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Cheias no Chockwé

por jpt, em 26.01.13

Chegam mais fotografias das cheias no Chockwé e da debandada, tardia, da população. Com as imagens chega também o pedido de ajuda.

jpt

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publicado às 07:38

Cheias, ao Chockwé

por jpt, em 24.01.13

Ontem em Maputo conversei com um amigo patrício da agricultura, agora trabalhando pela área do Xai-Xai, depois de mais de uma década pelo norte e extremo norte do país. Avançou, preocupado, que a zona do Limpopo estava a sofrer com as chuvadas, as culturas (machambas familiares, o fomento comercial e as plantações) possivelmente perdidas, e que a barragem de Massingire já abrira, mais alagando as terras (até a gigantesca plantação chinesa, de 25 000 ha férteis, afastados da população). Disse-me tudo aquilo com um desembaraço profissional, com detalhes de pluviosidade, áreas, percursos, médias e modas, tão facilmente como outros falam de futebol ou de outras coisas. E culminou, preocupado, para o meu espanto de leigo, "se a maré estiver cheia lá em Xai-Xai aquilo alaga, que as águas fluviais estancam".

Hoje, no mural facebook de Dmytro Yatsyuk, encontro estas e várias outras fotografias (não sei se da sua autoria) do Chockwé, na bacia do Limpopo, de hoje mesmo. Em Maputo estamos distraídos. A falar pouco disto. E a perceber pouco as interligações.

jpt

publicado às 17:11

Memória fotográfica: A Viagem

por jpt, em 27.01.12

 

Tocou o telefone. Era preciso lá voltar. A convite da Presidência da República. Iríamos acompanhar a visita do Presidente às zonas afectadas.Acabávamos de regressar de dez dias duros, de milhares de km. A subir e a descer o Rio. Muito sofrimento alheio. Tristeza nos rostos, culturas arrasadas. Sem frutos. Só água, muita água.Mesmo assim, sentia-me privilegiado por ter assistido. Do ar, no conforto de um helicóptero, muitas vezes a baixa altitude, quase tocando aquele imenso lençol, toda aquela visão apocalíptica parecia-me o que de mais bonito havia visto. A natureza no seu máximo esplendor. Brutal, cruel e ao mesmo tempo de uma beleza assombrosa.Sete da manhã no Aeroporto Internacional de Maputo. Mudança de planos, afinal o Presidente segue directo para Tete, com ele a imprensa estatal. TVM, Rádio Moçambique e o «domesticado» Notícias.Nós, não. Vamos antes para a Cidade da Beira onde nos juntaremos a alguns jornalistas. E depois de machibombo até Caia. No dia seguinte, sim, veremos «O Chefe», assegura o assessor da Presidência que nos acompanha. Questionámo-nos quanto ao que iria acontecer, criando cenários. O mais certo é um apelo à ajuda internacional. A Cruz Vermelha Moçambique já o havia feito dias antes. Canalizando alguns fundos para os seus cofres, para fúria das outras organizações humanitárias na região, incluindo a protecção civil local.Chegámos à Cidade da Beira. Depois de várias horas de espera, partimos enfim. Ambiente ruidoso. Dois moçambicanos juntos fazem uma festa, mais de quatro, uma rave.À chegada, desorganização. Estão à procura de sítio para dormirmos. A casa do professor nigeriano, ausente em férias escolares, está livre. Vamos para lá. Quase há pancada pela única cama e pelos dois sofás pequenos. Não, aqui não. Não nos preocupemos. «Há de se resolver.»A noite cai, a solução tarda. A única hipótese é a escola, vão-nos arranjar uma sala com colchões. É só uma noite. Amanhã se quisermos levam-nos a Chupanga. Zona alta onde foi colocado o acampamento para os deslocados. Mas, temos que estar de regresso impreterivelmente às nove para não nos cruzarmos com a delegação do Presidente... Trocamos olhares cúmplices. Sentimo-nos enganados, manipulados. «O que estamos, então, aqui a fazer?»Já é tarde quando chegamos ao restaurante, a comida acabou. Venha uma dose de batatas fritas em forma de puré oleoso e duas cervejas mornas. Um luxo.De regresso à escola. Vale-nos o cansaço. Caio a dormir quase de imediato no pequeno colchão que me foi dado, depois de fortes saraivadas de repelente para os mosquitos. Se não apanhar malária hoje, decerto nunca apanharei.Despertar às cinco e trinta para a prometida viagem a Chupanga. Esse fim do mundo que já conheço de visitas anteriores. Onde miticamente jaz o corpo de Mary Livingston, mulher do famoso explorador, aqui falecida vitíma de Malária.São 60 km de tenebrosos buracos agravados pelo desconforto do machibombo.Não desanimamos, é mais uma oportunidade para ver. Registar. Um imenso acampamento onde apesar de tudo reina uma organização quase natural.De volta dos depósitos de água, reservatórios de cor azul e laranja, sujos de uso, sobre as cabeças das mulheres. Barulhentas. Corcundas, de crianças envoltas em capulanas. Olhares mortiços e narizes ranhosos. Um pouco mais longe, outras mais crescidas, de aspecto saudável, a correrem atrás de uma bola de trapos.Os homens na higiene diária, alguns de escova de dentes em punho. Indiferentes. Como se o mundo não tivésse desaguado sobre eles dias antes.É já debaixo dos protestos da rapariga do protocolo para que nos despachemos, estamos a violar o acordo, que vejo o Presidente da Nação. A preto e branco, em pose de Estado. Debaixo daquele braço triste. Como que omnipresente. Regressamos a Caia. A pequena vila transformada em epicentro da ajuda. Mais tarde a esperada conferência de imprensa. Aguardamos todos, barulho nos ares. Ao longe. Como pequenas moscas, os helicópteros que transportam aquela enorme e rica comitiva.Os guarda-costas à frente. Atropelam e empurram a população curiosa. Uma mulher, em passos ébrios, fura o muro protector. Em segundos está agarrada ao Presidente. Braços esquerdos levantados, mãos coladas. Juntos rodopiam, ao som de uma orquestra imaginária. Os repórteres de imagem acotovelam-se para captar o imprevisto. Gravadores em punho, expectativa. Não, não vão pedir a ajuda internacional. Está tudo controlado. É com orgulho que viu o trabalho feito por moçambicanos.Também eu, como que contagiado, rejubilo do brio moçambicano.

PSB

publicado às 19:36

Cheias

por jpt, em 28.01.11
[caption id="attachment_25534" align="aligncenter" width="1024" caption="Zambeze, perto de Caia"][/caption]

Anteontem, numa mesa onde alguns falavam - e com evidente "frisson" - das expectativas sobre a dimensão das cheias previstas para este ano, recordei-me de outras andanças minhas, não sem deixar de sentir o peso das memórias. Há alguns anos bloguei sobre cheias cíclicas, com referências a livros e a fotografias tiradas em trabalhos meus.

Mas anos antes, em Janeiro de 2004 deixei in-blog um texto que escrevi em 2001, quando regressado das cheias na Zambézia. Um relato velho de uma década, a envelhecer-me, e porventura já sem interesse. Mas ainda assim aqui o repito, sempre a olhar as pessoas que, diques, vivem as cheias.

[caption id="attachment_25535" align="aligncenter" width="1024" caption="Zambeze, a banca Faustino mantém o negócio apesar das águas correntes"][/caption]Um Estrangeiro na Zambézia, durante as cheias

De Quelimane ao rio Chire quase vai um dia. Dois camiões atolados há já 15 horas vedam a estrada, rodeados de uma meia dúzia que tapa todas as irreverentes opções. A surpresa de aí encontrar um mui recente ministro português, simpatia enérgica a gerar o desentupimento. No contraste com a minha displicência de Rothmans feita sinto os determinismos psicológicos. Há quem tenha o dom do poder e outros, como eu, olhamo-lo, quase sempre de viés. Esperando que milho e madeira desçam das viaturas converso com um indo-descendente, dez anos comerciando entre a Moita, o Laranjeiro e a Costa da Caparica. Ao “porque raio voltaste?” solta um “que sentido tem aquela correria?”: não há-de ser esse cofió a separar-nos, Adam! Algo envergonhado conta-me que, farto da espera, pagou 400 mil meticais para se descarregarem os camiões. E estes, logo que menos pesados metem a primeira velocidade e saem calmamente das suas covas.Rio-me de mim, qual psicologia, qual poder do Grande Homem Branco: “É a economia, estúpido!”.

Um padre na estrada, desses de décadas de mandioca e feijão com bicho, guerras, água morna, falhanços, malárias, que fazem este ateu sentir-se um pouco mais pequeno do que já é. Irritado, o velho! Narra o episódio do padre italiano que morreu há dias, arrastado nas cheias ao tentar levar doentes ao hospital. E do seu colega partindo em busca do corpo, irregulares caminhos, margens lamacentas, atolado vezes sem conta, o cansaço sem desespero da gente de fé. E do seu regresso, ainda sem sucesso, onde a polícia o multa em um milhão de meticais, que isso de nas buscas ter caído a chapa da matrícula…até pode ser verdade mas não apaga a ilegalidade.Determinismos culturais? Tradição, culto dos mortos, ritos prescritivos, enterro lá no lugar dos antepassados? Que idealismo, “é a economia, estúpido!”.

Perto de onde era o batelão do Chire, pequena travessia por roldanas, é agora uma infindável planície de água, bordejando a aldeia Pinda. As primeiras casas distam 50 metros planos do rio. Felicidade pela inesperada presença de Ventura, o meu motorista, pastor da igreja evangélica que aí professam. Numa pobre capela de pau-e-pique uma breve e alegre oração conjunta. Faço um apelo a que partam para zonas mais altas, pois as chuvas a oeste e as descargas vão aumentar. Já o administrador o disse mas não vislumbram razão para tal, nas cheias de 1978 as águas não ultrapassaram aquela árvore acolá, guardiã da secura a 20 metros da povoação. Empirismo puro, para racionalista aprender! Intercedo junto de Ventura para que os convença. Responde que não o fará, aquela gente não tem tecto noutro sítio e as suas machambas estão ali. Para onde irão?Fatalismo, inconsciência? Mais uma vez, “é a economia, estúpido!”.

Para trás ficou Quelimane, onde a beleza das mulheres até magoa. E testemunha, sem essas coisas do genoma, que a mistura das gentes é bonita. Nas esplanadas da cidade vou indagando como vivem as meninas que passam. Perguntas cujo caroço, vejo-o agora, é o sentimento de que dói menos uma mulher menos bela ser prostituta do que uma mais bela. Imoral moralismo! Que não, dizem-me, mesmo sendo ali porto isso não é mais generalizado do que noutros lugares por esse mundo fora. Mas lembram que muita rapariga procura um marido que a tire dali. Lembro o Primeiro Dia de Mafra, com o longínquo aspirante Boieiro aos berros, qual vedeta de Hollywodd, apelando à rusticidade pois os piores classificados iriam parar às ilhas “de onde virão casados”. E o frémito de horror que percorreu o ainda informe pelotão, imaginando o casamento com uma açoriana.É o mesmo, a troca do isolamento geográfico por outros isolamentos. Neste combate à lonjura, “é a estúpida economia” dos afectos, estúpido!

Gurué, verde montanhoso na falsa beleza da monocultura. Modernos rumores de futura indústria de capulanas bem nas nascentes do Licungo, todas essas tintas navegando até ao Índico, dando de beber às gentes, colorindo a Província. “É a economia, estúpido!”. Avaria madrugadora, marcho durante horas provando o envelhecimento. Uma moto passa e há-de voltar já liberta do pendura, um miúdo que me transportará para a cidade. À proposta de lhe “pagar o combustível” o jovem extensionista rural de Mocuba ri-se e diz-me “ó seu estúpido, nem tudo é economia”, que um dia o hei-de safar algures. Obrigado Felix dos Santos, pela boleia e pelo alívio.

Por todos estes sítios se encontram europeus. Cooperantes, velhos cooperantes, ex-cooperantes, neo-cooperantes. Ali e acolá um comerciante, até um empresário. Tal como no sul toda essa gente vai partilhando cereais destilados e a opinião que a actual cooperação não ajuda o futuro do país, que algo tem de mudar. Estarão eles enganados, tal como os moçambicanos que de o acharem até já estão fartos de doadores? Sem respostas nestas noites distritais, lembro-me do meu pai e trunco-lhe as palavras: “a democracia é o alcatrão e a electricidade!”.Mas vai-se dizer isso, arriscar os empregos de expatriado ou os clientes de dolar no bolso? Deixar andar, “é a economia, estúpido!”.

Risonhos, vêm centenas de homens na estrada. Logo procuro saber que se passa e do aglomerado ouço, espantado, “Maharishi”. Desde há alguns meses 1700 jovens meditam 4 horas diárias em troco de 270 mil meticais mensais. Pasmo, que raio, receber para meditar! Resquícios cristãos, a noção de que o transcendente exige pagar ao intermediário com o(s) espírito(s). E porquê assim, porque não o contrário? De facto, “é a economia, estúpido”, como tirar os homens do trabalho sem os compensar, quando vivem no limiar da economia de subsistência? E face aos que ainda agitam uma idílica agricultura tradicional vejam a sua desnaturalização, pois meditar potenciando equilíbrios pressupõe os desiquilíbrios. E talvez possibilite outros sincretismos, renovações, transformações. Por eles, coisas bem locais. Porque a mentalidade, essa “economia, estúpido”, coisas feias e bonitas, agradáveis ou não, está aí omnipresente. É deixá-la ir, e ainda bem que auto-meditada.Tenho que partir, mas a vontade é quedar-me por lá! Fica a esperança no sucesso desta ideia. Repito-me, se aliada ao “alcatrão e electricidade”, parece bem mais promissora que tanto “desenvolvimento” semi-importado.

A norte, onde o Zambeze só dá o nome à província, o Alto Molocué, pequena vila dividida por esse rio. Vizinho da pequena ponte o Fotógrafo Soares, “fotografia tipo B.I”. Não resisto, desço as escadas, minto-me de colega e peço para fotografar. O velho fotógrafo, com o caudal em casa, dá-se à imagem junto dos seus. Proponho que saia dali, é visível que as águas vão subir. Calmamente aponta umas frágeis canas, habitual limite do rio, e às quais em breve este retornará pelo que não vê necessidade em partir. Respeito, mudo a conversa, responde-me que o negócio vai normal, mas que não chega para nova casa de tijolo. Ficará acompanhado da família, feita dique moral. De novo, “é a economia, estúpido!”.

A casa desabará meia hora depois, a água cobre a ponte. Lembro o padre e, aqui inútil, cruzo-a rumo ao Maputo, à Inês. E à notícia da morte de C. Geffray. Fica este país, agora desprovido de longínquo e magoado saber, mais pobre. Porque nem tudo, estúpido, é economia.

Março 2001

jpt

publicado às 01:45

Zambeze em Chimuara

por jpt, em 18.02.08

zambeze-chimuara.jpg

Sim, o "mighty Zambezi" em Chimuara. Sim, eu sei que as águas subiram ali, entrando nas barracas de comércio - as quais continuaram a funcionar, mas isso é outra história ... O que eu continuo a não perceber, por mais anos que me passem, é como é que ninguém se lembra de colocar um contentor para o lixo. Não há administração por lá?

publicado às 22:15

250px-kariba_dam.jpg

Telefona-me amigo a desmarcar encontro. Chego eu da Zambézia e para lá segue ele, ao encontro das cheias. Que o ocuparão nos próximos tempos - a barragem de Kariba vai aumentar as descargas dentro de muito poucos dias (amanhã?) e espera-se maior afluxo de águas por cá, talvez dentro de uma semana. Se o Zambeze já está como o vi - à vista desarmada tal como 2001, bem pior do que o ano passado, anos de cheias em que por ele andei - temo que venha bem pior agora. Para mais esperam-se agora cheias no norte da Zambézia, o Licungo transbordável [já agora, as minhas memórias das cheias do Zambeze e do Licungo de 2001 estão aqui].

No recato de Maputo alguns, ironizando, ainda encaixam as cheias com as vontades de receber/dar "ajuda", assim invectivando receptores e doadores - será invisível a água?

No recato do burguês alguns continuam a vituperar os renitentes que não saem das áreas alagadiças. Será invisível o rude devir dos machambeiros?

No centro do país janto com quem muito percebe da terra e do como produzir. Pergunto-lhe a sua opinião sobre estes rumores de que a gestão do "grande rio" e dos seus transbordos procura afastar os camponeses das melhores terras de aluvião. "Nada", diz. E complementa, dessa para mim sempre suspeita visão maquiavélica da História, "isso é conversa de quem não percebe". Insiste, na bacia do rio há milhões de hectares "fillet mignon" que não estão explorados. Para instalar o grande capital agrícola não seriam precisos tais maquiavelismos.

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publicado às 01:40

Zambeze

por jpt, em 26.01.08

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Estão as águas subidas ainda que nestes dias descendo. Mas nelas sempre habita a promessa de mais o serem. Eu estou de regresso ao Zambeze, agora para outras águas, digo-me. (há noites em que à noite temo o abutrismo...)

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publicado às 01:50

Zambeze nas cheias

por jpt, em 19.04.07

Talvez baste olhar para este “Water Resources of Mozambique” (1999), da autoria da Direcção Nacional de Águas e do Instituto da Água (apoiada pela cooperação Portugal-Moçambique), para que os leigos se deitem a prever onde poderão surgir cheias no país. As cíclicas, pão nosso de cada década de quem se sustenta nas terras de aluvião.

 

Ou as escatológicas, como o foram as narradas com detalhe (e profusão fotográfica, ainda que neste respeitante com material algo repetitivo) neste “Moçambique 2000. As Águas da Morte”, de Jossias Filipe (Moçambique Editora, 2003), trazendo-nos à memória o dia-a-dia desse tétrico episódio do nosso quotidiano, o qual nunca poderíamos ter previsto naquele tão chuvoso 20 de Dezembro de 1999, quando o céu começou a desabar e que J. Filipe recorda, fazendo-nos ressuscitar as sensações de impotência avassaladora que se sucederam.

 

Saltaram estes livros das estantes a propósito das recentes cheias do Zambeze. Sobre as suas causas tem havido alguma polémica, lançada no Xitizap e ecoada na imprensa. Mas sobre isso nem opino, tão leigo sou (ainda que esteja algo descrente de tamanha malevolência alheia, pois não crendo no Grande Arquitecto do Bem também me custa persignar-me à passagem do Grande PCA do Mal, esse diabo agora sempre tão apregoado).

 

 

Do que sei é que cheias houve e, de novo, bastantes refugiados. A esse propósito outro livro sobre cheias em Moçambique se me impôs,

 

 

este “Mozambique & The Great Flood of 2000” de Frances Christie & Joseph Hanlon, (Oxford, James Currey, 2001). Menos impressionista do que o livro de J. Filipe este traz-nos também a história das cheias de 2000, com particular ênfase nas formas havidas de organização da acção de emergência que culminaram em que “Local preparation and international solidarity prevented the Mozambique floods of January – March 2000 from becoming a catastrophe. Although 700 people died, 45,000 were rescued. There were no major outbreaks of disease and no serious malnutrition in accommodation centres and isolated locations holding up to 500,000 people who had to flee their homes.” (p. 2). No rescaldo de tamanho desastre, ainda que sublinhando o trabalho positivo de emergência então feito, este livro culmina com recomendações, mais para o Estado moçambicano (então apanhado em contra-mão) e para as agências humanitárias. Vale a pena lembrá-las, vale mesmo a pena lembrá-las:

 

These floods were the worst in at least 150 years on the Limpopo River and the worst in Mozambique in a long time, because they were widespread, of such a long duration, and involved such large quantities of water. But changing land use patters and global warming suggest that such serious floods may recur sooner in the future. And even if floods this bad return only once in 50 years, it seems likely that serious but less damaging or less widespread floods will occur even more frequently. And Mozambique is prone to drought and cyclones, so other kinds of disasters will also occur.Although the cost of this flood was perhaps 20 per cent of Mozambique’s annual GDP, any kind of disaster and emergency preparation for the future must compete against other development expenditure in one of the world’s poorest countries. Every dollar spent on flood defences is a dollar not spent on education or agricultural extension. Similarly, every day of emergency training is a day in which senior officials are not carrying out their normal tasks. Nor are people going to move to less productive land just to avoid another flood that may not come in their lifetime. So the actions which Mozambique can take are clearly circumscribed by its poverty.

 

At the same time, Mozambique cannot depend on this level of international support, which was driven by very special conditions: the location of the flood, Mozambique’s being fashionable with donors, and nothing else going on the world. During a new Middle East War when Mozambique is no longer the donor darling, a flood on the Zambeze River would still generate support, but not on the same scale. How, then, is Mozambique to be better prepared and less dependent?

 

Mozambique needs to improve its own disaster preparedness and mitigation systems. At a local level, major new construction is too costly. But evacuation routes and refugees need to be clearly marked. That must be linked to a better and clearer warning system. Such a system must give people sufficient warning to prepare. But it must also sound the alarm in such a way that people can safely wait until the very last minute before fleeing.

 

At national level, the need is for a more effective and flexible coordination system that has credibility and support from ministers and national directors. The Mozambican reality is that system cannot be the international textbook emergency commission which takes over in the event of a crisis; instead it must be a system that empowers existing senior officials such as governors to take the correct actions in an emergency. But it does requires that at every level – ministry, province, district, and municipality – there is a identified person who is the emergency contact person, and it must be a person who is senior enough to have direct access to the decision maker – minister, governor, district administrator or municipal president. It also requires the incorporation of new communicational systems, particularly the e-mail and mobile telephones that played such a key role in this flood. At local level, President Joaquim Chissano’s suggestion that primary school teachers be used as flood wardens seems particularly relevant.

 

In parallel with a more effective Mozambican disaster administration can the international community be convinced to listen more and relinquish more control to Mozambican officials?” (pp. 151-2)

 

Vale a pena lembrar, vale também a pena afirmar que as cheias de 2007, ainda que de menor dimensão das de 2000, encontraram uma organização bem mais ágil e competente no que respeitou à ajuda de emergência. Na sua preparação, na sua coordenação, na sua atribuição. Um serviço do Estado, o INGC, esteve muito à altura das necessidades. E, entre outras organizações, a Cruz Vermelha de Moçambique demonstrou uma grande capacidade de actuação. A louvar.

 

Há semanas li no jornal Domingo um panegírico às organizações nacionais envolvidas nas operações de emergência, de alerta e de ajuda subsequente. A subscrever o elogio, ainda que a retórica em causa desgoste (o patrioteirismo sempre me arrepia, seja la no meu pais, seja alheio). Duas coisas me chamaram a atenção, a afirmação de que ninguém morreu nestas cheias. Não é isso verdade, morreu pouca gente, fruto das campanhas de aviso ao longo do rio, mas ainda assim alguns morrerem (“Morreu alguém na vossa povoação?”, perguntava alguém em Mopeia, “Sim, duas mulheres e uma criança”, “Levados pela água?”, “não, estavam na água e foram comidos pelos crocodilos…”, é um mero exemplo probatório). Não o refiro como qualquer homenagem, ninguém merece ser homenageado pelo simples facto de morrer. Não para honrar qualquer memória, como o poderei fazer se desconheço pessoas e factos? Lembro as algumas mortes para melhor homenagear instituições e organizações que tão bem trabalharam para minorar o desastre, e que não merecem exageros que lhes minorem o mérito, apenas o instrumentalizem.

 

Finalmente dizia a tal coluna que toda esta acção se devia a "alguns renitentes” que se recusavam a sair das zonas inundáveis. “Renitentes”, palavra de semântica carregada, pejorativa. Menosprezando esses renitentes, paupérrimos agricultores pescadores que estão renitentes em abandonar as águas do peixe e as terras do aluvião. Que estão renitentes em trocá-las pelas pobres terras (mais) altas. Que estão renitentes em deixar as famílias nessas terras (mais) altas e irem viver nas machambas antigas, a horas de distância, para poderem produzir o pouco do seu dia-a-dia, do quinhão a quinhão. Voltando semana a semana, em curtas visitas aos filhos deixados à guarda dos irmãos mais velhos (e assim retirados das machambas) ou com os velhos avós, se estes já entrevados.

 

Ao ler esse “renitentes” lá se encontra o eco de tanta incompreensão da realidade, tanto desprezo pelo povo. E, ainda que hoje, tantos renitentes conversos, continua a espantar-me tamanho desprezo pelas gentes vindo de gente que se formou e o apregoa nesses livros de Marx, que neles burilou a sede de poder. Um (nao)espanto deste estrangeiro ateu, sem lerias de "amor ao proximo", leitor de Celine face a esses leitores de Marx. Se calhar afinal pouco celiniano, se calhar eles nada marxistas.

 

Então estes são os alguns renitentes, estas as suas “algumas caras”. É deles o Zambeze e os Zambezes do mundo. Convém olhar. Ou há alguma renitencia nisso?

 

(miúdo em Charre)

(mulher em Charre)

(Mopeia)

(chefe de campo em Mopeia e seus adjuntos)

(Mopeia)

(Chupanga)

(Charre)

(Chupanga)

(o grupo de Mama Amanda, Chupanga)

(pescador em Chupanga)

(putos, Mopeia)

(velha, Mopeia-sede)

(Sena, grupo de responsáveis)

(Chupanga)

(a capulana de Raul Domingos)

(Mopeia, fotografia dedicada a Machado da Graca)

(intérprete da associação das igrejas cristãs, Chupanga)

 

Estavam aqui.

 

E quando saírem muitos deles vão aceitar o reassentamento em zonas altas. Porque “estão cansados de sofrer”. Renitentes ao sofrimento. Um abraço.

 

publicado às 10:59

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por jpt, em 26.03.07
O Milho Na Terra das Cheias.(Do Zero a Morrumbala. Marco 2007)

publicado às 09:59

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por jpt, em 26.03.07
O Milho Na Terra das Cheias.(Do Zero a Morrumbala. Marco 2007)

publicado às 09:59

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por jpt, em 26.03.07

Sobre as cheias do Zambeze e inevitavel ler o Xitizap #31.

publicado às 09:56

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por jpt, em 26.03.07

Sobre as cheias do Zambeze e inevitavel ler o Xitizap #31.

publicado às 09:56

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por jpt, em 22.02.07
Já há 285 000 desalojados.

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publicado às 10:03

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por jpt, em 22.02.07
Já há 285 000 desalojados.

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publicado às 10:03

De Quelimane ao rio Chire quase vai um dia. Dois camiões atolados há já 15 horas vedam a estrada, rodeados de uma meia dúzia que tapa todas as irreverentes opções. A surpresa de aí encontrar um mui recente ministro português, simpatia enérgica a gerar o desentupimento. No contraste com a minha displicência de Rothmans feita sinto os determinismos psicológicos. Há quem tenha o dom do poder e outros, como eu, olhamo-lo, quase sempre de viés. Esperando que milho e madeira desçam das viaturas converso com um indo-descendente, dez anos comerciando entre a Moita, o Laranjeiro e a Costa da Caparica. Ao “porque raio voltaste?” solta um “que sentido tem aquela correria?”: não há-de ser esse cofió a separar-nos, Adam! Algo envergonhado conta-me que, farto da espera, pagou 400 mil meticais para se descarregarem os camiões. E estes, logo que menos pesados metem a primeira velocidade e saem calmamente das suas covas. Rio-me de mim, qual psicologia, qual poder do Grande Homem Branco: “É a economia, estúpido!”.


Um padre na estrada, desses de décadas de mandioca e feijão com bicho, guerras, água morna, falhanços, malárias, que fazem este ateu sentir-se um pouco mais pequeno do que já é. Irritado, o velho! Narra o episódio do padre italiano que morreu há dias, arrastado nas cheias ao tentar levar doentes ao hospital. E do seu colega partindo em busca do corpo, irregulares caminhos, margens lamacentas, atolado vezes sem conta, o cansaço sem desespero da gente de fé. E do seu regresso, ainda sem sucesso, onde a polícia o multa em um milhão de meticais, que isso de nas buscas ter caído a chapa da matrícula…até pode ser verdade mas não apaga a ilegalidade.Determinismos culturais? Tradição, culto dos mortos, ritos prescritivos, enterro lá no lugar dos antepassados? Que idealismo, “é a economia, estúpido!”.


Perto de onde era o batelão do Chire, pequena travessia por roldanas, é agora uma infindável planície de água, bordejando a aldeia Pinda. As primeiras casas distam 50 metros planos do rio. Felicidade pela inesperada presença de Ventura, o meu motorista, pastor da igreja evangélica que aí professam. Numa pobre capela de pau-e-pique uma breve e alegre oração conjunta. Faço um apelo a que partam para zonas mais altas, pois as chuvas a oeste e as descargas vão aumentar. Já o administrador o disse mas não vislumbram razão para tal, nas cheias de 1978 as águas não ultrapassaram aquela árvore acolá, guardiã da secura a 20 metros da povoação. Empirismo puro, para racionalista aprender! Intercedo junto de Ventura para que os convença. Responde que não o fará, aquela gente não tem tecto noutro sítio e as suas machambas estão ali. Para onde irão?Fatalismo, inconsciência? Mais uma vez, “é a economia, estúpido!”.


Para trás ficou Quelimane, onde a beleza das mulheres até magoa. E testemunha, sem essas coisas do genoma, que a mistura das gentes é bonita. Nas esplanadas da cidade vou indagando como vivem as meninas que passam. Perguntas cujo caroço, vejo-o agora, é o sentimento de que dói menos uma mulher menos bela ser prostituta do que uma mais bela. Imoral moralismo! Que não, dizem-me, mesmo sendo ali porto isso não é mais generalizado do que noutros lugares por esse mundo fora. Mas lembram que muita rapariga procura um marido que a tire dali. Lembro o Primeiro Dia de Mafra, com o longínquo aspirante Boieiro aos berros, qual vedeta de Hollywodd, apelando à rusticidade pois os piores classificados iriam parar às ilhas “de onde virão casados”. E o frémito de horror que percorreu o ainda informe pelotão, imaginando o casamento com uma açoriana. É o mesmo, a troca do isolamento geográfico por outros isolamentos. Neste combate à lonjura, “é a estúpida economia” dos afectos, estúpido!


Gurué, verde montanhoso na falsa beleza da monocultura. Modernos rumores de futura indústria de capulanas bem nas nascentes do Licungo, todas essas tintas navegando até ao Índico, dando de beber às gentes, colorindo a Província. “É a economia, estúpido!”. Avaria madrugadora, marcho durante horas provando o envelhecimento. Uma moto passa e há-de voltar já liberta do pendura, um miúdo que me transportará para a cidade. À proposta de lhe “pagar o combustível” o jovem extensionista rural de Mocuba ri-se e diz-me “ó seu estúpido, nem tudo é economia”, que um dia o hei-de safar algures. Obrigado Felix dos Santos, pela boleia e pelo alívio.Por todos estes sítios se encontram europeus.


Cooperantes, velhos cooperantes, ex-cooperantes, neo-cooperantes. Ali e acolá um comerciante, até um empresário. Tal como no sul toda essa gente vai partilhando cereais destilados e a opinião que a actual cooperação não ajuda o futuro do país, que algo tem de mudar. Estarão eles enganados, tal como os moçambicanos que de o acharem até já estão fartos de doadores? Sem respostas nestas noites distritais, lembro-me do meu pai e trunco-lhe as palavras: “a democracia é o alcatrão e a electricidade!”.Mas vai-se dizer isso, arriscar os empregos de expatriado ou os clientes de dolar no bolso? Deixar andar, “é a economia, estúpido!”.Risonhos, vêm centenas de homens na estrada. Logo procuro saber que se passa e do aglomerado ouço, espantado, “Maharishi”. Desde há alguns meses 1700 jovens meditam 4 horas diárias em troco de 270 mil meticais mensais. Pasmo, que raio, receber para meditar! Resquícios cristãos, a noção de que o transcendente exige pagar ao intermediário com o(s) espírito(s). E porquê assim, porque não o contrário? De facto, “é a economia, estúpido”, como tirar os homens do trabalho sem os compensar, quando vivem no limiar da economia de subsistência? E face aos que ainda agitam uma idílica agricultura tradicional vejam a sua desnaturalização, pois meditar potenciando equilíbrios pressupõe os desiquilíbrios. E talvez possibilite outros sincretismos, renovações, transformações. Por eles, coisas bem locais. Porque a mentalidade, essa “economia, estúpido”, coisas feias e bonitas, agradáveis ou não, está aí omnipresente. É deixá-la ir, e ainda bem que auto-meditada.


Tenho que partir, mas a vontade é quedar-me por lá! Fica a esperança no sucesso desta ideia. Repito-me, se aliada ao “alcatrão e electricidade”, parece bem mais promissora que tanto “desenvolvimento” semi-importado.A norte, onde o Zambeze só dá o nome à província, o Alto Molocué, pequena vila dividida por esse rio. Vizinho da pequena ponte o Fotógrafo Soares, “fotografia tipo B.I”. Não resisto, desço as escadas, minto-me de colega e peço para fotografar. O velho fotógrafo, com o caudal em casa, dá-se à imagem junto dos seus. Proponho que saia dali, é visível que as águas vão subir. Calmamente aponta umas frágeis canas, habitual limite do rio, e às quais em breve este retornará pelo que não vê necessidade em partir. Respeito, mudo a conversa, responde-me que o negócio vai normal, mas que não chega para nova casa de tijolo. Ficará acompanhado da família, feita dique moral. De novo, “é a economia, estúpido!”.A casa desabará meia hora depois, a água cobre a ponte. Lembro o padre e, aqui inútil, cruzo-a rumo ao Maputo, à Inês. E à notícia da morte de C. Geffray. Fica este país, agora desprovido de longínquo e magoado saber, mais pobre. Porque nem tudo, estúpido, é economia.


Março 2001

publicado às 06:46


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