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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Hoje sexta-feira acontecem os 110 anos da morte do enorme Rafael Bordalo Pinheiro. No agradabilíssimo museu que lhe é dedicado (ali ao Campo Grande, na falda do glorioso estádio de Alvalade), casa diligentemente dirigida por João Alpuim Botelho, acontecerá sessão evocativa (e espero que invocativa) do gigante. Participarão os mestres António, Bandeira e Nuno Saraiva, dele descendentes, que são as pessoas que vou ouvir. Espero encontrar visitantes do ma-schamba.
Muitos continuam a perorar sobre a islamofobia da "CH", dizendo a revista monopolizada pelo anti-islamismo, uma xenofobia explícita. Boaventura Sousa Santos replica hoje a lenga-lenga: " o Charlie Hebdo não reconhecia limites para insultar os muçulmanos, mesmo que muitos dos cartoons fossem propaganda racista e alimentassem a onda islamofóbica e anti-imigrante". É certo que há quase uma década a revista era alvo de ataques e ameaças dos radicais políticos islâmicos e isso poderá ter provocado nos seus autores uma reacção altaneira, um crescendo de atenção/reacção provocatória - nenhum dos agora acusadores, esse amplexo cristo-multiculturalista (um verdadeiro "Compromisso Histórico"), fala disso, reduzindo tudo à tal imputação de xenofobia. Esta linha de análise não é uma mera desatenção sobre o contexto de produção de revista, é uma verdadeira desonestidade intelectual
Entretanto deixo algo de 2014, apropriado ao Natal, que a "CH" publicou. Para mostrar o quanto a produção satírica da revista era monopolizada pela sanha anti-islâmica, pela xenofobia radical anti-"outros", pela arrogância hipócrita dos "valores ocidentais".
Ontem, 7 de Janeiro de 2015 foi um (outro, mais um) dia terrível para o mundo em que andamos. O atentado a um jornal no centro de Paris pelo que simboliza não pode ser tolerado e também não merece adjectivações por óbvias que são e já esgotadas que foram nas últimas horas por tanta gente por esse mundo fora. Este atentado (outro, mais um) é tão só um ataque ao modo de vida dito ocidental em que a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, traduções da liberdade de pensamento, são valores fundamentais e, portanto, indiscutíveis. Pode gostar-se mais ou menos, pouco ou mesmo nada de publicações como o "Charlie Hebdo" mas matar a sangue frio quem desenha escreve, cria, denuncia, critica, é um passo atrás naquilo em que acreditamos, uma nova ordem em que a violência valerá mais que a palavra, que o medo se sobreporá a tudo e a todos. Podemos considerar de gosto duvidoso as bonecadas que o hebdomadário publicava consoante toquem nas nossas "coisas", nas nossas " causas" ou apreciar o brilhantismo dos seus autores quando a sátira se dirige aos nossos adversários, temos direito a não concordar e a considerar de mau gosto a linha editorial do "Charlie" mas nada disso justifica entrar de AK 47 na redacção e executar quem se encontrar na linha de fogo como resposta razoável a críticas às suas crenças ou usar esse pretexto último para mascarar a sua própria essência, a de assassino. Assassinos, é o que são, nada mais. Assassinos cruéis, impiedosos e preparados como se provou quando enfiaram uma bala na cabeça do policia Ahmed Merabed já antes atingido e estendido no chão. Assassinos, nada mais que isso.
Ontem quando vi as primeiras notícias sobre o atentado lembrei-me de Nietsche que dizia mais ou menos por estas palavras que na luta com o monstro devemos cuidar de não nos tornarmos igual a ele. De seguida escrevi esta lembrança no Facebook e repito-o hoje, mas o que sobra desta ideia e do que aconteceu é uma simples questão para a qual não encontro resposta: o que fazer, como fazer? A única coisa que sei é que o medo não pode cortar, limitar, a liberdade e não pode ser o terror a estabelecer os limites do respeito e sobre esse muito se teria de discorrer. Imagine-se que o cartoonista português António e os seus colegas de redacção tivessem sido abatidos por radicais, desta feita católicos, à conta do extraordinário "boneco" do preservativo no nariz do Papa João Paulo II (publicado no "Expresso" em 1993) considerado como ofensivo e de mau gosto por muito boa gente. Quais as consequências? E se a fatwa lançada sobre Salmon Rushdie (Versículos Satânicos) pelo ayatollah Khomeini tivesse sido efectivada quais as consequências? E quais consequências deste atentado? As respostas às maiores provocações - não violentas em sentido vulgar - não podem ser a facada, o tiro, o morteiro, o míssil. Não parece assim de repente que caiba às vítimas a responsabilidade de arranjar soluções quando se sabe que os radicais, por definição, não estão muito abertos a diálogos. No caso deste atentado não faço ideia se os assassinos estão enquadrados em movimentos mais organizados ou se quiseram ser heróis em regime free-lance de kalash em punho contra as perigosas penas afiadas dos cartoonistas. Não sei, e nem quero saber, se são sunitas radicais, salafitas, defensores da unicidade em que nada existe fora do seu deus e daí a limpeza em leitura ligeira e prática pesada, ou se não passam de uns bons montes de merda convencidos que a morte das andorinhas é o fim da Primavera. Não sei nem quero saber o que leva a actos como este. Mas gostava de ver, já que é em nome de Allah que esta gente actua, que os responsáveis religiosos fossem mais enérgicos na condenação, mais claros no seu afastamento desta rapaziada. Gostava muito que a religião deixasse de ser pretexto ou capa opaca para luta político-militar pois é disso que se trata. Se não podes vencê-los ao menos afasta-te deles, seria uma sugestão gratuita para os imãs... Sei mas agora não quero saber de contextualizações, de explicações mais acertadas ou mais entontecidas que acabam, talvez inadvertidamente, como justificação em raciocínio semelhante ao que culpa a provocadora que é violada e não o criminoso violador. E só piora quando o quadro é apresentado por pessoas com responsabilidades políticas como o caso da gritadora euro-deputada Ana Gomes que no "twitter" quis colar, ainda que com cuspo, esta javardice às políticas anti-europeias que ela própria, pelos vistos sem ter essa noção, personifica.
E conheço mas não me interessam para nada, posições relativistas que gente de boa-vontade ou genuinamente estupidificada não percebe que a responsabilidade directa e derradeira é de quem dispara por mais que se tente escudar em fundamentos mais ou menos remotos que mais não são desculpas esfarrapadas para esconder os filhos da puta. Os dois que entraram pela redacção do "Charlie Hebdo", que mataram (até agora) 12 pessoas são dois irmãos: Said Kouach e Chérif Kouachi. Dois filhos de puta.
Cuidemos, no entanto e sempre, de não nos tornarmos iguais ao monstro porque se o fizermos corremos o enorme risco de criarmos muitos outros.
Hoje o 90º aniversário de Mário Soares. Sobre o homem o realmente fundamental está dito por Pedro Correia, no Delito de Opinião. Bem melhor isto com ele do que se sem ele tivesse corrido.
(Os cartoons são de Augusto Cid, Rui Palma, João Abel Manta e António, respectivamente).
Sei que afazeres múltiplos impedem a sua presença assídua neste espaço mas sinto falta da sua poesia, da sua verve, do seu humor delicado e mordaz. Para ti, AL, deixo o 'Funny Indian Santa Claus' que tantas vezes partilhámos nestes ciclos anuais.
Bem hajas e que bem estejas, baronesa que iluminas este quintal. Boas Festas Boas.
VA
[Quadro intitulado "The Spear" por Brett Murray]
Não sei quem é Brett Murray e até há meia dúzia de dias nunca tinha ouvido falar dele. Tal como provavelmente 99% dos sul-africanos nunca teriam ouvido falar dele, não tivesse ele feito o que fez. Pintor sul-africano medíocre e didáctico, como já li algures e que aparentemente não tem deixado grande marca nas Artes, catapultou-se como celebridade internacional no dia em que resolveu pintar um quadro (colagem?) com a famosa pose de Lenine, a cabeça de Zuma e um pénis flácido vá-se-lá-saber-de-quem.Jacob Zuma, o presidente sul-africano que passou incólume num processo de corrupção; que inocentou num julgamento de violação de uma seropositiva (filha de camarada morto e sob a protecção dele, Zuma) só porque a intimidação e a coerção social, moral e hierárquica não eram ainda equiparadas à violência física em casos de violação; que, depois de ter sido durante anos presidente da comissão de combate de luta contra a SIDA, afirmou publicamente não ter medo de ficar seropositivo, pois teria tomado um duche depois de violar a protegida; que não se envergonhou nem humilhou com a chacota internacional de que foi alvo na altura; que não se envergonhou nem humilhou isto ...
[Cartoon de Zapiro]
... nem com isto ...
[Cartoon de Zapiro]
... que não se envergonha nem se humilha com a sua incapacidade para abordar os imensos problemas sociais e de saúde do país que preside, sentiu-se finalmente humilhado com um pénis flácido pintado por um pintor (quase) desconhecido. Aleluia! Isto sim que é saber estabelecer prioridades.Eu, se fosse Brett Murray, estaria agora a dar pulos de contente com tanta publicidade grátis, por tão rapidamente e com tão pouco esforço ver a minha obra projectada internacionalmente e debatida nos principais meios de comunicação. Se fosse do ANC estaria a esfregar as mãos de contente – enquanto se agita a opinião pública não se pensa no que não se resolve. Se fosse Zuma estaria feliz com a solidariedade bacoca que em minha volta se gerou (ah grande Chefe!) e pela onda de apoio a um maior controle da liberdade de expressão (que belo oximoro!). Sendo eu mais bolos, tenho-me divertido à brava com os hilariantes cartoons da Madam & Eve sobre o assunto.
Perante tanta indignação presidencial subsiste-me no entanto uma dúvida: mas afinal “aquilo” é mesmo o dele?
Já agora, podem ler coisas inteligentes sobre o caso aqui e aqui.
AL
André Carrilho é um excepcional ilustrador (aka cartoonista) português (é muito conveniente seguir a ligação e ir ver o seu sítio). Desde a semana passada que apresenta uma exposição individual no Consulado-Geral de Portugal em Maputo. São cerca de quarenta desenhos, que não precisam de adjectivos, a integrarem esta "Cartão de Embarque". Deixo três reproduções (que empobrecem sempre o trabalho), uma fabulosa "Tragédia no Japão", uma verdadeira "Burka" e um realista (e premonitório, se pensarmos no que aconteceu desde então) "Morgan Tsvangirai".
Fica o aviso, conselho, desafio: ir ver a exposição, não deixar passar. É uma delícia. E uma porta de entrada para quem não conhece o artista.
[André Carrilho, "Tragédia no Japão", 2011]
[André Carrilho, "Burka]
[André Carrilho, "Morgan Tsvangirai", 2008]
E, mais uma vez, uma palavra para a nossa cônsul. A fazer muito com o espaço e os recursos que tem. E nem vale a pena dizer mais.
jpt
Parece que o rescaldo do jogo slb versus Sporting Clube de Portugal ainda não estava concluído e, para apagar as chamas da alma benfiquista bem como a porcaria do fogo posto às cadeiras da "gaiola de segurança" no fim do dérbi, vem o Marítimo e dá-lhes um banho na Taça.Para festejar, Paulo Serra, um amigo de longa data apesar de benfiquista, fez o cartoon abaixo.
[Frangos SLB ©Paulo Serra]
Vossomvf