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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[Jarmila Kratochvilova]
Há alguns dias, logo após as eleições portuguesas, no mural FB de um colega moçambicano comentavam-se os resultados. Aí surgiu alguém referindo as ligações do PS com a Renamo. Espantei-me. E na conversa lá tentei enquadrar historicamente essa velha e desactualizada ideia, a da ligação do PS com as oposições armadas de Angola e Moçambique, nisso recuando fundamentalmente aos anos 1980s. Com humor o principal interlocutor elevou-me a "elefante", presumo que aquele da mítica memória. É isso, estou velho. E sem querer. Aconteceu-me. Percebo isso muitas vezes, nas aulas, e não só pelo ar viçoso daqueles que ali me enfrentam. Ao procurar enquadrar o que foi sendo dito reparo que acontecimentos fulcrais ocorridos na minha adultice são vistos com a estranheza que eu dedicava, em tempos, à Comuna de Paris ou, até, à Guerra dos 100 anos (quando foi mesmo?).
Raramente isso me acontece no bloguismo (e talvez por isso, pela ilusão do invelhecimento, eu tanto blogue). Mas veio hoje. Ao ler o Pedro Correia. Ecoa ele um grande blog comunista português, de farta audiência e basta prosa. E onde agora mesmo (presumo que mais uma vez) se gaba o regime cubano, pois naquele país se descobriu (ao que consta, e espero bem que sim) a vacina contra o cancro do pulmão. [E a gente a fumar os havanos, claro].
E nisso lá me senti envelhecido, logo me lembrei de já adulto ouvir e ler tantos elogios à Jarmila Kratochvílová, mais aos outros todos. E ao Sputnik, à Laica, à Valentina Tereshkova, tudo aquilo assente no grande Stakhanov, claro era. E como todos aqueles sucessos mostravam da bondade geral do qual tudo aquilo brotava. Da superioridade do "sistema". E da sua "moral". Repito, já eu era adulto e continuava aquela missa.
30 anos depois continuam. Não mudaram nada, nada largaram daquela ignorância. E da maldade. Apenas mais fel. Convém não esquecer o que fizeram durante décadas por todo o mundo, com o fel esperançoso que tinham. Convém para imaginar o que o actual fel desesperançoso (aliás, desesperado) poderia provocar. Se os ouvirmos.
Ou, realmente mais velho, reduzir a patético as apatetadas prosas. Malévolas, sempre. Mas patetas. "Inlinkáveis" ...
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Entre-outros e num breve café no campus conhecemos um simpático colega vindo do tão-norte. Logo o convidamos a conhecer as nossas instalações e até, com prazer, o nosso gabinete. Porque este também exíguo cedo-lhe minha cadeira e mesa, enquanto todos nos juntamos ali, como se à volta do fogo. Ele fala. Topológico, como o meio de onde vem. Desatento - do com quem convive e, por isso mesmo e acima de tudo, de todo o mundo que o rodeia. Tiques do irmão grande, esquerdista superficial ("o radicalismo pequeno-burguês de fachada ...", como dizia, acertadamente, o pesadelo - ainda que a fachada de hoje seja menos proletária), com que as universidades os moldam. E é nisso, nessa eulogia colectiva constante, e por isso abrasiva, que no caminho das palavras, sem que haja motivo-motivo, o vejo a atacar Nabokov e Borges, resmungando-lhes as posições políticas. Não se está a lembrar de nenhum compagnon de route (e, recém-chegado a um país que já foi comunista e maoísta, até lhe podia cair o raciocínio para esse apressado). Pois a questão nunca é com esses ... Repito, acabei de conhecer o simpático colega, e está, a meu convite, sentado na minha cadeira, na minha mesa de trabalho.
Não, não é um lisboeta bloquista, cheio de si próprio e dos seus amigos trendy. Mas ao ouvi-lo sorrio, de súbito em pleno Janeiro Verão sinto-me longe, lá no Bairro Alto, como se em pleno lisboeta fado vadio. Em casa?Mas depois ... não. Que aquela não é a minha casa. Mental. Pois alienada ...
“Quando eu costumava dizer que o comunismo, a longo prazo, era uma coisa grandiosa e necessária; que a jovem e nova Rússia estava a produzir valores maravilhosos, embora ininteligíveis para mentes ocidentais e inaceitáveis para exilados amargos e despojados; que a História não conhecera nunca tanto entusiasmo, ascetismo e altruísmo, tal fé na igualdade iminente de todos nós – quando eu costumava falar assim, a minha mulher respondia serenamente: “Acho que dizes isso só para me irritar, e acho que isso não é bonito.” Mas na verdade eu falava muito sério, pois sempre acreditei que o emaranhado das nossas vidas ilusórias exige tal mudança essencial; que o comunismo criará de facto um belo mundo quadrado de indivíduos vigorosos e idênticos, de ombros largos e microcéfalos; e que uma atitude hostil perante ele é simultaneamente infantil e preconceituosa, lembrando-me a cara que a minha mulher faz – narinas tensas e uma sobrancelha erguida (a ideia infantil e preconcebida que se tem de uma vampe) sempre que se vê ao espelho.”
[Vladimir Nabokov, Desespero, Editorial Teorema, (27)]
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