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Chesterton e o orgulho

por jpt, em 08.02.07

chesterton

A fé de muitos modernistas, acostumados, na sua fraqueza, a adorarem a inteligência e a força, talvez tivesse vacilado perante aquela grande personalidade opressiva. Talvez tivessem chamado a Domingo o super-homem. E de facto, se tal criatura fosse concebível, ele, com aquela sua abstracção, que fazia tremer o mundo, como o faria uma estrada de pedra a andar, devia parecer-se muito com ela. Os seus grandes planos, demasiado evidentes para serem descobertos, o seu grande rosto, demasiado franco para ser compreendido, davam-lhe direito a um qualificativo que transcendesse o de homem. Mas nessa mesquinhez, própria dos modernistas, Syme não podia cair. Era, como qualquer, suficientemente cobarde para temer uma grande força, não era bastante cobarde para a admirar. …. (68)

 

Subitamente um realejo, lá na rua, rompeu numa música alegre, e Syme aprumou-se, como se ouvisse um clarim anunciando a batalha. Sentiu-se pleno de uma coragem sobrenatural, que não sabia de onde vinha. A música saltitante parecia cheia de vivacidade, da vulgaridade e do valor impensado dos pobres, que naquelas ruas sujas se agarravam às decências e às caridades da Cristandade. (…) Sentia-se o embaixador dessa gente da rua, bondosa e natural, que todos os dias marchava para o combate ao som da música do realejo. E este grande orgulho de ser humano ergueu-o, inexplicavelmente, a uma altura infinita acima dos homens monstruosos que o cercavam. Durante um momento olhou para todas as excentricidades deles do alto do píncaro estrelado do lugar comum. Sentia em relação a eles aquela superioridade inexplicável e elementar que um homem valente sente em relação aos animais poderosos, ou o homem culto em relação aos grandes erros.” (70)

 

[G. K. Chesterton, O Homem Que Era Quinta-Feira, Lisboa, Editorial Estampa, , 1989. Tradução de Domingos Arouca]

publicado às 02:18


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