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Diário belga (2): grafitos

por jpt, em 29.10.14

 

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É o meu primeiro fim-de-semana em Bruxelas, algo frio ainda que mo digam caloroso, e é dia da bicicleta, dia sem carros. Saímos, calcorreamos um pouco até Montgomery (em versão estátua lá está o general, qual nosso Wellesley, dito também Wellington), avançamos até ao acolhedor Parque do Cinquentenário, encimado pelo Arco do Triunfo e edifícios adjacentes, um conjunto-calhau imponente no tamanho e desengraça.

Nestes últimos dias por aqui tenho caminhado, surpreendido com a afabilidade das pessoas - talvez porque vim arrepiado com a rudeza lisboeta. E agradado com a limpeza da cidade, não impolutamente ascética mas vivida com elegância. Também a das suas paredes, ainda que lá mais para os arrabaldes, já na via do empobrecimento, encontre alguns, parcos, resquícios do desnorte que alguns dizem “acção afirmativa”.

Hoje, aqui no parque, vizinhança de casa, cruzo este o "arco triunfal" da colonial Bélgica - qu'aquilo é de 1880, do cinquentenário da independência do país, mandado construir pelo pérfido Leopoldo do Congo quando, ufano empresário imperial, reconstruiu a cidade, tanto dela arrasando-a em nome da "modernidade". E entre os passeantes que cruzam o marmóreo edifício noto, ainda ao longe, esta mancha. Estanco. Pois é, nesta Brasília da Europa, a capital administrativa da UE, o primeiro traço português que encontro. O escarro grafitado... "slb" em vermelho vivo. Arrepia-me, tanto como se aquilo fosse oriundo de outro qualquer clube. Resmungo-o para a família, e para os amigos que nos ombreiam. Aproximo-me, telemóvel na mão, registando. 

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E logo ali, no impoluto monumento, entre o aprazível prado que é o grande parque, vou encontrar mais resquícios dos meus patrícios, mais urros grafitados. Fotografo-os, enojado com as minhas gentes. Os boçais que por aqui andaram. E não terei sido o primeiro português aqui a passar, decerto que alguém já terá avisado as instituições portuguesas por cá representadas. As quais poderiam tratar, em registo de afabilidade, de se oferecerem para limpar isto. Poderia ser o próprio Benfica, até aproveitando para se conluiar com o Anderlecht, seu congénere local. Ou a Câmara de Lisboa, ainda que  o seu presidente navegue numa cidade grafitada, e ele próprio induza esta "expressão artística" - essa "street curio" que os intelectuais, em frémitos eunucos, papagueiam como "street art". Ou mesmo uma secretaria de Estado da Cultura, se por acaso ainda subsiste. E isso não como se substituindo-se aos de cá, apenas mostrando que nem tudo nem todos somos assim. Guturais.

Já o disse, hoje é o dia sem bicicletas. Passearemos todo o dia, por esta Bruxelas central. Sem encontrar outros grafitis, ou grafitos ou lá como gostam de dizer. O único lixo que encontro é este, o dos patrícios que se sentem "livres", livres de se expressarem, de serem significantes. Sendo, realmente, insignificantes. Como insignificam aqueles a quem foi delegado o poder de lhes balizar a "expressão" legítima.

publicado às 14:57


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