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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Chico Buarque é a minha juventude, o meu homem, my man. Não só ele mas também. O Chico Buarque, eu ainda menino, dos vinis da minha irmã, querida, também mãe (que não lê este blog), do seu marido, meu mano. O Chico Buarque do tanto mar, raisparta,a cantar (a)o meu país que se fez país quando eu entrei no liceu, assim elixir de juventude daquilo Portugal que então era apenas coisa. O Chico Buarque do amor, da doçura, naquele meu país sedento disso saído da guerra e dos boçais toureiros, da merda machista forcada e bêbeda em que ainda crescemos. Assim o Chico Buarque da grandeza de ser homem com h pequeno. (Já depois) o Chico Buarque da festa do Avante, o tímido, ébrio, choroso, com medo, pavor, daqueles milhares de isqueiros acesos, dele amorosos, totalmente apaixonados, a começarmos a década que foi nossa, aquela dos 80s, a amarmos Chico com a sua beleza, o seu enleio, a sua magna elegância, a sua total fraqueza.
Chico Buarque, a vida, faz agora 70 anos (e como estou eu sensível a estas coisa, a dias dos meus 50, como [se] passou isto?!!!). Fica aqui esta hora e quarenta e três minutos de "Chico", neste enternecedor registo, como se minimalista, sem orquestrações insufladas. Ouvi-lo é viver ...
Há exactamente dez anos coloquei este postal. Nesse dia Chico Buarque chegava a sexagenário. Hoje repito-o:
E agora, 2014, junto-lhe os filmes:
"Os Fantasmas do Rovuma", de Ricardo Marques do qual já aqui referi um bom livro. Esta recente obra (publicada pela Oficina do Livro), dedica-se à tão esquecida I Guerra Mundial em Moçambique, uma era histórica apaixonante (e terrível). Estou verdadeiramente inquieto para chegar ao livro. E, em antecipação, recomendo-o a todos. Desde que não o esgotem, claro.
Capa: O novo Brasil: jornalista moçambicano impedido de entrar no país. (O que é bom para a General Motors é bom para os Estados Unidos do Brasil). Ou seja, a ong moçambicana Justiça Ambiental vê barrado o seu enviado ao Brasil, provavelmente por influência dos interesses mineiros brasileiros. A "esquerda que ri", europeia ou europeízada, que dirá à presidentA?
Contracapa: O "velho" Brasil: o que vale a pena
Política portuguesa: o governo e seus (des)equilíbrios internos, vistos por jpp.
Página Internacional: o aborto na China. É uma questão que "dá pano para mangas". E dois itens particularmente interessantes, sempre esquecidos: a política demográfica do estado chinês permite aos casais das zonas rurais que tenham dois filhos se, e apenas se, o primeiro for rapariga (um défice ontológico, claro); se a família tiver quase 5000 euros pode ter um segundo filho. Imagine-se se isto fosse no Malawi ou assim o que não diriam as ongs e quejandos, a "esquerda que ri" europeia. Já para não falar nas pinças com que se tem que falar de "aborto".
A grecitude europeia. A demência festiva alastrará?
Sociedade: um discurso de 10 de Junho. Para quem não gosta de tralhas.
Educação: "o mais importante é estar com atenção nas aulas". Quando o calendário escolar português entra em férias convém ler uma aluna falando do ensino. E lembrar-nos do "eduquês" e dos "libertários".
Viagens:O litoral português.O Portugal rural.
Publicidade:Bom Gosto e Saúde.
Economia:Como estamos reféns do industrialismo.
Cultura:1 Filme:
Rui Knopfli, por Eugénio Lisboa.
A morte de Eddy Paape, o desenhador de Luc Orient (argumentos do magno Greg) - uma das delícias da minha juventude. Que, contristado, descubro, atrasado, via O Herdeiro de Aécio.
1 Canção
Desporto: Um blog: o "És a Nossa Fé!". já está entre os 100 blogs mais lidos em Portugal ...
Um belíssimo texto sobre o Europeu de futebol.
jpt
Chico Buarque, que volta e meia é elogiado no ma-schamba acaba de ganhar o Prémio PT de literatura 2010. Ao que o jornal Público noticia recebeu o prémio em cerimónia simpática e simpaticamente desprovida de gritaria política. O prémio foi atribuído ao livro "Leite Derramado". Já li. Confesso que não gostei muito, apesar de ser Chico Buarque. Não gostei muito e até me atrevi a escrever algo sobre o livro.
E exactamente pelo escrevi que me diverte imenso que lhe tenham dado tantos prémios. Boas intenções e boas correcções não fazem literatura, e nisso nada apouca este livro. Mas com toda a certeza que fazem prémios. E, nesta indústria premiológica e sob ululares dilmáticos, alguém anda distraído, insensível às incorrecções. É divertido. Mais será quando alguém acordar.
jpt
O Brasil é uma vergonha. E Chico Buarque o pior daquilo tudo. (Agora que se foi o presidente racista que não gosta de louros com olhos azuis). [Para os mais dados à mpb vou avançando que aqui vi Gilberto Gil na esquizofrénica função de ministro-cantor, a chamar o poder ao palco em salamaleques de apreço. Um nojo. Prostituto. Fosse o homem da "direita" e cuspiam-lhe na campa. Onde há muito vegeta.]
jpt
É (mais) um "pequeno" exemplo da visão paradigmática do poder socialista português. José Sócrates vai ao Brasil e logo se faz constar que Chico Buarque quis conhecer José Sócrates. O cantor - acima retratado há quarenta e tal anos, quando já era Chico Buarque de Hollanda, época desde a qual já decorreram vários "sócrates" por estes países - veio, algo incomodado, negar - seria preciso negar?, a reles mentira não é tão óbvia?
Mais uma vez, pois é mais forte do que eles, lá se extravasou a mesquinhez mentirosa (e arrivista) desta gente, na sua tendência para o culto da personalidade (um caso sintomático este), na sua vertigem para a pequena (e grande?) mentira manipulatória do real, na sua adesão à encenação.
O que vale é que vamos ouvindo Chico Buarque. Até já ninguém se lembrar destes "sócrates" - alguém se lembra do nome daqueles tipos do tempo do Tanto Mar? Aqui fica a música, até para vergonha dalguns e dalgumas que com a meia-idade andam "navegando" socraticamente, até esquecidos de si próprios. (Ou será que, afinal, nunca existiram?). E junto-lhe um belo bónus. Para a gente se esquecer mais depressa destes trastes: os do poder; os assessores da tanga; e todos seus apoiantes - já indesculpabilizáveis, tamanho o despautério a que aquilo chegou, e há já muito tempo.
jpt
[Chico Buarque, Leite Derramado, Dom Quixote, 2009]
Eulálio de Assumpção, centenário moribundo em hospital público, deixa as suas memórias em registo fragmentário e até balbuciante. Homem de velha estirpe, descendendo até de "um doutor Eulálio Ximenez d'Assumpção, alquimista e médico particular de D. Manuel I" (212), transposta para o Brasil na comitiva de D. João VI, aí originando uma linha de Eulálios de Assumpção grandes proprietários. Através deste Eulálio de Assumpção (com seus avatares geracionais) pode-se entrever certo percurso do Brasil, em particular do Rio de Janeiro - até mesmo sob o ponto de vista urbanístico - de XIX e XX. Mas mais do que referir a óbvia ligação ao registo das "Memórias Póstumas ..." de Machado de Assis o que me chamou a atenção foi o fundo ideal do livro.
O protagonista é o verdadeiro Eulálio da Assumpção final, o da inversão de sentido, todos os que se lhe seguem (mas que morrerão antes dele) são tristes sequelas. Com ele, assassinado que foi seu pai em finais dos anos 20, se inicia um longo e doloroso processo de decadência. Económica, social, territorial (as deslocações das suas residências acompanham a geografia histórica do Rio). Mas onde está a força motriz dessa decadência? Na sua fragilidade pessoal, desprovido da verdadeira energia dos Assumpções, do encanto estratégico de seu pai. Mas bem mais do que isso, radica a decadência na incapacidade de resistir ao simples carnal. A morte do pai, o desaparecimento do seu viril controle civilizacional, deixa de imediato o jovem Eulálio à mercê da natureza desbragada, inconsequente, irracional - em pleno funeral de seu pai descontrola-se com a visão de sua futura mulher Matilde, e tem que se retirar, incumprindo a sua função social.
Nesse sentido a morte do pai empurra-o para uma distraída miscigenação: "Mas ora, ora, papai, disse Maria Eulália, está na cara que esse aí puxou a minha mãe mulata. Não sei quem abastecia minha filha com tantas maledicências, Matilde tinha a pele quase castanha, mas nunca foi mulata. Teria quanto muito uma ascendência mourisca, por via de seus ancestrais ibéricos, talvez algum longínquo sangue indígena." (172). Meio século depois, já avô empobrecido, continuava incapaz de reconhecer o que a sua mãe (e afinal todos os outros) identificara: "Minha mãe era de outro século, em certa ocasião chegou a me perguntar se Matilde não tinha cheiro de corpo. Só porque Matilde era de pele quase castanha, era a mais moreninha de sete irmãs, filhas de um deputado correligionário de meu pai." (39). Distracção feita de falta de preconceitos com a qual crescera: "No entanto garanto que a convivência com Balbino [com quem também desejou relações sexuais] fez de mim um adulto sem preconceitos de cor. Nisso não puxei ao meu pai, que só apreciava as louras e as ruivas, de preferência sardentas. Nem à minha mãe, que ao me ver arrastando a asa para Matilde, de saída me perguntou se por acaso a menina não tinha cheiro de corpo." (27). - [esta repetição, até estilisticamente deselegante, do episódio do "cheiro de corpo" inquirido pela mãe salienta a sua importância na economia da narrativa].
Todo o percurso deste Eulálio de Assumpção se marca na desgraçada relação conjugal com esta, afinal, mulata. Que o trairá e abandonará, assim reforçando-lhe o imobilismo existencial, condenando-o ao imobilismo afectivo. E que marcará racicamente os seguintes Eulálios de Assumpção, cada vez mais negros, por herança genética e hipotéticos cruzamentos, cada vez mais inconsequentes e falidos, mais descentrados, culminando no último dos seus descendentes, o gigolo-traficante já negão.
Este típico evolucionismo decadentista brasileiro de XIX, o da miscigenação como factor "natural" obstáculo à civilização, causa de decadência, surpreendeu-me em Chico Buarque. Será que tresli? Ou é mesmo um manifesto antropológico em forma de ficção?
jpt
perguntei, abaixo, pai quase recente e em inultrapassável enlevo. A Sara Monteiro, que faz o favor de me acompanhar neste estaminé, respondeu-me, se calhar elucidou-me:
Uma canção desnaturada
Por que cresceste curuminha
Assim depressa, estabanada
Saíste maquiada dentro do meu vestido
Se fosse permitido eu revertia o tempo
Pra reviver a tempo de poder
Te ver as pernas bambas curuminha
Batendo com a moleira
Te emporcalhando inteira
E eu te negar meu colo
Recuperar as noites curuminha
Que eu te deixei em claro
Ignorar teu choro e só cuidar de mim
Deixar-te arder de febre curuminha
Cinqüenta graus tossir bater o queixo
Vestir-te com desleixo
Tratar uma ama-seca
Quebrar tua boneca curuminha
Raspar o teu cabelo
Ir te exibindo pelos botequins
Tornar azeite o leite do peito que mirraste
No chão que engatinhaste salpicar mil cacos de vidro
Pelo cordão perdido te recolher pra sempre
R escuridão do ventre curuminha
De onde não deverias nunca ter saído.
[Chico Buarque - esse que tocou ao jantar cá em casa, hoje sexta-feira, ainda mais dia de amigo(a)s]
"Com um mínimo de pudor, mais um tanto de ódio preservado, nossa amizade se consolidou; à diferença do amor, que extravasa a toda a hora, a amizade precisa ter seus diques."
[Chico Buarque, Budapeste]