Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
"A menos que se disponham a consentir na morte, as velhas nações, por apodrecidas que estejam, não poderão dispensar novos ídolos. Desde que não tenha sido já irremediavelmente atingido, o Ocidente terá de repensar todas as ideias que lhe roubaram e que foram aplicadas, enquanto contrafacções, noutros lugares (....) Tendo abandonado a realidade pela ideia, e a ideia pela ideologia, o homem deslizou na direcção de um universo derivado, de um mundo de subprodutos, em que a ficção adquire as virtudes de um dado primordial. Este deslizar é o fruto de todas as revoltas e de todas as heresias do Ocidente, e contundo o Ocidente recusa-se a extrair dele as suas consequências últimas (...) Ao deserdar-se em benefício dos seus inimigos, corre o risco de comprometer o seu próprio fim e de perder uma ocasião suprema. Não contente com ter traído todos estes precursores, todos esses cismáticos que o prepararam e formaram, de Lutero a Marx, imagina ainda que, do exterior, outros lhe virão fazer a sua revolução e que lhe serão devolvidas as suas utopias e os seus sonhos. (...) De momento, são os seus adversários que, convertidos em teóricos do dever a que ele se esquiva, erigem os seus impérios sobre a timidez e o cansaço do Ocidente. Que maldição o terá ferido para que no remate do seu surto não produza senão esses homens de negócios, esses merceeiros, esses arranjistas de olhar nulo e sorrisos atrofiados, que encontramos por toda a parte ...?"
[Emil. Cioran, História e Utopia, Bertrand, 1994, pp. 30-32 (Tradução Miguel Serras Pereira)]
Esperando os Bárbaros
Mas que esperamos nós aqui n'Ágora reunidos?
É que os bárbaros hoje vão chegar!
Mas porque reina no Senado tanta apatia?
Porque deixaram de fazer leis os nossos senadores?
É que os bárbaros hoje vão chegar.
Que leis hão‑de fazer os senadores?
Os bárbaros que vêm, que as façam eles.
Mas porque tão cedo se ergueu hoje o nosso imperador,
E se sentou na magna porta da cidade à espera,
Oficial, no trono, co'a coroa na cabeça?
É que os bárbaros hoje vão chegar.
O nosso imperador espera receber
O chefe. E certamente preparou
Um pergaminho para lhe dar, onde
Inscreveu vários títulos e nomes.
Porque é que os nossos dois bons cônsules e os dois pretores
trouxeram hoje à rua as togas vermelhas bordadas?
E porque passeiam com pulseiras ricas de ametistas,
e porque trazem os anéis de esmeraldas refulgentes,
por que razão empunham hoje bastões preciosos
com tão finos ornatos de ouro e prata cravejados?
É que os bárbaros hoje vão chegar.
E tais coisas os deixam deslumbrados.
Porque é que os grandes oradores como é seu costume
Não vêm soltar os seus discursos, mostrar o seu verbo?
É que os bárbaros hoje vão chegar
E aborrecem arengas, belas frases.
Porque de súbito se instala tal inquietude
Tal comoção (Mas como os rostos ficaram tão graves)
E num repente se esvaziam as ruas, as praças,
E toda a gente volta a casa pensativa?
Caiu a noite, os bárbaros não vêm.
E chegaram pessoas da fronteira
E disseram que bárbaros não há.
Agora que será de nós sem esses bárbaros?
Essa gente talvez fosse uma solução.
[Constantin Cavafy, tradução de Alexandre O'Neill, republicada em Coração Acordeão, Independente, 2004]