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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
No Delito de Opinião um texto obrigatório de Sérgio Almeida Ribeiro. Sobre a trapalhada na reunião de um organismo da CPLP provocada pela aceitação do Acordo Ortográfico. Para quando a reversão deste tardo-colonialismo socialista?
Interessante texto no Machina Speculatrix: ali se refere a iniciativa a presidente da A.R. portuguesa, Assunção Esteves, de propor aos membros da CPLP o programa “Programa Pessoa CPLP”, de mobilidade de estudantes do ensino superior e profissional similar ao "Erasmus" na União Europeia.
Porfírio Silva (o autor do blog) saúda a iniciativa de Esteves e a sua abertura às ideias da oposição pois, recorda, esta é uma proposta da nova direcção do Partido Socialista (a qual julgo que ele integra) inscrita no seu documento programático "Agenda para a Década", inclusive com o realce de um capítulo "Valorizar o Espaço Lusófono" e que cita no postal que aqui ligo. Independentemente da paternidade da proposta - questão política que Porfírio Silva aflora -, muito saúdo esta convergência sobre a matéria, a qual muito me interessa, até profissionalmente.
Entretanto, e porque o próprio postal em causa convoca explicitamente à reflexão dos leitores sobre o assunto, lembrei-me de um postal no ma-schamba: "Intercâmbio universitário em espaço lusófono". Está datado de 15 de Junho de 2004: refere a assinatura entre os ministro da educação/ensino superior da CPLP de um protocolo para a criação em dez anos de um espaço lusófono comum de ensino superior, para "promover a mobilidade de estudantes, professores, investigadores e técnicos".
Então, nesse postal, elaborei algumas ideias sobre a matéria. E transcrevi a notícia do "Público" com os desígnios do membro do governo português. Foi há onze anos. 11 anos! - e seria interessante saber o que se fez entretanto. Algo?
Agora os grandes partidos portugueses propõem o mesmo. E discute-se a paternidade da ideia "actual" ...
Até daqui a uma década.
Há dias meti um postal, bem intencionado, sobre a "interacção" cultural entre Moçambique e Portugal. Nele está ainda a ligação para agradáveis declarações de Mia Couto, saudando a boa qualidade da actual "cooperação" cultural entre os dois países. Distingo os termos pois no jargão "cooperação" remete para articulações sob quadros institucionais (estatais ou não-governamentais) algo diversos da "interacção" entre profissionais das áreas, neste caso culturais. A distinção pode ser ténue, porosa, mas quem acompanha o sector de actividade percebe, de imediato, o que se pretende apartar.
Há muitos anos que estou afastado dessa área, não tenho grande informação. Ouvindo o mais que respeitável Mia Couto surpreendi-me um pouco, ficando esperançado que esteja correcto. Descreio um pouco, por razões múltiplas. No topo das quais sempre coloco um problema ... cultural. Pois as características sociológicas da administração pública portuguesa são um grande obstáculo ao estabelecimento de políticas de cooperação, muito em particular nos sectores da acção cultural. Mas concedo, bastar-me-á aceder a um documento indexando projectos estruturantes (efectivamente) realizados em algumas áreas culturais para rever este meu cepticismo. E fá-lo-ei com grande prazer.
Dito isto. Foi sonoro o acontecido na semana passada em Lisboa, na entrega do prémio APE a Alexandra Lucas Coelho. A escritora fez um discurso abrasivo, no qual articulou literatura e política, e criticou duramente o presidente da república e o governo. Simpatizo com as gentes das artes e letras afrontando os poderes políticos e, mais ainda, os económicos. Gostei do acto. Certo que discordo de algumas coisas que a autora disse (um erro factual, aquele de que o PM actual mandou os professores emigrar, uma coisa que não aconteceu; uma interpretação muito reducionista sobre o "local" do salazarentismo na sociedade portuguesa; e uma visão muito ... sincrónica das maleitas da sociedade), mas nisso cada um interpreta como vê.
Como se tornou público, após o discurso da escritora ripostou o secretário de estado da cultura, algo a despropósito. Os adeptos do actual governo gostaram, mas é óbvio que gostaram mal. Um membro de um governo não se comporta assim, muito menos numa sessão protocolar. E se quer ripostar (erro) arranja um registo adequado. Mas enfim, cada um riposta como quer. E pode.
O enorme burburinho causado chamou-me a atenção para outra coisa. Pois nesses mesmos dias acontecia em Maputo a IX reunião de ministros da cultura da CPLP, acto que ocorre em cada dois anos. Na qual, com toda a certeza, as questões da "cooperação" cultural (e concomitantes efeitos indutores da "interacção") foram discutidos, planeados e, talvez, melhorados. Ao nível multilateral e nos âmbitos bilaterais. E presumo que, dada a ênfase linguística que esta cooperação vem tendo, terão sido discutidas questões ligadas à dinamização do "português" língua.
Acontece que o nosso governo não considerou importante a reunião e não esteve presente. E o responsável pelo sector, em vez de aqui se ter apresentado, foi-se para a cerimónia de um prémio literário (por mais estimável que este seja) arranjar um banzé daqueles, chamando sobre si a atenção. De todos e, como tal, dos seus congéneres reunidos em Maputo.
É óbvio que há aqui qualquer coisa descalibrada. E, infelizmente, tudo isto só sublinha o meu cepticismo sobre as possibilidades da tal "cooperação".
- O regresso de um ovni chamado Mler Ife Dada, um belo e acertado texto sobre música em Portugal, e sobre a bela banda que agora ... rejuvenesceu.
- Uma belíssima entrevista com o realizador José Fonseca e Costa, no cinéfilo sempre interessante À Pala de Walsh.
- Qualquer português que se preze deverá ler este texto e todas as ligações que inclui. Pois Nuno Castelo-Branco no Estado Sentido tem deixado, ao longo de anos, uma avisadíssima reflexão sobre as reclamações portuguesas sobre a soberania das zonas marítimas e as dificuldades que implicam.
- A problemática ucraniana demonstra o pensamento (e a ética) na esquerda comunista portuguesa. Este breve texto de Pedro Correia demonstra-o "até ao osso".
- Como ateu radical (algo que nada confundo com mata-frades) tenho um particular apreço por Bento XVI (personagem que alguns antropólogos portugueses funcionários públicos com funções de docência e/ou investigação tratam por Ratzinger, razão que deveria ser suficiente para o seu despedimento sumário, apenas por incompetência). Um breve e belo texto sobre o grande Papa: a mais nobre solidão.
- Sobre a CPLP (a comunidade dos países de língua oficial portuguesa, para os mais distraídos) e a adesão da Guiné-Equatorial um texto final de Pedro Correia no Delito de Opinião.
- Fernando Tordo: o cantor, antiga estrela da canção portuguesa, anunciou que emigra para o Brasil por falta de trabalho e nisso criticou o "estado da arte" em Portugal. Vai-se ao google e entende-se, tantos os postais que lhe são dedicados, como criticar provoca que a mole (bloguística, internética) esquadrinhe a vida do crítico, e lhe deturpe os passos. Há sempre um filho da puta dentro de nós ...
- Não é sobre Portugal mas também é sobre Portugal: um excelente artigo "Why is Academic Writing so Academic?", mais do que recomendável leitura.
- No Sound + Vision está a ser publicada uma série de artigos sobre Lou Reed: Lou Reed em quatro discos (1); Lou Reed em quatro discos (2), são os já disponíveis.
O Instituto Camões e o Instituto de Investigação Científica e Tropical apresentaram há pouco uma exposição em Maputo, na estação dos caminhos-de-ferro. "Caras e Citações: uma interpelação estética sobre Universidade, Cultura e Desenvolvimento" de Ana de Macedo. A nota que acompanhava o convite definia-a como "um trabalho de design conceptual impresso em telas de grandes dimensões, que nos propõe um diálogo entre as Letras, a História e alguns caminhos da Arte Contemporânea.".
Fui ver. Entre o desconfiado ("Desenvolvimento" na arte?) e o curioso (é raro o Camões organizar coisas fora do seu Centro Cultural, alguma especificidade haveria). E acima de tudo pelo local, que é privilegiado. Espaço amplo e coberto, edifício simbólico. E local popular, milhares de pessoas passando. E burguês, com sua loja, galeria e restaurante-bar. Confluência de públicos, algo muito interessante. Em particular pela promessa de uma intervenção (que vozes amigas me anunciavam de grande dimensão física) de arte contemporânea, expressão aqui ainda problemática e até rara. Que tipo de intervenção seria, e como seria a reacção dos públicos a algo que se presume diferente ao aqui habitual?
O átrio da estação estava assim completado, impossível não comunicar, interagir com os passantes. Depois isto:
Não vou discutir da estética da apresentação. Nem das suas características técnicas (Trata-se de painéis com congregação de imagens, fotos de intelectuais, alguns populares e um conjunto de citações e alguns slogans.) Pois não é disso, assumidamente, que se trata quando se invoca a "arte contemporânea". Assim de repente fico-me apenas pela consideração do conteúdo, do projecto, (do "conceito" se se quiser regressar à malfadada moda terminológica) que é o realmente significante. Estamos diante de uma peça de arte que quer discutir "Desenvolvimento", e "Cultura" e "Universidade", mesclada com uma crítica a jeito às instituições públicas (CPLP) em versão Ong.
Não me parece que a arte tenha que ser revolucionária, nem mesmo que tenha que obrigatoriamente fazer rupturas (ou pelo menos que tenha que fazer rupturas com as rupturas, num incessante processo que é já tradição, o pérfido paradoxo). A grande questão é o que quer dizer.
Ora esta arte, que o Camões e o Instituto de Investigação Científica e Tropical trouxeram inusitadamente ao local popular de Maputo, é a arte que nos vem dizer "a lusofonia pode ser aplicada a qualquer parte do mundo". Ou (tres)citando Orlando Ribeiro [um grande intelectual e homem do seu tempo] "Português não é assim um conceito de raça mas antes, mas antes "uma unidade de sentimento e de cultura" que aproximou homens de várias origens".
Se esta exposição tivesse sido trazido por estas instituições públicas nacionais para ser apresentada na Escola Portuguesa de Moçambique, também ela pública, eu poderia invectivar a paupérrima "arte oficial" (para facilitar). Como perversora do que poderemos entender como arte, descurada na sua profundidade analítica, facilitadora (técnica e conceptualmente). E como meramente reprodutora da mais básica versão de uma concepção retrógada, ignorante, aplainadora, da história e da actualidade, aquilo a que dantes (?) se chamaria uma "ideologia oficial". Um projecto? Nem tanto, nesse hipotético caso seria uma acção prejudicial à visão do mundo, pois dela empobrecedora, dos hipotéticos alunos que com ela contactariam.
Mas isto foi para o centro da cidade. Com um conteúdo destes trata-se de uma mera acção de propaganda, completamente "fora da placa". E como tal nem se discutem os eventuais méritos ou deméritos da sua dimensão artística. Pois é algo político, mera e incompetentemente político. Apenas dá para perguntar o que é que se passa na cabeça de quem aprova estes projectos. Em que mundo gostariam de viver?
Isto, na mediocridade que transparece, não é inacreditável. É inaceitável.
[Alguns dirão que estou a dar uma pancada nos responsáveis aqui vizinhos. Não estou. Estou mesmo crente, sem que tenha sabido de nada, que da sábia Lisboa lhes impingiram isto. E que nessas alturas não há nada a fazer. Apenas suportar. E esperar que passe. Já passou. Até à próxima coisa jeitosa.]
jpt
Ontem foi entregue o Prémio Camões a Arménio Vieira. Reportagem breve no telejornal da RTP (ou seria SIC?) entre as notícias dos protocolos de "cooperação" ("onde é que nós já ouvimos isto?") entre Portugal e Brasil. Nas imagens sobre a cerimónia de entrega, onde não apareceu o premiado (terá estado ausente?), excertos das declarações do presidente do Brasil e do presidente de Portugal [aqui o discurso de Cavaco Silva]. Ambos enfáticos sobre a importância da "língua portuguesa" no mundo, credora (Cavaco Silva colocou mesmo o caso assim) do respeito e atenção alheia. Sobre a obra do premiado, sobre a literatura dele ou em geral? Nada.
Nenhum deles, dos presidentes, terá um assessor que seja para dourar a pílula? Para fingir ao laureado que é dele que se trata, que é o seu ofício e a sua obra que se invoca e premeia? Não é por nós, é mesmo pelo desgraçado ali aprumado, até trémulo. Imagino-o, com a placa e o cheque na mão, acabadinhos de receber, a olhar em redor a ver se alguém lhe liga. No meio dos outros, assessores dos protocolos de "cooperação". "Você é quem?!" "ah, o escritor ... sim, sim, muito importante, muitos parabéns", "vá, estão ali os jornalistas (ou melhor, as jornalistas) para falar consigo, vá lá, vá lá".
São boas estas coisas da lusofonia. [e lembro-me de um assessor de PM que veio aqui no século passado e vendeu o espectáculo de gala do Presidente de Moçambique a um banco português qualquer. E que, diante do desespero de quem o aturava, ainda se abespinhou, o sacana ...].
Eu continuo na minha, dava o prémio ao Vargas Llosa. E chamava Cervantes a meia dúzia de avenidas. Porque deveria ser isso a cultura em Portugal. Onde a gente fala português.
jpt
Adenda: Orlando Castro, do Alto Hama teve a gentileza de me enviar cópia do artigo "Pepetela também escreveu um dos hediondos crimes", da autoria de Jorge Eurico, publicado a 06.12.2005 no Notícias Lusófonas bem como um texto seu publicado no Alto Hama: "Picada de Marimbondo. Ernesto Lara Filho sempre".
Deixando aqui a referência a estes textos acompanho-a de uma nota minha: não proponho uma "caça aos bruxos", uma inquirição aos escritores que participaram no esforço torcionário netiano; nem digo que até hoje houve um total silêncio. Apenas vou interrogando onde estavam os olhos (para ler) e as mãos (para escrever) dos académicos oficiais "lusófonos" que vão sendo juris dos prémios oficiais lusófonos. Do mérito das obras rezarão outros - mas os prémios que vão sendo atribuídos são prémios políticos, daí a interrogação.
Adenda: Orlando Castro, do Alto Hama teve a gentileza de me enviar cópia do artigo "Pepetela também escreveu um dos hediondos crimes", da autoria de Jorge Eurico, publicado a 06.12.2005 no Notícias Lusófonas bem como um texto seu publicado no Alto Hama: "Picada de Marimbondo. Ernesto Lara Filho sempre".
Deixando aqui a referência a estes textos acompanho-a de uma nota minha: não proponho uma "caça aos bruxos", uma inquirição aos escritores que participaram no esforço torcionário netiano; nem digo que até hoje houve um total silêncio. Apenas vou interrogando onde estavam os olhos (para ler) e as mãos (para escrever) dos académicos oficiais "lusófonos" que vão sendo juris dos prémios oficiais lusófonos. Do mérito das obras rezarão outros - mas os prémios que vão sendo atribuídos são prémios políticos, daí a interrogação.
Dentro de alguns meses decorrerá em Maputo a conferência dos ministros da Cultura da CPLP. Não estou particularmente expectante quanto aos seus resultados (quem o estará?), mas sempre poderá implicar algum processo positivo. Tenho as maiores reservas a estas conferências inter-ministeriais. Para mais quando tutelam áreas intangíveis, por norma secundarizadas e suborçamentadas. E, para cúmulo, quando agregam representantes de um organismo que não apresenta sinais de particular vitalidade, a esconsa CPLP. Mas, repito-me, esta conferência sempre poderá implicar algum processo positivo.
Há quinze dias um verdadeiro escol dos intelectuais e artistas moçambicanos esteve em Salvador a convite do ministério da cultura brasileiro para participar num encontro preparatório da citada conferência. Também os outros países africanos da CPLP estiveram representados a nível governamental (à excepção de Moçambique) e por personalidades da área.O carácter inusitado desta reunião preparatória deixa adivinhar algumas dinâmicas, ao demonstrar um novo interesse brasileiro nas relações culturais com os países africanos (e não só da CPLP):
a. o interesse do seu próprio ministro da cultura na dinamização das ligações com a área cultural africana (Gilberto Gil, está claro; reunião em Salvador, “sede” do sincretismo);
b. um sinal (mesmo que secundário) de um novo interesse do Brasil de Lula no desenvolvimento das relações Sul-Sul, o anunciado estabelecimento de laços multilaterais que o reforcem no diálogo com o Norte (o celebrado eixo Brasil-África do Sul-Índia; e para quando a Indonésia?);
c. e, por silogismo, uma diferente concepção do intercâmbio cultural. A procura de uma maior simetria (ainda que o “etnocentrismo” brasileiro e o seu desconhecimento das realidade africanas venha sempre ao de cima, diz quem sabe) nas relações culturais; a percepção do capital político que os laços culturais poderão vir a assumir, cimentando relações no futuro.A um outro nível o encontro de Salvador reforça a ideia da relativa ineficiência da CPLP. Pois muito do que ali foi discutido já teria sido protocolado em 2000, não tendo sido possível percorrer caminhos nesse sentido. Mas valerá a pena insistir.