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2 juntas sobre hoje

por jpt, em 25.12.10

 

"A menos que se disponham a consentir na morte, as velhas nações, por apodrecidas que estejam, não poderão dispensar novos ídolos. Desde que não tenha sido já irremediavelmente atingido, o Ocidente terá de repensar todas as ideias que lhe roubaram e que foram aplicadas, enquanto contrafacções, noutros lugares (....) Tendo abandonado a realidade pela ideia, e a ideia pela ideologia, o homem deslizou na direcção de um universo derivado, de um mundo de subprodutos, em que a ficção adquire as virtudes de um dado primordial. Este deslizar é o fruto de todas as revoltas e de todas as heresias do Ocidente, e contundo o Ocidente recusa-se a extrair dele as suas consequências últimas (...) Ao deserdar-se em benefício dos seus inimigos, corre o risco de comprometer o seu próprio fim e de perder uma ocasião suprema. Não contente com ter traído todos estes precursores, todos esses cismáticos que o prepararam e formaram, de Lutero a Marx, imagina ainda que, do exterior, outros lhe virão fazer a sua revolução e que lhe serão devolvidas as suas utopias e os seus sonhos. (...) De momento, são os seus adversários que, convertidos em teóricos do dever a que ele se esquiva, erigem os seus impérios sobre a timidez e o cansaço do Ocidente. Que maldição o terá ferido para que no remate do seu surto não produza senão esses homens de negócios, esses merceeiros, esses arranjistas de olhar nulo e sorrisos atrofiados, que encontramos por toda a parte ...?"

 

[Emil. CioranHistória e Utopia, Bertrand, 1994, pp. 30-32 (Tradução Miguel Serras Pereira)]

 

 

 

 

Esperando os Bárbaros

 

 

Mas que esperamos nós aqui n'Ágora reunidos?

 

É que os bárbaros hoje vão chegar!

 

Mas porque reina no Senado tanta apatia?

 

Porque deixaram de fazer leis os nossos senadores?

 

 

 

É que os bárbaros hoje vão chegar.

 

Que leis hão­‑de fazer os senadores?

 

Os bárbaros que vêm, que as façam eles.

 

 

 

Mas porque tão cedo se ergueu hoje o nosso imperador,

 

E se sentou na magna porta da cidade à espera,

 

Oficial, no trono, co'a coroa na cabeça?

 

 

 

É que os bárbaros hoje vão chegar.

 

O nosso imperador espera receber

 

O chefe. E certamente preparou

 

Um pergaminho para lhe dar, onde

 

Inscreveu vários títulos e nomes.

 

 

 

Porque é que os nossos dois bons cônsules e os dois pretores

 

trouxeram hoje à rua as togas vermelhas bordadas?

 

E porque passeiam com pulseiras ricas de ametistas,

 

e porque trazem os anéis de esmeraldas refulgentes,

 

por que razão empunham hoje bastões preciosos

 

com tão finos ornatos de ouro e prata cravejados?

 

 

 

É que os bárbaros hoje vão chegar.

 

E tais coisas os deixam deslumbrados.

 

 

 

Porque é que os grandes oradores como é seu costume

 

Não vêm soltar os seus discursos, mostrar o seu verbo?

 

 

 

É que os bárbaros hoje vão chegar

 

E aborrecem arengas, belas frases.

 

 

 

Porque de súbito se instala tal inquietude

 

Tal comoção (Mas como os rostos ficaram tão graves)

 

E num repente se esvaziam as ruas, as praças,

 

E toda a gente volta a casa pensativa?

 

 

 

Caiu a noite, os bárbaros não vêm.

 

E chegaram pessoas da fronteira

 

E disseram que bárbaros não há.

 

 

 

Agora que será de nós sem esses bárbaros?

 

Essa gente talvez fosse uma solução.

 

 

 

[Constantin Cavafy, tradução de Alexandre O'Neill, republicada em Coração Acordeão, Independente, 2004]

publicado às 19:00


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