Eis o anúncio da publicação, que está para muito breve na Imprensa Universitária, do primeiro blook em Moçambique: o
Diário de Um Sociólogo.
Saúdo, claro. E também porque
Carlos Serra surge no bloguismo moçambicano como a hipótese de uma ruptura nas formas de utilização deste meio.
Durante bastante tempo o bloguismo moçambicano [ou algum do dedicado a Moçambique] (do qual tenho uma listagem algo abrangente na coluna de elos do velho
Ma-Schamba, incluindo activos e descontinuados) estava algo delimitado. Com a óbvia excepção do
Apassarado, do Eduardo White (infelizmente de muito curta duração) e, muito depois, do aqui inovador e inusitado registo brejeiro do
Clube dos Malandros, os blogs mais perenes oscilaram entre dois pólos: o privilegiar da fotografia-mostra, de pendor turístico e até, quantas vezes, saudosista (algures escrevi sobre a angústia que me causa tanta fotografia institucional - pois há paisagens que são instituições! - legendada com os nomes de antanho); e a reflexão política, onde os textos apresentados passa(va)m pelo crivo de um controle de linguagem, até jargão, pela sua completude e coerência, ou seja almejando a "dignidade" linguística. Um pouco como a transposição para os blogs de uma linguagem considerada "correcta", querendo a sacralização da palavra escrita quando pública, o afirmar da figura do opinador-intelectual pelo peso (literal) do discurso. Tem muito a ver com o "ambiente moral", claro, mas também (e talvez acima de tudo) com a linguagem de jornal dominante, ainda que os jornais moçambicanos tenham vindo a mudar bastante de linguagem nos últimos anos, por força da sua diversificação e do surgimento de muitos novos cronistas e opinadores. E com isto significo, também, alguma modernização da retórica.
Exemplo disso são os textos presentes no
Ideias Para Debate, um blog de participação plural normalmente inserindo textos densos. Lembro que no início do IpD me atrevi, em comentário, a discordar desta tendência (o
Machado "faz o favor de ser meu amigo" [uma bela expressão que urge recuperar], uma amizade feita de uma recorrente discordância, o que então me deu alento para tal atrevimento).
Entenda-se, não contesto a pluralidade de formas de construir textos e reflexões, e portanto das formas de aparência erudita. No caso do IpD que muito aprecio ou noutros. Nem tampouco acho que há uma forma de blogar.
Mas esta "seriedade" in-blog colocava-me três pontos: os pressupostos da retórica densa, e a sacralização que se lhe associa. Mas, fundamentalmente, outro tipo de questões, que divido em duas alíneas: uma de pragmática, de logística - o espartilho do texto longo ("erudito", completo, de tese) muito dificulta a prática bloguística (quem tem tempo? quem tem talento? quem tem verve?), surgindo então como um obstáculo "moral", intelectual ao bloguismo como democratização da palavra pública; a outra, mais profunda, é que esse espartilho constrange o desenvolvimento de formas mais leves de escrever, ou seja de observar, pensar e opinar. E mais leve não sinónimo de mais superficial. Do apontar coisas esparsas, extractos, jogar com as induções. Em mero chavão, com laivos de pós-modernos.
A estas modalidades de escrita bloguísticas não as acho, portanto, algo ilegítimas. Mas penso-as aqui algo constrangedoras da utilização de blogs, produtores de "envergonhamento". Indutores do fim de alguns blogs episódicos? Refreando o surgimento de outros? Não sei, nunca o saberei, apenas especulo. E certo que este raciocínio muito sofre com o surgimento do
blog do André, ainda hoje o meu blog moçambicano preferido e causa externa do fim do ma-schamba velho (é assim que eu gostaria de blogar aqui, é aquilo que o ma-schamba velho falhou).
Mas com
Carlos Serra as coisas são algo diferentes. Serra, catedrático e dono de obra académica vasta, tem nesse registo uma escrita dura, é o modelo do erudito aqui (o prefácio de
Elísio Macamo à reedição dos "Combates pela Mentalidade Sociológica", feito praticamente só em notas de rodapé é uma deliciosa glosa, em registo de humor-companheiro, ao estilo de Serra). Ou seja Serra surge no bloguismo com o capital sossegado quanto ao texto e à reflexão. E o facto de, sobre esse estatuto, surgir a "largar" extractos, ideias, frases, apelando às interpretações e entendimentos num código de rapidez e de aparente simplicidade (como é muito recorrente no bloguismo) associado a esse reconhecimento público que tem é um grande passo para o descontrangimento do exercício plural da palavra pública. Leve se se quiser. Profunda se se quiser. Ou não.
E nada pior do que um texto longo, de tese, para o saudar. Como este. Ao blog, à atitude. E ao blook.