuncio e pre-publicacao de livro de Policarpo Mapengo, no Ideias Subversivas: mas antes, Mapengo, temos quinta-feira ...Sobre a tal lei anti-tabagista ....

publicado às 07:18

A reversão

por jpt, em 26.11.07
Politicamente correcto. Crianças entregues na escola, rápido café com amigo colega em paternidade. Chispa de ironia, ele: "Ouve lá, tu que és um gajo culto" (ei-lo nela, o sacana) "explica-me lá o que é que significa reversão". Tartamudeio e fujo para um "a propósito de quê, pá?", "Então hoje não é o dia da reversão de Cahora Bassa?". "Bem ...", evoluo, e com ele no entre-sorrisos, "são estas palavras novas, assim tipo "empreendedor", "implementar", esses tipos utilizam-nas para parecerem finos". "Ok, ok", matamos ambos a conversa, antes do "a conta, por favor". E saímos, sorrio eu ainda, decerto ele (e ele é que é o gajo culto, entenda-se) também na via do seu dia, sorrimos a tanta ideologia no falar, nacionalismo de alguns, e esse ainda vá que não vá, o politicamente correcto de outros, e esse é que nem se compreende.



Sentar-me-ei, politicamente incorrecto?, a consultar a página 1247: "reversão (Lat. reversione), s.f. acto ou efeito de reverter; regresso ao estado primitivo; devolução; (Zool.) atavismo; (Ling.) figura de estilo que consiste em inverter a ordem dos termos de uma proposição, de modo a obter uma outra com sentido diferente; quiasmo." (Texto Editora, Dicionário Universal da Língua Portuguesa, 1995, 1ª edição).


Concluo então, Pedro, que "reversão" é uma figura de estilo económica. Chega? Ou será um quiasmo?

publicado às 07:01

Cahora Bassa

por jpt, em 13.11.06
Cahora Bassa. Já aqui e aqui saudei a conclusão do processo de transferência da barragem, um item do processo de negociação da independência, uma conclusão política para um (fantástico, aka extraordinário, aka descabido) empreendimento político. Saudando o final de um longo processo, saudando o governo português que, finalmente, resolveu o assunto.Deparo-me agora com a revista Visão, o numero anterior à visita de Socrates a Maputo, onde culminou as negociações.

 "Renascer em Moçambique", o título da pobre reportagem. Candura? Vácuo? A parvoíce habitual, jovens portugueses (entre 25 e 32 anos - neles algumas caras conhecidas) por cá, terra exótica e bela, vivendo aventuras, amores ardentes, empresas ascendentes. Capa condicente, casal com cabana atrás (e autóctones, presume-se que convenientemente agradecidos). Nada de novo, ha 8 anos por cá esteve Maria João Avillez a botar um "regresso dos portugueses" tão nada como isto, tão vazio e cego como isto (uma colecção de cromos preguiçosa, o tipo dos "gelados italianos", claro, o paradigma Cascais, esse que se baldou depois com as dívidas para trás, e uma série de jovens quadros de apelidos sonantes, tipo "vejam, nós tambem podemos ir..."). Gente nada, essa que escreve, gente de quem Rui Knopfli escreveu"Ninguém se apercebe de nada. / Brilha um sol violento como a loucura / e estalam gargalhadas na brancura / violeta do passeio. / É África garrida dos postais, / o fato de linho, o calor obsidiante / e a cerveja bem gelada. / Passam. Passam / e tornam a passar. / Estridem mais gargalhadas, / abrindo uma sobre as outras / como círculos concêntricos. / Os moleques algaraviam, folclóricos, / pelas sombras das esquinas / e no escuro dos portais / adolescentes namoram de mãos dadas. / De facto como é mansa e boa / a Polana / nas suas ruas, túneis de frescura / atapetados de veludo vermelho. / Tudo joga tão certo, tudo está / tão bem / como num filme tecnicolorido. / Passam. Passam / e tornam a passar. / Ninguém se apercebe de nada."(Winds of Change, tão bem lembrado no A Sombra dos Palmares).Gente pobre, ignara, a dos jornais? Lendo tralha destas logo assim se acha. Para quê coisas tão fracas, nem superficiais chegam a ser? Pergunta cansada, nem quer resposta tamanho o menosprezo que tal gente acolhe. Mas logo depois esta tralha simpática esta, jovens portugueses "a renascer em Moçambique", burgueses entre belas raias e boers escaldantes, tons ocres, descampados imensos, um futuro cobiçável (e repetível), um país simpático que os acolhe e tal permite, e a tantos outros, gente boa, "terra da boa gente". E assim os escaparates lusos cheios desta capa, nem precisam de comprar e ler, basta passar na rua, actua o implícito, o indito, o subconsciente.E na semana seguinte Socrates em Mocambique a "entregar" Cahora Bassa. Antes a opinião pública "preparada", trabalhada, mexida. Desta maneira melíflua. Ah, "renascer em Mocambique", entre raias, autóctones e terras assim. Gente pobre, ignara, a dos jornais? Nada!Um lixo. A Visão. Mas também quem os compra. Entenda-se, que lhes encomenda lixo destes. E quem lho consome.

publicado às 18:20

Cahora-Bassa

por jpt, em 08.08.06
Há alguns meses, aquando do anúncio público do final das negociações para a transferência de propriedade de Cahora-Bassa escrevi isto. A demora na conclusão do processo, independentemente da necessidade ou justeza dos procedimentos agora em curso [a prolongada avaliação do EUROSTAT sobre a venda da barragem e seu impacto nas contas públicas portuguesas], e sobre os quais nada sei ou compreendo e portanto não opino, é uma nuvem nas relações entre os países. E dá azo a críticas aos procedimentos portugueses (ou à falta de soberania portuguesa) que seriam, neste final de processo, absolutamente desnecessárias. E que decerto poderiam ter sido evitadas. Ou seja, houve má comunicação. Se entre os Estados ou com os públicos não sei. Mas houve má comunicação. A trazer desnecessárias nuvens. Que não chova, que não é estação disso ...

publicado às 08:42

Cahora Bassa aqui

por jpt, em 07.11.05
Ecos do acordo sobre Cahora Bassa na imprensa moçambicana:HCBSavana.jpgHCBDomingo1.jpgHCBDomingo2.jpg

Notório o carácter político, de afirmação nacional, de estabelecimento definitivo de uma soberania pós-colonial, que a questão assumiu. Não digo que a imprensa reproduza um qualquer "pulsar do povo", aqui como em todo o lado produz os valores do momento, mais ou menos instrumentalizados. Mas também é produzida pelos valores do momento. Estes que se foram sedimentando ao longo destes últimos anos.

A HCB, verdadeiro elefante branco de uma política colonial fora de moda, foi em seu tempo uma decisão política (e político-militar). O "se" em história não tem razão de ser, mas ainda assim seria necessário sonhar um santificado "Se" para imaginar que uma barragem iniciada em 1969 por um regime em total contramão da História pudesse vir a ser lucrativo para quem o realizou. Daí que para uma questão política se impusesse uma resolução política.

Quem visita o Ma-Schamba conhecerá a minha pouca simpatia para com o "quem manda" em Lisboa. Mas neste caso, depois de anos de negociação de uma questão política, fica-me o apreço (localizado) por quem no meu país se decidiu.

Cito, a concordar: "Contudo, será de esperar que findos os três dias de troca de cordialidades protocolares, Guebuza e Sampaio tenham dado um passo decisivo, mais próximo de uma solução definitiva. Tudo dependerá da capacidade negocial de ambas as partes. Mas, sobretudo, da vontade, determinação e coragem políticas dos líderes portugueses de verem encerrado um longo e tortuoso dossier colonial" (Fernando Gonçalves, Savana, 15.10.05).

****

Depois há as reescritas da história. As que virão no futuro e as que já aí estão. A norte podem-se ler algumas lamúrias contra a "entrega de Cahora Bassa" que seriam criticáveis se não acabrunhassem, por pura piedade com quem trinta anos depois ainda não seguiu a sua vida em frente.

E a sul, no sul daqui, um pequeno episódio exemplificativo, que ontem me narrava um amigo moçambicano, conversa de um bom almoço:

- Bolas, ontem quase que me acusavam de traidor.- Conta...- Eu, entre-risos, a dizer "hé pá, os tugas lá nos deram Cahora Bassa", e logo até ofendidos a repreenderem-me: "deram-nos não!! devolveram-nos!"

Enfim, nada de novo sob este sol. Sejam lá quais forem os meridianos.

Agora, e quanto a isto, o futuro pertence ... aos homens.

publicado às 11:09

...

por jpt, em 07.11.05

Sobre Cahora Bassa José Medeiros Ferreira escreve. Mas entre o enigmático e o abstruso. Pois não é apenas "mais um acordo" o que se assinou. Mas, e o que será mais interessante, não se percebe exactamente o que reclama aos "rigoristas das finanças" - que critiquem o acordo? Ou que (hoje) critiquem a construção da barragem? Mais estranho ainda, o que é que uma reflexão sobre Cahora Bassa terá a ver com o Euro-04 de futebol?

[Esta breve nota estaria mais apropriada nos comentários do Bicho Carpinteiro mas aquilo tornou-se um sub-mundo (os comentários, não o blog)].

publicado às 11:07

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As fotografias abaixo colocadas foram reproduzidas deste A Nossa Energia Abraça Moçambique. Edição comemorativa do 25º Aniversário da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, Lisboa, HCB, 2000 [texto de HCB e João Pedro Chaby; fotografias de Carlos Alberto Vieira, Eduardo Gajeiro, Guy Tillim]

Um livro objecto algo deficitário, note-se. Um texto institucional em demasia, perdendo a hipótese de uma reflexão mais vasta sobre o processo decisório e executivo da construção da barragem, bem como do enquadramento no plano colonial (serôdio) de desenvolvimento do vale do Zambeze. E também sem grande detalhe na relativa centralidade da barragem durante a guerra civil. Não quero exagerar nas críticas, o livro é comemorativo, mas ainda assim algo de menos formal poderia ter ali germinado.

Pior ainda, o tratamento gráfico. Uma capa pouco explícita. Uma legendagem lamentável, confusa, incompleta e tantas vezes não datada. Uma paginação penosa, atafulhada de imagens, tudo típico de quem não sabe editar fotografias. E, imagine-se, estas não identificadas. É preciso ir saber fora quem fotografou o quê: Gajeiro ou Carlos Alberto? Surreal mesmo um capítulo "Iconografia", tipo "As gentes da albufeira" entre a capulana garrida e a maminha ao léu, uma busca do "típico" que seria anacrónica se não fosse mero mau-gosto totalmente descabido nos dias de hoje. [Já agora, os construtores da barragem não surgem, não são eles também "gentes da albufeira"? Ou não foram fotografados?].

E para que não se diga que exagero aqui fica este fragmento da "Nasce o dia em Cahora Bassa", uma pirosice é certo. Mas foto a merecer mais do que ser deixada em duas páginas completas e onde a mulher, ali cerne, está exactamente na divisória. Quase-invisível, como é óbvio, coisa que seria do mais amadorismo se não fosse mesmo apenas desprazer no trabalho.

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Ou seja, seja a administração que em breve irá cessar, seja a próxima, bem poderão deixar memória destes primeiros trinta anos de barragem num livro que lhe faça justiça. Diz quem gosta de livros, claro.

publicado às 11:03

Cahora Bassa

por jpt, em 07.11.05
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1. Vista geral da zona de construção da barragem (s/d).2. Escavações e betonagem dos encontros e fundação da barragem (s/d).3. Barragem. Ponta da cheia em Março de 1974.4. Betonagem dos blocos e vista da ensecadeira da tomada de água Norte (s/d).5. Descarregadores abertos (Dezembro de 1974).6. Vista da barragem com descarregadores abertos (Dezembro de 1976).

publicado às 11:00

Cahora-Bassa

por jpt, em 02.11.05
Fim de negociações (daqui a 15 minutos)? Até que enfim ... (e já se pode dizer isto sem parecer menos português.)

publicado às 11:22

Cahora Bassa, por Marcelo Mosse

por jpt, em 09.04.04

Tenho com Marcelo Mosse uma relação ambivalente. Gabo-lhe a inegável coragem intelectual e física, que faz deste ex-puto um tipo a respeitar. Torço o nariz a alguns desvarios que nem a ex-puto se deveriam perdoar (e sei muito bem do que falo, que até a mim já me calharam). Mas enfim, acho que o positivo se impõe e bastante.Mesmo assim fiquei surpreendido com o artigo de hoje do Público. Surpreendido porque muito pela positiva, pela excelência.

[A ler obrigatoriamente, esteja lá onde estiver o leitor. O negrito é meu]

O Outro Problema de Cahora Bassa

Por MARCELO MOSSE

Sexta-feira, 09 de Abril de 2004

O futuro da Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB) não pode ser visto apenas pela perspectiva da maximização do lucro com a venda de energia eléctrica e do saneamento financeiro em função da dívida pública portuguesa, como pretendem os governos de Moçambique e de Portugal. Há uma componente social e ambiental quase catastrófica que, porventura, é pouco conhecida em Portugal e que, no seu auto-elogio enquanto negociador do intricado diferendo tarifário com a Eskom sul-africana, Luís Mira Amaral descurou completamente, num texto publicado na última edição do semanário "Expresso" (3 de Abril de 2004).

Convenhamos que as tarifas que a Eskom (companhia de electricidade sul-africana) vem pagando pela energia da HCB (durante muitos anos situadas em 2 cêntimos de rand/kwh) eram absurdas do ponto de vista custo-benefício (sendo fundamental a subida para 12,5 cêntimos de rand/kwh em 2007, em função do acordo recente, louvando-se, por isso o esforço negocial). Convenhamos também que continua a ser absurdo que Moçambique compre à Eskom a energia que produz, situação herdada do perfil colonial, que hoje perdura, de economia ao serviço da República da África do Sul.

Também foi absurda a destruição das torres de transmissão durante a guerra, como é absurdo que cerca de 90 por cento da população moçambicana não tenha ainda acesso à sua própria energia eléctrica. É igualmente absurdo que o empreendimento da Mozal tenha preferido comprar energia térmica e mais cara à Eskom, ao invés de usar Cahora Bassa, numa jogada estranhíssima engendrada pelas elites políticas e económicas de Maputo.

De acordo com Mira Amaral, a única coisa que preocupa Portugal relativamente a HCB é a garantia das condições para a sua viabilização económico-financeira, e apenas isso, e só depois é que haveria condições objectivas para a transferência da posição accionista de Portugal para Moçambique. Todo o perfil negocial sobre Cahora Bassa, na visão de Mira, assenta nessa maximização dos "cash flows", pois esse é o "grande problema nacional" português.

Por outro lado, Portugal, daqui para frente, estará apenas interessado a "negociar questões jurídicas, técnicas e económicas de grande complexidade e também discutir qual a percentagem com que Portugal com que ficará na HCB em nome da cooperação Portugal-Moçambique".

É terrível esta ditadura de cifrões à volta da HCB.

É imensamente terrível quando sabemos que a HCB é também uma grande fonte de problemas para Moçambique, fonte de pobreza e instabilidade social, uma vergonhosa externalidade contra o sistema ecológico local e regional e mundial. Esta é uma componente que tem vindo a ser esquecida nos longos anos da HCB e que não mereceu uma linha sequer, uma palavra por mais que escassa, do brilhante negociador.

Se o seu texto no "Expresso" é uma espécie de prestação de contas sobre essas negociações quase que secretas à volta de um empreendimento público luso-moçambicano (um secretismo que leva os moçambicanos a interrogarem-se sobre se a HCB vai, no futuro, continuar propriedade pública ou será "alienada" por interesses político-privados do eixo Maputo-Pretória), é ensurdecedor o silêncio de Mira Amaral quando à gestão ambiental da hidroeléctrica.

E Portugal tem responsabilidades a este nível.

A conclusão de Cahora Bassa em 1974 interrompeu as cheias anuais do rio Zambeze, os fluxos normais, e mudou os hábitos da população que vivia nas proximidades das várzeas. Antes de Cahora Bassa, o Zambeze inundava vastas áreas da sua bacia, incluindo o delta, as quais permitiam uma série de actividades de subsistência beneficiando mais de um milhão de camponeses. Com a sua conclusão, a bacia e o delta passaram a receber apenas 80 por cento das águas, estas reguladas através de comportas e com um caudal muito abaixo da média normal do período antes da regulação.

Como consequência, o regime hidrológico natural alterou-se completamente. O actual cenário no delta é de seca generalizada em longos períodos do ano. Estudos recentes mostram que as mudanças na hidrologia resultaram na perda de mais de 25 por cento dos habitats naturais do delta em 30 anos, causando uma queda drástica na ordem dos 95 por cento da fauna. Por outro lado, estima-se que a pesca industrial do camarão num distrito da Zambézia, junto ao delta, se reduziu drasticamente, dadas as dificuldades de regeneração da sua população em função da alteração ecológica causada.

Sabe-se que durante duas décadas, a barragem operou como uma anomalia permanente no "continuum" do rio Zambeze e, em 1996, logo que a paz o permitiu, um reconhecimento aéreo evidenciava claramente o impacte ecológico da sua negligente administração. Não mencionamos os prejuízos na pesca semi-industrial e artesanal em outras regiões sob a influência da hidrologia do Zambeze; da pesca artesanal nas terras húmidas, restringida agora aos leitos dos rios; da agricultura de subsistência a montante e a jusante.

A organização ambientalista moçambicana Justiça e Ambiente considera que a perda do padrão das cheias no Zambeze resultou da "má administração das águas da albufeira da Cahora Bassa". Um estudo realizado por Richard Beilfuss para a World Comisson of Dams refere que, depois de longos anos de má gestão, a situação no delta é dramática e muito terá de ser feito para se restabelecer os seus equilíbrios.

Mas isto passa por uma transição das abordagens meramente económicas para um quadro analítico que considere o profundo valor cultural e ecológico que o Zambeze representa para Moçambique, para a bacia do mesmo nome, que cobre oito Estados da região e para o mundo. Passa por negociadores brilhantes como Mira Amaral demonstrarem um pequeno pedaço de consciência ambiental.

Numa época em que as questões ambientais têm manifestações locais mas repercussões mundiais e em que as sociedades civis actuam transversalmente à escala internacional, dado o carácter internacional da gestão económica e dos seus efeitos no equilíbrio ecológico global, parece-nos justo exigir um esclarecimento público por parte da administração da HCB, e dos governos português e moçambicano uma informação actualizada sobre a gestão ambiental da hidroeléctrica.

Como membro da União Europeia, que se rege por princípios de economia ecológica e de governação sustentável, estabelecidos justamente em Lisboa e donde ressalta o princípio da responsabilidade ("o acesso aos recursos ambientais acarreta a responsabilidade de os utilizar de um modo ecologicamente sustentável, economicamente eficiente e socialmente justo"), Portugal é obrigado a dar uma explicação sobre todo o historial de degradação ambiental proporcionada pela HCB. Eis, pois, uma belíssima oportunidade para que os eurodeputados portugueses em Bruxelas, que levantaram questões sobre o tráfico de órgãos humanos em Moçambique, também chamem a atenção para este assunto. Em nome dos princípios de Lisboa.

publicado às 15:11

Cahora-Bassa

por jpt, em 02.03.04

 
(foto retirada de "A Nossa Energia Abraça Moçambique", HCB, 2000; lamentavelmente sem individualização da autoria de cada fotografia).
 

 

Como antes referi em alguns blogs discute-se a Ajuda Pública ao Desenvolvimento portuguesa. Nesses casos surge integrada a questão de Cahora Bassa, como ilustração de algum deficit de capacidade de realização, mas em termos algo deslocados.

 

Por um lado, porque Cahora Bassa não pode ser considerada APD (no jargão, cooperação). Pesem embora os continuados esforços dos sucessivos governos portugueses em integrar nessa rubrica os gastos com a manutenção da empresa que gere a barragem, ao invés das considerações internacionais (em especial da OCDE) sobre a matéria - diga-se até do algum mal-estar que essa prática veio a causar.

 

Por outro lado também a realidade actual da Hidroeléctrica de Cahora-Bassa não corresponde exactamente ao que foi referido (natural, não sendo o cerne das preocupações dos blogoescribas em causa).

 

Finalmente afigura-se que se aproximam, até que enfim, momentos de transformação bem positiva (para Moçambique e para Portugal) da situação da empresa.

 

Para retocar alguns pormenores, mesmo que marginais ao cerne da questão "cooperação", aqui me recorro de um recente artigo da autoria do meu amigo António Botelho de Melo, cronista contínuo, algo corrosivo e, até, visita regular destas Ma-Schamba.

 

CARPE DIEM

Por António Botelho de Melo

(publicado originalmente na revista "QP", nº 32, Dezembro 2003/Janeiro 2004, Maputo)

 

A história tem destas coisas: a descida do dólar e a subida do rande poderão vir a ser o elemento crucial que vai viabilizar em 2004 uma “velha” aspiração moçambicana: que a Hidroléctrica de Cahora Bassa, empresa de capitais maioritariamente portugueses e que explora o complexo hidroeléctrico na parte moçambicana do rio Zambeze, passe a ser um património sob gestão dos moçambicanos.

 

Das várias curiosidades esotéricas da experiência colonial portuguesa em África, sempre houve duas que me fascinaram no caso de Moçambique. Uma, foi o genial mas patentemente inexplicável investimento que António de Oliveira Salazar, o emblemático ditador português e principal responsável por mais uma descolonização extemporânea, permitiu que um seu grande amigo, o Engº Trigo de Morais, fizesse nos anos 50 naquilo que nos tempos chamavam o Colonato do Limpopo e que hoje dá pela designação menos imperialista de Chókwé. Conhecia vagamente o complexo pois aquilo nos anos sessenta estava cheio de açorianos e os meus pais, oriundos das ilhas atlânticas onde Gungunhana usufruiu um bucólico exílio, iam lá uma vez por ano ver um casal (apropriadamente, simpático mas analfabruto que bastasse)que plantava tudo e mais alguma coisa. As visitas eram valentíssimas secas, eu ficava o dia inteiro na barragem a ver os jacarés, e voltávamos para casa com sacos enormes de feijões, favas e pão doce que depois levava penosos meses de uma dieta a martelo para acabarem. Há coisa de dois anos, para oferecer ao Luis Trigo de Morais, um seu descendente, comprei num alfarrabista em Lisboa um livro publicado nos anos sessenta, o qual relata toda a saga do Engº Trigo de Morais, que foi de facto uma grande personalidade. Creio que está sepultado perto da barragem.

 

O outro foi Cahora Bassa, a grande barragem, central hidroeléctrica e um gigantesco lago atrás, construído em Tete em plena guerra de libertação, com toda a pompa do regime (até havia uma marca de cigarros com o seu nome) e cujo único cliente de renome era, e é, até hoje, a África do Sul – ou melhor, a Eskom. Azar para o governo português (o de hoje herdou os activos e alguns passivos do regime anterior), ficou dono de 82 por cento da empresa, mudou o “Cabora” para “Cahora” no papel de carta (“acabou o trabalho”, na língua da região)e procedeu a cumular dois mil e tal milhões de dólares em dívidas, pois, com as vicissitudes depois de 1975, a economia parou e aquilo só gerava muita despesa e nenhuma receita.

 

Bom para vender, como diria o escritor Eça de Queiroz. Mas, por razões óbvias, durante décadas ninguém quis comprar e o governo português ficou a segurar o saco.

 

Devido à dívida acumulada, e bem feitas as contas, contabilisticamente a HCB (sigla que hoje descreve a empresa, que figura no topo das empresas a operar em Moçambique) se calhar valerá pouco mais que nada – mas logo se verá quando os accionistas portugueses receberem a avaliação que encomendaram à UBS.

 

Entretanto mudaram-se os tempos, mas não os equívocos. As sucessivas administrações foram gerindo o processo enquanto possível. Mas na base a estrutura do negócio permanece a típica de um elefante branco da era colonial que simplesmente não se logrou resolver.

 

Até agora, quero dizer. Vejamos os principais interessados. Moçambique creio que teve uma posição consistente de querer desempenhar um papel mais preponderante na gestão dado ser aquele um dos grandes recursos nacionais e onde portanto os moçambicanos deveriam ter mais dizer. Estando em paz e na senda de um desenvolvimento que se crê profícuo nas próximas décadas e com necessidades significativas de água e energia (recursos estratégicos no século XXI), crêm-se criadas as condições para uma rentabilização e gestão alternativa credíveis deste recurso que é o complexo em Tete.

 

A África do Sul, que está a entrar na fase do após o pós apartheid, e também com a sua quota de “passado colonial”, e que quer energia boa e barata, tem posto a sua pressão (tem dado todos os indícios disso, incluindo o pagamento dos famosos 3 cêntimos de rande por quilowat, o que dá para rir) e incluiu o misterioso aparecimento recente, na imprensa sul-africana, de alguns curiosos artigos, o mais politicamente correctos possível, a chamar todos os nomes possíveis aos portugueses e a exortar os tugas a resolverem o assunto. Touché.

 

Em Portugal a HCB, que estava perdida algures no meio da burocracia governamental como um investimento do Estado, pouco mais serviu que para acumular dívidas, arranjar alguns empregos porreiros (exceptuo alguns magníficos técnicos que ajudaram a fazer aquele um grande empreendimento a qualquer titulo) e envenenar as relações com Moçambique e, em parte, com os sul-africanos.

 

De boas intenções está cheio o inferno. E de facto perdura no ar há muito tempo um sentimento que, aparte do restante investimento português cá, esta é uma festa para que não foram extactamente convidados. Mas, no mundo real, as soluções resultam quase sempre de consensos sobre como melhor resolver os problemas. E agora é a altura:

 

a) Moçambique finalmente, e claramente, reúne todas as condições para assumir um papel mais preponderante que reflicta o interesse nacional; o sector da água e energia já é, e pode vir a ser mais, o motor do arranque da criação de riqueza e empregos no futuro, num contexto regional; b) a África do Sul está numa posição única do ponto de vista financeiro: tem a necessidade, tem a moeda quase mais forte do mundo em termos cambiais, e capacidade de endividamento mais que suficiente para entrar em qualquer negócio a um bom preço e, correctamente, olhar para Moçambique como o vizinho que pode e deve vir a ser um parceiro estratégico; c) Portugal está com a corda na garganta como nunca esteve, fiscal e financeiramente, e, se só por isso, deveria estar mais predisposto a negociar uma alienação de algum do seu capital social na HCB a um preço amigável. Adicionalmente, creio que a resolução do dossier HCB seria um contributo positivo para algum desanuviamento e um relacionamento menos atribulado com Moçambique; d) As taxas de juro internacionais estão a níveis historicamente nunca vistos e há imenso dinheiro por aí à procura de bons investimentos. A HCB, que nunca foi um bom investimento para Portugal, poderá vir a ser um bom investimento e nessa base, deveria atrair capital e investidores. e) uma actualização das taxas cobradas pela electricidade para preços de mercado geraria as receitas que sustentariam de forma mais que adequada a compra de 32.01% das acções pelos moçambicanos (resultando nos mágicos 50.01% de capital, ou controlo do empreendimento) e ainda a liquidação de boa parte dos 2300 milhões de dólares da dívida que o governo português - bem ou mal - acumulou desde 1974.

 

Havendo bom senso e uma visão histórica e empresarial das partes envolvidas, creio que há neste momento o contexto e as condições para estruturar um negócio que a todos convenha.

 

Esta é a altura. Portanto, como diziam os velhos romanos. carpe diem.

publicado às 15:42


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