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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
De David Mestre, poeta angolano de origem portuguesa, falecido em 1997, apenas tinha lido o seu "Lusografias", um registo de crónicas. Agora encontrei este "Nas Barbas do Bando" (Ulmeiro / União dos Escritores Angolanos, 1985). Lembrando o contexto histórico e biográfico do autor, retiro-lhe dois poemas que me parecem reconhecer (imagino?) o eixo de um percurso abissal.
Portugal Colonial
Nada te devo
nem o sítio
onde nasci
nem a morte
que depois comi
nem a vida
repartida
p'los cães
nem a notícia
curta
a dizer-te
que morri
nada te devo
Portugal
colonial
cicatriz
doutra pele
apertada
O Poeta Deve
O poeta deve
manter-se perfilado
em andamento
respeitar o sinal
no cruzamento
manejar assim
o armamento
saber guardar
recolhimento
e não deve
tocar douvido
o instrumento
extraviar
o fardamento
com prometer
o cumprimento
deste burocrático
regulamento
O livro tem ainda um interesse complementar. A contracapa apresenta este manuscrito de José Craveirinha, um poema dedicado ao autor. Aqui o deixo, não como curiosidade, mas como óbvio diálogo aos pólos acima transcritos:
(ao David Mestre)
Delito
O delito
imperdoável dos genuínos poetas
é não serem amordaçáveis
Porque
mesmo depois do seu homicídio
o defeito deles é terem na poesia
a bater os pulsos em cada verso
a verdadeira pátria insilenciável
em vez da vida.
(21.4.78)
jpt