Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Daniel da Costa investe contra a nova mania de se utilizar "aderência" no sentido de "adesão". Sorrio, concordante. Mas logo me lembro destes tipos da "esquerda libertária" - e tantos de blog em riste -, ufanos no paleio de que a grafia é uma convenção, como se mera repressão de uma "natureza" humana livre como um passarinho por ela amordaçada (somos um beija-flor, não é assim?!). E não é uma convenção utilizar "adesão" e não "aderência"? Ou outra qualquer palavra? Não é uma mera convenção (repressora) dizer "intelectual" em vez de "imbecil", "reflexivo" em vez de "desonesto", "libertário" em vez de "reaccionário"? Ou "pensante" em vez de "dioajtroai"? Ou "daçqwue"? (não é uma convenção do teclado "qwert" que me produz estes "libertários" neologismos?). Vou ali e já venho. Farto de "filósofos do homem" "zerohuitards"...
O Daniel da Costa entra no bloguismo. Está no O Tricô das Maçanicas.
"Vai Fazer Bom Preço" é a exposição que o fotógrafo português, cá residente, Pedro Sá da Bandeira está a apresentar no Instituto Camões (até 8 de Março). São 24 fotografias - cujas reproduções aqui são empobrecedoras - em estilo de retrato-pose mostrando 24 vendedores de rua - a maioria ambulantes, alguns nem tanto, que bem conheço o seu poiso certo. Estimulante exposição: por um lado a mostrar o modo inteligente, nada exótico ou exotizante, com que o fotógrafo se animou na cidade e com a gente nela, como a capta sem subterfúgios "poetizadores"; por um outro lado porque neste olhar cara-a-cara, apenas aparentemente despido, deixa um documento da paisagem humana (um olhar etnográfico, se se quiser) dos tempos que passam; finalmente, porque este mostrar os vendedores, nomeando-os (nome e local de trabalho) sem os empacotar ("artística" ou "poeticamente"), é um óbvio manifesto, um combate ao anonimato social de uma classe de trabalhadores que o são (anónimos) por excelência, ostracizados e estigmatizados - estigma auto-reproduzido, pouco atreitos a serem fotografados e mostrados pela exo-desvalorização individual que assumem como própria.
Uma bela iniciativa muito bem captada pelo Daniel da Costa que, no texto de apresentação, deixa: "Os seus olhos [do fotógrafo] são alérgicos às feridas. Em silêncio, tratou de eliminar da moldura uma boa parte dessa imagem e arregaçou as mangas de novo. Foi à procura do outro lado da história, um lado real, sem o cliché do costume, mas algo ausente dos nossos álbuns. (...) A objectiva entendeu assim dar a César o que é de César. Devolveu ao vendedor ambulante o segundo pé e a dignidade que lhe é roubada todos os dias um pouco."
A visitar por todos - em particular pelos que têm, seja por profissão seja por aspiração, a ideia de representar (até analiticamente) a gente que faz o real. A ver se despem um pouco o seu ver.
Acho que podia ter havido um maior arrojo no acto de expor - sem colocar em questão o central do projecto. Espero que isso venha a acontecer nas próximas apresentações desta exposição, que presumo virem a acontecer nas cidades a centro e norte do país.
Acabado de lancar este "A Ciência de Deus e o Sexo das Borboletas" (Ndjira), o segundo livro do excelente Daniel da Costa, o seu primeiro de contos (chama-lhe "estórias"). Lembro que o Daniel da Costa é um autor muito cá de casa.
Andei pelas livrarias, a comprar as poucas prendas e a falar com os empregados. Nas duas maiores livrarias de Maputo, as Escolar Editora, comprei o antepenúltimo “As duas sombras do rio”, o qual está esgotado, cinco meses depois de sair. Que raio, porque fizeram tão poucos? Do último de Mia Couto “O Fio das Missangas”, edição local há apenas um mês restam 30 em armazém, e repito a pergunta. Do delicioso “Xingondo”, belas crónicas de Daniel da Costa, nem vê-lo. E estas nem são edições patrocinadas, mas faltou qualquer coisa.
[Já agora que falo do Xingondo, um aviso de não crítico a quem chegou até aqui. É o cronista que mais me encanta nesta terra, não um imortal, mas algumas das peças bem conseguidas e, mais do que tudo, com uma ironia suave por aqui tão única, que o hábito dos seus colegas é um risco bem grosso, para ser nítido, que até cansa].
De Panguana, “O Chão das Coisas”, a biografia de Coluna “O Monstro Sagrado”, “A Viagem Profana” de Nelson Saúte, tudo da segunda metade de Dezembro nem sombra. Deste pacote de fim de ano só os “Poemas de Prisão” de Craveirinha à venda, nos escaparates usa-se dizer, e talvez porque noblesse oblige. E, atenção, todos patrocinados. Causa - efeito?
Cá para mim anda-se a dormir na forma, mas enfim, não sou homem de negócios. Mas fico-me, falta distribuição, não tão difícil assim em Maputo. Repito, é o raio dos patrocínios, o livro está feito, há o objecto e pronto, ninguém se preocupa mais.
E já agora, que falo de livros. Bebo com o poeta Afonso dos Santos, ele ia mais adiantado do que eu, mas ainda assim vai dizendo que anda à procura de editora para dois novos livros. Um “Coleccionador de Quimeras” que aqui esgotou 750 exemplares de poesia e anda à procura de quem o edite? Em casa vou ver-lhe o livro e lá está, patrocínio institucional, cheira-me a metade da edição metida em caixotes como retribuição do taco avançado e, aposto, desde então condignamente clandestinos para não desarrumar os corredores. Não sou muito de poemas, defeito ou característica, não sei. Mas um tipo que se avança com
Quando as minhas angústias
começam a morder-me
ponho-lhes a trela
saio à rua a passeá-las
e deixo-as ladrar
ao tédio transeunte.
Depois ponho-lhes asas
e deixo-as voar
como pássaros
em busca de primaveras
imprevisíveis
bem que deveria ser editado, mas para ser mesmo lido. Fosse ele de salões e talvez. Mas se calhar ladra-nos demais, a nós transeuntes.