Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
(Ponte sobre o Licungo, em Mocuba, desconheço a autoria da foto).
Cheias a norte, vejo várias fotografias mostrando efeitos da ira das águas. Aqui o estado actual da ponte de Mocuba que eu conheci assim,
e sobre a qual, em tempos, botei um postal
Isto das cheias a norte lembra-me sempre, com nostalgia, de um trabalho que fiz há muito tempo exactamente durante umas cheias. Há mais de dez anos botei no blog um texto sobre isso, e guardei-o aqui, junto com outros. Repito-o agora:
Nas cheias do Zambeze
Perto de onde era o batelão do Chire, pequena travessia por roldanas, é agora uma infindável planície de água, bordejando a aldeia Pinda. As primeiras casas distam 50 metros planos do rio. Felicidade pela inesperada presença de Ventura, o meu motorista, pastor da igreja evangélica que aí professam. Numa pobre capela de pau-e-pique uma breve e alegre oração conjunta. Faço um apelo a que partam para zonas mais altas, pois as chuvas a oeste e as descargas vão aumentar. Já o administrador o disse mas não vislumbram razão para tal, nas cheias de 1978 as águas não ultrapassaram aquela árvore acolá, guardiã da secura a 20 metros da povoação. Empirismo puro, para racionalista aprender! Intercedo junto de Ventura para que os convença. Responde que não o fará, aquela gente não tem tecto noutro sítio e as suas machambas estão ali. Para onde irão?Fatalismo, inconsciência? Mais uma vez, “é a economia, estúpido!”.
O massacre de rinocerontes e de elefantes em África tem recrudescido, e também em Moçambique. Algumas esperanças na preservação ecológica que as últimas décadas tinham permitido desvaneceram-se nos últimos anos. A crescente população, a falta de rendimento, de oportunidades de trabalho são alguns dos factores. A inexistência ou fragilidade das instituições também o serão, mas mesmo na África do Sul, onde estas existem e funcionam, a invasão furtiva tem tido efeitos devastadores. E, claro, o ressurgimento de alguns pólos orientais do comércio internacional é turbo desta desvario assassino. A extinção das espécies é uma ameaça real, dolorosa.
Moçambique tem sido particularmente afectado. Chegam constantemente relatos de massacres de elefantes, os rinocerontes foram extintos. Diante de uma incapacidade da sociedade em obstar a este comércio - que ainda para mais é uma tradição secular, ainda mais difícil de combater. Amanhã há uma "Marcha Mundial pelos Elefantes e Rinocerontes" e em Maputo haverá uma concentração e desfile. Espero que possa sensibilizar a administração pública e a "sociedade civil" para uma muito maior actividade em defesa destas espécies. Para depois, no mesmo eixo, se afirmar a defesa das malhas florestais, retorica (politicamente?) reduzidas a "recursos naturais", nisso devastadas exactamente devido aos mesmos factores. Um processo tétrico, letal.
A marcha é global. Acima o mapa das cidades onde decorrerão actividades. Talvez que o google não esteja totalmente actualizado, espero bem. Pois olhando-o vejo, com tristeza, que aqui em Bruxelas, a Brasília da União Europeia, não há qualquer acção. Não comento, ainda não conheço a sociedade, mas lamento pois seria um palco fundamental para influenciar instituições.
Mais lamento, mas nem estranho, a inexistência de qualquer actividade em cidades portuguesas. Num país onde as gentes se mobilizam por várias questões, normalmente corporativas ou futebolísticas. Ou das agremiações partidárias. Mas onde não há, 50 tipos que fossem, gente capaz de se juntar num parque a dizer "não" a esta barbárie global. Não há duas ou três escolas secundárias - e tão aguerridos são os seus professores quando são referidos os seus estatutos e remunerações - que se associem no largo da paróquia ou do pelourinho. Não há meia dúzia de associações de estudantes universitários que interrompam o exaltante vomitar pós-praxes.
Nem há uma câmara municipal que o dinamize, dessas que tanto se geminaram (gemelaram, como se diz em Moçambique) com municípios africanos, em viagens autárquicas pejadas de camarão, caranguejo, e prostitutas baratas para as bolsas europeias. Uma Évora geminada com a Ilha de Moçambique, ambas Património UNESCO (e não as espécies forma fundamental de património mundial?). Um Porto que manda os autocarros velhinhos para a Beira? Uma Vila Pouca de Aguiar onde o seu presidente, dinaussauro nada-excelentíssimo, organizou uma geminação com 18 (dezoito) municípios moçambicanos numa reunião ali em Maputo? Nada ... Um país onde há décadas subsiste a farsa (roubando dinheiro do erário público) de um partido fantasma no Parlamento, falsificando o espírito constitucional, dito "ecológico os verdes", que nem para isto se mexe.
Amanhã em Maputo e em tantas outras cidades haverá gente, que o é, a sair à rua, por esta razão, nobre e pura. Os outros são o que são ..., desgente.
A tradicional Facim (Feira Internacional de Maputo) decorreu na passada semana. A azáfama do costume, ao que me dizem os auto-mártires que têm a santa paciência para se deslocar a Marracuene. Mas é a grande mostra económica do país, compreende-se a vontade dos maputenses.
Entretanto um teclado amigo enviou-me estas fotografias. Tiradas no stand do Niassa. Lá estão as peles dos animais, que urge extinguir. E as presas dos elefantes (na foto abaixo outras presas com a indicação do peso, não vá o passante julgar-se enganado).
Enquanto os animais vão sendo chacinados a representação do Niassa na "Nação" acha que é este o património que deve mostrar. Para quê comentar? As pessoas, realmente, acham que é assim que deve ser.
É uma velha e generalizada história, a do abate demencial de árvores. Em Moçambique também. O desmatar por via da agricultura (sector familiar), potenciada pelo crescimento populacional, pela baixa produtividade e pela escassez de insumos produtivos. E a razia "industrial", destinada à exportação. Estará já quase tudo dito sobre o assunto e muito pouco feito para controlar isso, bem à imagem de tanto outro recanto pelo mundo. É uma desgraça. Não há outra palavra para definir tudo isso.
E a propósito desta exportação de madeira ocorre-me esta canção de Neil Young.
"I'm trying to save the trees, I saw it on TV, They cut the forest down, To build a piece of crap"
Piece of crap
Tried to save the trees
Bought a plastic bag
The bottom fell out
It was a piece of crap
Saw it on the tube
Bought it on the phone
Now you're home alone
It's a piece of crap
I tried to plug in it
I tried to turn it on
When I got it home
It was a piece of crap
Got it from a friend
On him you can depend
I found out in the end
It was a piece of crap
I'm trying to save the trees
I saw it on TV
They cut the forest down
To build a piece of crap
I went back to the store
They gave me four more
The guy told me at the door
It's a piece of crap
[E.O. Wilson na Gorongosa]
E. O. Wilson é um gigante no mundo da ciência. E é também uma das poucas "estrelas" entre os cientistas, figura popular, autor mui vendido. Para nós, antropólogos, é também o tipo da sociobiologia, aquilo que nos faz franzir o nariz. Enfim, um homem fascinante, um sábio. Veio à Gorongosa pela primeira vez em 2011 e fascinou-se, com o que considerou o "parque mais diversificado do mundo". Ali trabalhou. Sobre o parque tem falado, e deixo pequeno filme-resumo.
E agora publicou, na edição de Junho de 2013 da popularíssima National Geographic um longo artigo sobre o parque "O Renascimento da Gorongosa" (versão em inglês).
Obrigatório para os amantes e os curiosos (ou seja, futuros amantes). O eco desta publicação será tão grande, tanto no mundo do conservacionismo ecológico como no da opinião pública mundial (a National Geographic é um real produto global) que se trata de um momento verdadeiramente emocionante para todos os que ... se interessam. Muito em particular nestes momentos em que, seja por razões militares seja por razões auríferas, as imediações do Parque ameaçam ameaçar este fabuloso renascer.
A versão inglesa da revista está disponível há dias, a portuguesa vende-se a partir de hoje. Espero que cheguem exemplares a Maputo. Daqueles para saudar, ler acarinhando e guardar. E também divulgar. "Divulgar, divulgar, sempre ...". Nunca esquecendo que um grande baluarte da conservação é a opinião pública (e o turismo que dela decorre, é certo, mas não apenas). Movendo-se contra tantos interesses, incúrias e (in)culturas omnívoros com que desgraçadamente convivemos.
Como diz Wilson, e tantos outros especialistas que por lá têm trabalhado, o Parque tem uma enorme diversidade ecológica. Os nossos olhos de amadores esquecem algo que tem fascinado os cientistas, a fantástica fauna de insectos, tantos deles a serem agora descobertos.
Este renascer do Parque é obra de muitos, mas não tantos assim que não se possam identificar. Um deles é o fantástico Vasco Galante, que do Parque vai animando a divulgação do seu conteúdo e das suas actividades. A página da Gorongosa é espectacular, um manancial de sonhos e delícias. E nela se pode ler um artigo sobre "os bastidores" da realização do artigo de E.T. Wilson. Tudo articulado com o vibrante e muito completo, belíssimo Blog da Gorongosa. E quem anda no facebook tem a página Gorongosa (no facebook), publicada em múltiplas versões linguísticas. E nos seus 22 000 leitores tem mais 3 mil do que a do Kruger, esse empório do turismo, o que demonstra a qualidade e empenho com que é feita. Nesses suportes habitam um largo conjunto de notícias, artigos, filmes e fotografias. À nossa disposição.
Deixo aqui a nota, referindo o simpósio bloguístico acontecido em Maputo na passada semana. Uns queijos e presuntos, uma parca taça de vinho, uma longa e prazenteira conversa que eu (ali como representante do ma-schamba) tive com o Vasco Galante (representando o maravilhoso Blog da Gorongosa).
O VG, que então conheci, é um tipo supra-simpático e superlativo na paixão que tem pelo seu (local de) trabalho, obviamente um homem de mão-cheia. O problema é deixá-lo partir, sem o seguirmos. Foi ele à sua vida, que tinha que ser, e ficámos (ficamos) nós num "e agora?!", cheios de necessidade de apanhar a estrada até ao Parque da Gorongosa.
Em breve, em breve ....
Entretanto, e estou a cometer uma inconfidência, anunciou que a National Geographic, edição mundial, terá em Julho próximo um sumptuoso artigo sobre o parque e seu ecossistema. Algo verdadeiramente importante. Pois a defesa deste parque (e dos outros) passa pela sua celebrização, verdadeiro muro contra a cupidez humana.
(Fotografia AP/Bullit Marquez)
O meu texto na coluna "Ao Balcão da Cantina" na edição de hoje do "Canal de Moçambique". Vai dedicado aos que divulgam as notícias da matança internacional dos paquidermes e de tantas outras desgraças ecológicas que nós-outros, distraídos, desacompanhamos nos nossos pobres quotidianos de mastigação.
O Dente de Elefante
Os elefantes são animais de farto alimento, todos os dias percorrem uma larga área e comem imensa vegetação. Estão confinados, em estreitas áreas cada vez mais exíguas, “reservas ecológicas” ainda não devastadas pelos gafanhotos bípedes, esses museus do mundo que testemunham a nossa demência omnívora e histriónica. Pois se os elefantes comem muito os homens são glutões desvairados.
Em sendo preservados os elefantes tornam-se excedentários nessas, afinal reduzidas, zonas que habitam. Reproduzem-se, crescem e, repito-me, comem. Por isso por vezes se intenta a difícil transferência de alguns indivíduos para outras áreas. Ou abatem-se excedentários, para evitar a sobre-exploração dos recursos alimentares (e espaciais).
Que fazer com o precioso marfim, com os dentes dos elefantes abatidos? Há quem defenda que deve ser vendido, um recurso. Há quem diga – e diz com razão, e nem sequer o discuto, é-me dogma – que o marfim das presas dos elefantes não é um recurso, não deve ser vendido. Ou seja, que não é precioso, pois não tem preço. Mesmo que o abate controlado seja necessário, o marfim não é um bem transaccionável, não é um bem utilizável.
E talvez essa seja a grande questão, bem para além dos elefantes: o necessário combate a essa histórica e demencial ideia de que tudo o que nos rodeia é um recurso, consumível. Comercializável. Em suma, que tudo é taco … que tudo é dólar. Mas enfrentar esta ideia ultrapassa as forças do meu teclado e o espaço deste jornal. Mesmo num país Moçambique em que, por quase todo o lado, essa ideia de preservação (até sagrada) de áreas de flora e de espécies de fauna existe nas “visões do mundo” das populações. Mesmo que o crescimento populacional e a baixa produtividade agrícola as empurre para o constante destroncar, para as descontroladas queimadas, a ideia de que tudo é recurso apropriável e comerciável vive muito mais nos compêndios de Gestão e similares, nas almas dos (candidatos a) PHDs e nas dos grandes possidentes, do que nas práticas de quem vive da terra e convive, conflituando, com os animais.
Em suma, retirar totalmente as presas de elefante do mercado, impedir a sua utilização, é a única forma de tentar evitar a sua extinção. Evitar o comércio. E punir a sua utilização. Punições legais, claro. Mas, e se calhar acima de tudo, as punições morais. A desvalorização de quem usa os enfeites ou outros produtos delas derivadas. Nesta questão eu sempre uso o mesmo exemplo: há décadas no Ocidente era costume as mulheres usarem peles de leopardo. Caríssimas, bens de luxo. Ou imitações. Acontece que as vestes de pele de leopardo (ou a sua imitação) passaram a ser associadas a mulheres de mau porte, “profissionais do sexo” entenda-se. Terá sido a melhor forma de as desvalorizar.
Recordo que há alguns anos, ainda nos 1990s, acompanhei um simpático patrício, aqui professor universitário, ao “mercado do pau”, a feira de artesanato dos sábados na Baixa. Era ele muito dado ao bric-a-brac, coleccionador de artesanato, dele conhecedor e pesquisador. E foi-se a comprar um pequeno artefacto de marfim, uma obra belíssima. Resmunguei, sabia ele da minha dogmática oposição, e a modos que a desculpar-se disse-me “bem, o bicho já está morto”. Pois, respondi, “mas não estou preocupado com o elefante. A questão é que quem usa marfim é, literalmente, um filho da p …”, mas juntei-lhe as letras todas. Não percebi bem porquê mas ofendeu-se, como se o ofendido não fosse eu, ainda para mais ali a ver e a acompanhar aquela miserável indignidade.
Bem, mas isto são pequenas memórias, talvez até indignas de ascenderem a um jornal. Vêm elas a propósito das notícias que explodem. Da razia na fauna africana, nos últimos anos a caça furtiva (?, será mesmo furtiva?) a rinocerontes, estes agonizantes, próximos da extinção. E na devastação das populações de elefantes. Em poucos anos os países africanos perderam mais de metade dos elefantes (atenção, não é dos “seus” elefantes como a língua nos leva a dizer, atraiçoando-nos o pensamento. Pois os elefantes não “são” de ninguém, pessoas ou países).
Não falo dessa torpe “caça desportiva”, homens endinheirados que atravessam o mundo para ejacularem munições abatendo grandes mamíferos, indefesos diante da tecnologia e do saber dos caçadores profissionais, esses que ladeiam os “másculos” da frouxa aventura. Uma pobreza mental, uma miséria moral, coisa há pouco exemplificada pelo espanhol Juan Borbón, em fotos que cruzaram o mundo devido à sua posição profissional. Apenas um entre muitos.
Mas o problema fundamental é a caça desenfreada, o abate comercial. Que tem causas actuais. O crescimento económico chinês é uma delas, potenciando o apetite pelo marfim, fazendo explodir a sua importação, como o denunciam as notícias internacionais. Uma sociedade rapidamente enriquecida e que não tem sensibilidade ecológica (nem legislação, ao que parece). Vê-se na devastação própria, com as suas cidades radicalmente poluídas demonizando a vida do seu próprio povo, uma insensibilidade até suicida. Se estão num momento histórico desses ir-se-ão preocupar com os elefantes ou rinocerontes do estrangeiro? Ou com as madeiras raras, que vão comprando até à extinção e desflorestação radical? Que interessa tudo isso diante do apetite de boas mobílias e lindos objectos decorativos, esses que por lá há poucas décadas eram privilégio do topo dos “apparatichks”?
Sei que aqui logo alguém dirá “sim, mas vocês europeus …”, ilegitimando o discurso. Sim, os países industrializados devastaram o que puderam, e continuam a devastar. Mas alguns deles conheceram o desenvolvimento de concepções ecológicas, tiveram e têm conflitos sociais sobre a matéria. Neles se tenta, por legislação e práticas, impedir a destruição total do que tanto tem sido destruído. Seja em casa própria seja no restante mundo. Os gigantes emergentes, e a China é o cume disso, não têm esse percurso. E são, agora, vorazes.
As notícias desta vaga assassina chegam agora de Moçambique. É a Rádio Moçambique que informa o massacre dos elefantes no Cabo Delgado e Niassa. Milhares deles foram abatidos nos últimos dois anos. Redes internacionais de comércio de marfim alimentam este processo. Que não é, ao contrário de que alguns “contextualizadores” que querem “compreender”, fruto da acção de populações empobrecidas, em busca de sobrevivência. Trata-se da renovação de uma longa tradição, de séculos, de redes de comércio internacional de marfim, agora alimentado com altas tecnologias (caça-se de helicóptero, ao que parece). É uma velha história em terrível embrulho moderno.
E nada vai sobrar. Agora aproveitam alguns, poucos, uns milhares de dólares, nem grande coisa será. Que se extinguirão. Tal como os grandes mamíferos.
Os outros, todos nós, ficaremos por cá. Mais sozinhos. Mais pobres. E mais feios. É uma desgraça. E é uma desgraça, também, que nem nisto todos concordemos.
Ontem em Maputo conversei com um amigo patrício da agricultura, agora trabalhando pela área do Xai-Xai, depois de mais de uma década pelo norte e extremo norte do país. Avançou, preocupado, que a zona do Limpopo estava a sofrer com as chuvadas, as culturas (machambas familiares, o fomento comercial e as plantações) possivelmente perdidas, e que a barragem de Massingire já abrira, mais alagando as terras (até a gigantesca plantação chinesa, de 25 000 ha férteis, afastados da população). Disse-me tudo aquilo com um desembaraço profissional, com detalhes de pluviosidade, áreas, percursos, médias e modas, tão facilmente como outros falam de futebol ou de outras coisas. E culminou, preocupado, para o meu espanto de leigo, "se a maré estiver cheia lá em Xai-Xai aquilo alaga, que as águas fluviais estancam".
Hoje, no mural facebook de Dmytro Yatsyuk, encontro estas e várias outras fotografias (não sei se da sua autoria) do Chockwé, na bacia do Limpopo, de hoje mesmo. Em Maputo estamos distraídos. A falar pouco disto. E a perceber pouco as interligações.
jpt
Nenúfares
Na minha conta na rede social Academia acabo de colocar uma versão de um antigo texto sobre as cheias no rio Zambeze, que não tem registo de blog. E aqui fica a nota para os que se possam interessar seja por esse tipo de literatura seja pela área em causa.
jpt
Comércio Ilegal de Madeira realizado pela China from EIA on Vimeo.
Não se trata de considerar a China como o "papão", culpada dos males do mundo. Esse frisson muito "ocidental". O desenvolvimento dos grandes países dos antigos "segundo" (aquele que nunca era referido) e "terceiro" "mundos" tem custos ecológicos dramáticos. Como o desenvolvimento do antigo "primeiro mundo" teve. Só que a situação mundial é diversa, a consciencialização ecológica também, a riqueza societal mundial e as alternativas tecnológicas também o são. Daí que muita coisa tétrica possa ser evitada. E combatida. Esta devastação provocada pelo crescimento chinês é uma delas.
Em Moçambique (dolorosamente focado no filme após 8.30 minutos: sem rodeios, o que ali se vê e ouve deveria ser inaceitável para todos), onde sistematicamente somos confrontados com histórias sobre a fúria destrutiva da extracção de matérias-primas, é urgente entender o verdadeiro suicídio que é esta cedência ao comércio de curto prazo. Caramba, a "Pátria Amada" chora as suas chagas, esventrada que está a ser. Controle-se isto. A bem de todos nós, e também dos chineses.
jpt
Vasco Galante, do Parque Nacional da Gorongosa, enviou-nos mais documentação preciosa. Informa sobre o local no facebook onde se encontram mais 39 filmes sobre a Gorongosa. Um filão de sonho, contando com produções externas aos serviços do Parque, oriundas da National Geographic, CBS, RTP, TVM, SIC, etc. Isto tudo para além dos outros 27 filmes que abaixo referi. É para aproveitar, um longo passeio pela “Gorongosa, a nível ecológico, o Parque mais diversificado do Mundo", como referiu E. O. Wilson (já agora, abaixo deixo a palestra deste famoso biólogo quando recebeu o prémio TED em 2007 - até para comprovar a importância desta sua declaração).
Enviou-nos ainda o texto de Armando Rosinha, "Alguns Dados Históricos sobre o Parque Nacional da Gorongosa", em tempos publicado na revista "Arquivo" (do Arquivo Histórico de Moçambique), nº 6, Outubro de 1989. Trata-se da conferência desse médico-veterinário e antigo administrador do Parque Nacional da Gorongosa, proferida durante a 1.a Reunião Nacional sobre Fauna Bravia, realizada em 9 de Dezembro de 1981. Fica aqui disponível em formato pdf para quem a queira gravar.E mandou ainda uma súmula histórica do parque, produzida pelos serviços do Parque, também colocada no seu sítio, e que eu aqui transcrevo, para nossa fruição.Tudo isto é um apelo à viagem, claro ...História do Parque Nacional da Gorongosa
Origens
1920-1940
Desde muito cedo a paisagem dramática e a rica fauna bravia da região da Gorongosa atraíram caçadores, exploradores e naturalistas. O acto oficial com vista a proteger este esplendor apareceu pela primeira vez em 1920, quando a Companhia de Moçambique ordenou que 1.000 quilómetros quadrados fossem conservados como uma Reserva de Caça para os administradores da companhia e seus visitantes. A Companhia controlava toda a região central de Moçambique entre 1891 e 1940, tendo sido esta área concedida pelo Governo de Portugal.
Pouco se conhece sobre os primeiros anos da Reserva, com excepção de que a partir de uma dada altura, um certo homem de nome José Ferreira começou a residir numa casa coberta de colmo no Chitengo incumbido de proteger a fauna bravia. Em 1935, o Sr. José Henriques Coimbra foi designado administrador e o senhor Ferreira tornou-se no primeiro guia turístico. Naquele mesmo ano, a Companhia de Moçambique alargou o espaço da Reserva para uma área de 3.200 quilómetros quadrados para proteger o habitat de Inhalas (uma espécie de antílopes) e Rinocerontes pretos, ambos troféus de caça muito apreciados.
Uma carta escrita por um oficial da Companhia de Moçambique em 1935 mostra claramente que nos primeiros anos, a Reserva era para um pequeno grupo de caçadores, e não propriamente um santuário de vida selvagem. “Uma visita à Beira será em breve feita pelo Cruzador Britânico CARLISLE, que consistirá numa jornada de caça para os respectivos oficiais nas planícies abertas de Gorongosa,” assim escreveu o oficial para o administrador local.
Recomenda-se que o Administrador tome as medidas necessárias de modo a garantir que os ilustres visitantes não encontrem os animais muito excitados ou dispersos, o que tornaria difícil o êxito da caçada.
Em 1940, a Reserva já se tornara bastante famosa, uma nova administração e um campo turístico foram construídos nas planícies perto do Rio Mussicadzi. Infelizmente este sítio teve que ser abandonado dois anos mais tarde, devido a grandes cheias na época das chuvas. Os leões tomaram conta das construções abandonadas e o lugar tornou-se num grande atractivo turístico por muitos anos, conhecido com o nome de Casa de Leões.
1941-1959
Depois do término do contrato da Companhia de Moçambique, a gestão da Reserva passou para as mãos do governo colonial. Sob a administração do Capitão Pinto Soares, o fiscal Alfredo Rodrigues tomou os primeiros passos oficiais com o objectivo de banir as caçadas e de estabelecer um negócio turístico viável.
Em 1951 começaram outras construções de uma nova administração e acomodações no Chitengo, incluindo um restaurante e um bar. No mesmo ano, o governo aumentou mais 12.000 quilómetros quadrados da zona de protecção à volta da Reserva para mitigar os impactos da estrada da Beira para Rodésia, que passava por Chitengo. Até aos finais de 1950 mais de 6.000 turistas visitavam anualmente a Reserva e o governo colonial tinha atribuído a primeira concessão de turismo no Parque.
Em 1955, a Divisão dos Serviços de Veterinária do governo colonial assumiu o controlo sobre a gestão de toda a fauna e flora bravia em Moçambique, incluindo a Gorongosa. A Gorongosa foi nomeada Parque Nacional pelo governo português, em 1960.
O Apogeu
1960-1980
Em 1960, após reconhecer que a reserva necessitava de mais protecção ecológica formal e mais instalações para a actividade turística crescente, o governo português declarou a reserva e mais 2.100 quilómetros quadrados de terra (um total de 5.300 quilómetros quadrados), um Parque Nacional.
O novo Parque deu passos significativos de melhorias, arrancaram construções de estradas e outras infra-estruturas. Entre os anos de 1963 e 1965, as instalações de Chitengo foram alargadas para acomodar pelo menos 100 turistas. Nos finais dos anos 60, Chitengo já tinha duas piscinas, um bar e um salão de festas, um restaurante com capacidade de servir entre 300-400 refeições por dia, uma estação de correios e uma estação de abastecimento de combustível, uma clínica para urgências, e uma loja para vender objectos artísticos locais.
As receitas das licenças de caça e as taxas de caça em qualquer parte de Moçambique contribuíram para este progresso do Parque. No mesmo período, a pavimentação da estrada Beira-Rodésia e a construção da ponte sobre o rio Pungué, em Bué Maria, ajudou a duplicar o número de visitantes.
Igualmente nos finais dos anos 60, realizaram-se os primeiros estudos científicos básicos do Parque, conduzidos por Kenneth Tinley, um ecologista sul-africano. Na primeira contagem efectuada com meios aéreos, Tinley e sua equipe registaram cerca de 200 leões, 2.200 elefantes, 14.000 búfalos, 5.500 bois-cavalos, 3000 zebras, 3.500 pivas, 2.000 impalas, 3.500 hipopótamos e manadas de centenas de elandes, pala-palas e gondongas.
Tinley também descobriu que muitas pessoas e muita vida selvagem residente dentro e nos arredores do Parque Nacional, depende de um rio, o Vunduzi, que nasce nas vertentes da montanha de Gorongosa. Porque a montanha estava fora das linhas fronteiriças do Parque, Tinley propôs a expansão das fronteiras, de maneira a incluir a montanha por ser o elemento chave do Grande Ecossistema da Gorongosa, com cerca de 8.200 quilómetros quadrados. Ele e outros cientistas e conservacionistas ficaram desapontados em 1966 quando o governo reduziu a área do Parque para 3.770 quilómetros quadrados. A razão oficial para a redução era porque os camponeses locais precisavam de mais terras para suas práticas agrícolas. Tinley viu a situação de outra maneira. Ao apontar para o desaparecimento de muita vida selvagem em várias zonas circunvizinhas, ele acreditou que a razão verdadeira da redução da área do Parque era para facilitar o trabalho dos caçadores locais. “A fome deles era de proteínas, e não de terras,” disse Tinley.
Simultaneamente, Moçambique estava no meio da guerra de libertação iniciada em 1964 pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Felizmente a guerra teve pouco impacto no Parque Nacional da Gorongosa até 1972, quando uma Companhia Portuguesa e membros da Organização Provincial de Voluntários se instalou no Parque para protegê-lo. Nessa altura não foram causados muitos danos, embora alguns soldados caçassem ilegalmente. Em 1972, enquanto a guerra estava ainda em curso, o Parque tinha cerca de 200 leões, 14.000 búfalos, 5.500 bois-cavalos, 3.500 hipopótamos, e mais de 2.000 elefantes. Em 1976, um ano depois de Moçambique estar independente de Portugal, contagens aéras do Parque e do delta do rio Zambeze indicavam aproximadamente 6.000 elefantes e cerca de 500 leões, provavelmente a maior concentração de leões em toda África.
Em justo reconhecimento do progressivo desenvolvimento e reputação da fauna do Parque e da importância de conservar este bem em Moçambique, em 1981, o governo da Frelimo escolheu o Parque para acolher a Primeira Conferência Nacional sobre a Fauna Bravia.
A Guerra Civil
1981-1994
A paz em Moçambique não foi duradoira. A África do Sul começou a financiar e armar uma tropa de rebeldes para desestabilizar Moçambique. Em Dezembro de 1981, pela primeira vez, o Parque Nacional da Gorongosa sentiu a pesada fúria da guerra, quando os soldados da Resistência Nacional de Moçambique (RENAMO) atacaram o acampamento de Chitengo e raptaram muitos dos seus trabalhadores, incluindo dois cientistas estrangeiros.
A partir daquela data, a violência dentro e nos arredores do Parque aumentou. Em 1983, o Parque foi encerrado e abandonado. Durante nove anos, o Parque Nacional foi palco de frequentes batalhas entre as forças opostas. A violenta batalha terrestre, e os bombardeamentos aéreos destruíram todas as construções. Os grandes mamíferos do Parque sofreram terrível destruição. Os dois beligerantes dizimaram centenas de elefantes para retirar o marfim, que vendiam para obtenção de mais armas e outros equipamentos bélicos. Soldados famintos mataram muitos milhares de zebras, bois-cavalos, búfalos e outros animais ungulados. Os leões e outros grandes predadores foram mortos em caçadas desportivas ou morreram por fome por causa do desaparecimento das suas presas.
Ao mesmo tempo, muitas pessoas residentes dentro e nos arredores do Parque foram mortas ou espancadas, especialmente pela RENAMO, já nos últimos anos da guerra, quando grande parte do distrito de Gorongosa estava sob controlo dos rebeldes. Muitos refugiaram-se dentro do Parque. Famintos de carne, caçavam a seu belo prazer, contribuindo assim para aniquilamento da fauna bravia.
A guerra civil terminou em 1992, mas a caça furtiva no Parque, principalmente por caçadores vindos da Beira, continuou por mais dois anos. Por essa altura, as enormes populações de mamíferos de grande porte, incluindo elefantes, hipopótamos, búfalos, zebras e leões, já tinham sido reduzidos em 90% ou mais. Felizmente, as espectaculares aves do Parque saíram relativamente ilesas.
A Recuperação
1995-2003
O esforço preliminar para reconstruir a infra-estrutura do Parque Nacional da Gorongosa e restaurar a sua vida selvagem começou em 1994, quando o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) iniciou um plano de reabilitação - com a assistência da União Europeia e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Foram contratados 50 funcionários novos, a maior parte deles, ex-combatentes. Baldeu Chande e Roberto Zolho, ambos empregados do Parque antes da guerra, voltaram para assumir cargos de liderança. Chande era director do programa de emergência e Zolho era coordenador da fauna e flora bravias, assim como da fiscalização. "Concluímos que todas as espécies que havia no Parque antes da guerra ainda existem", afirmou Chande a um repórter em 1996. "Nenhuma se encontra extinta mas muitas estão representadas em muito menor número do que antes." Num período de cinco anos, esta iniciativa do BAD reabriu cerca de 100 km de estradas e caminhos e formou fiscais na luta contra a caça ilegal.
Começar de Novo
De 2004 ao Presente
Em 2004, o Governo de Moçambique e a Carr Foundation, com sede nos EUA, acordaram unir esforços no sentido de reconstruir a infra-estrutura do Parque, restaurar a sua fauna e flora bravias e estimular o desenvolvimento económico, dando assim início a um novo e importante capítulo da história do Parque.
Entre 2004 e 2007, a Carr Foundation investiu mais de dez milhões de dólares neste esforço. Durante este período, a equipa do projecto de restauração do Parque criou um Santuário de Fauna Bravia de 6.200 hectares e reintroduziu búfalos e bois-cavalos no ecossistema. Também foi nesta altura que se começou a restaurar o Acampamento de Chitengo.
Dado o sucesso deste projecto inicial de três anos, o Governo de Moçambique e a Carr Foundation (que passou a designar-se “Gorongosa Restoration Project”) anunciaram em 2008 a assinatura de um acordo para restaurar e co-gerir o Parque nos próximos 20 anos.
A dedicada equipa de cientistas, engenheiros, gestores de negócio, peritos em economia e técnicos de turismo que agora trabalha na restauração do Parque Nacional da Gorongosa está confiante de que com trabalho árduo, com o desenvolvimento da população local e com os rendimentos provenientes do ecoturismo, esta zona espectacular irá reencontrar a glória que teve no passado.
Em Julho de 2010, o Governo de Moçambique decidiu alterar os limites do Parque Nacional da Gorongosa e incorporar a Serra da Gorongosa (acima dos 700 metros) dando assim satisfação a uma velha aspiração que tinha sido apresentada nos anos 60 pelo então ecologista do PNG, Kenneth Tinley. O Parque passou a ter uma área de 4.067 quilómetros quadrados e o Governo decidiu também estabelecer oficialmente uma zona tampão com cerca de 3.300 quilómetros quadrados.
jptGorongosa Birds from Gorongosa National Park on Vimeo.
O sempre atento e diligente Vasco Galante, do Parque Nacional da Gorongosa, avisa-nos em comentário no postal abaixo do sítio onde estão alojados 27 filmes sobre o Parque - entre os quais esta maravilha sobre pássaros.
É aqui: Vídeos do Parque Nacional da Gorongosa. Vejam-nos. E sonhem, como eu, em um dia visitar (ou revisitar).
jpt