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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
É uma ideia histórica, essa a de que o Estado de cada país constrói as instituições e distribui os serviços e produtos considerados necessários - é, aliás, prima difusa da ideia de que o Estado é o país. Ainda vigora em muito local mas em Portugal já não é dogma: apesar da ideia de haver um portugalmail e sucedâneos ninguém hoje barafusta com o facto de não haver motores de busca ou de endereços electrónicos - o correio actual - estatais. Ou do serviço telefónico não ser estatal. Aqui na Europa as grandes infraestruturas de transportes e comunicações - e em particular as aeronaúticas - foram assim construídas - ou estatais ou com grandes subvenções estatais - exactamente por essa razão, por serem grandes. E por representarem interesses políticos (de integração nacional [construção nacional]; de afirmação externa [imperial, por vezes]). Agora, com excepção de alguns ex e futuros impérios, já os países não correm para construir as necessárias infraestruturas em regime de soberania única (espaciais, informáticas).
Dito isto, a ideia que o Estado (esse que quer aparentar ser o país) tem que possuir uma companhia aérea não me tira o sono. Mas aparece-me tão necessária como tenha ele um "googlão" ou uns correios (CTT públicos) ou uma única Emissora Nacional ou uma televisão ou etc, sem que haja streaming e coisas assim. Isto mudou, e muitas das reacções são meras sobrevivências, distracções.
Finalmente: o Estado português acaba de vender a velha companhia aérea de bandeira e receberá um quarto daquilo que o Futebol Clube do Porto, presidido pelo senhor Pinto da Costa, receberá ao vender a licença desportiva do futebolista Jackson Martinez ao Arsenal, treinado pelo senhor Arsene Wenger.
Something is rotten in the state of Denmark.
Georges Blind, A Member Of The French Resistance, Smiling At A German Firing Squad, 1944
O conhecido economista Thomas Piketty fala hoje na Gulbenkian (a sessão está agora mesmo a decorrer). Algumas pessoas, que me são muito próximas, avisam-me disso, esclarecem-me sobre de quem se trata (vira o seu afamado livro "O capital no século XXI" nos escaparates mas não lhe reconheci o nome). Nisto acordei que lá iria, e que jantaria depois com alguns amigos.
Entretanto vou à internet ver do que se trata.Logo me surge a notícia de que Piketty se encontrou hoje com António Costa. Passo atrás, o meu, logo prevejo um pacato (ou talvez não) comício ali à Av. de Berna. Não estou disponível, francamente. Ainda que esta semana tenha lido uma breve declaração que muito me animou: Trigo Pereira, um dos autores do recente documento programático socialista, diz que "O plano (o tal) não funciona se o PS mantiver a cultura que teve no passado". Dá alento que um colaborador de peso diga isto. Certo que o seu destino deverá ser o dos costumados independentes do início dos ciclos de poder - ou se adaptam ou saem logo (lembram-se do primeiro ministro das finanças de Sócrates?). Não creio que um partido possa mudar de "cultura" (seja lá isso o que for) quando a nova direcção ascende num congresso após a prisão do seu amado (e elogiado) ex-líder e que nem discuta isso, a "cultura" de poder e de partido que permitiu tanto tempo no poder e tanto tempo de admiração e de adesão - convém recordar Ferro Rodrigues, actual líder parlamentar, a elogiar Sócrates e o seu modus faciendi mesmo nas vésperas da sua detenção. Mas enfim, se há quem dentro do núcleo socialista diga que em algo têm que mudar isso é agradável, esperançoso.
Por isso vou à Gulbenkian, não para alimentar o comício, mas para ouvir um economista que me dizem muito interessante, apresentando uma boa síntese do que momento actual. Avisam-me que há uma boa crítica a Piketty feita por Graeber e apanho um debate entre ambos: lerei após o jantar.
Antes de sair leio a notícia do Expresso: Piketty com Costa, e o economista francês debruçado sobre a necessidade de alterar a dívida portuguesa (e não só). Sou leigo em economia, e assim nada me move contra essas alterações à (calamitosa) dívida portuguesa. Há anos que aqui botei a minha crença (mera crença) de que isso viria a acontecer: primeiro austeridade, menos estado, depois reestruturação e possível perdão parcial. Se calhar será assim. Simpatizo com as declarações de Piketty, apesar da companhia em que ali estava.
Depois avança o homem criticando o "egoísmo da Alemanha e da França" "que nunca pagaram as respetivas dívidas após a II Guerra Mundial, estejam agora a explicar a países como Portugal, Grécia e Espanha que têm de pagar as suas dívidas até ao último euro e que não podem ter inflação nem as respetivas dívidas restruturadas ...".
Oops, lá vem a repugnante demagogia. Quais as causas das dívidas, os processos internos e externos? A Alemanha e a França sairam devastadas da II Guerra Mundial e não pagaram a dívida? Portugal saiu devastado da adesão à União Europeia? Ou estaremos endividados por causa da guerra colonial? Que devastou o país? Isto é comparável? Este tipo de paleio não é uma vergonha?
Para jingles destes não tenho tempo nem estômago. Que se lixe o simbólico da Gulbenkian, e o "economista francês". E, até, o jantar de amigos a seguir. Pikettyzem à vontade. Os outros ... E que se desiludam os iludidos, com dichotes destes nada nem ninguém mudará de "cultura" (seja lá isso o que for).
Como já aqui disse tenho vindo a colocar algumas centenas de fotografias em Moçambique no facebook. São, até agora, dois álbuns, o "Entre-Rios 1" e o "Entre rios-2". Hoje coloquei mais algumas, na placidez memorialista que as acompanha. Entre as quais esta, a loja "Banca Futuro Melhor" em Mopeia, inscrita na série de lojas, barracas, barbearias e afins que muito gosto.
E logo surgem os animados comentadores, demonstrando-me que perdi uma hipótese de ironizar. Fulminantes no sarcasmo catártico, "uma nova sucursal do Espírito Santo" ou "o novo escritório do Dono Disto Tudo". Obrigando-me a trazer fotografia e dichotes para aqui. É pois um postal colectivo ...
De quando em vez surge alguém com a ideia da reestruturação (e até perdão) da dívida pública dos países (ou de alguns) países europeus. Como agora (via Banda Larga). Parece-me a descoberta da pólvora, e até eu, que não percebo da poda, mas que por razões biográficas não tenho estado fechado na compita "esquerda"-"direita" lusa, também já me lembrei disso (e até o botei, en passant, em jornal: "Primeiro a redução do papel e da dimensão do Estado, alguma recessão, depois o reescalonamento da dívida, e o perdão parcial (ou total) desta. A gente, que fomos testemunhando o processo de Moçambique no Clube de Paris, sabia que era esse o caminho. A única surpresa para este leigo é a velocidade com que tudo acontece."). Foi o que aconteceu nas décadas passadas em África e na Ásia (neste caso em economias bem mais pujantes do que a portuguesa). Não acabou o capitalismo (perdão, a economia de mercado), não morreu o capital financeiro (perdão, o sistema financeiro). E também não foi preciso acabar com eles, em gloriosas revoluções libertárias.
Passa-se "qualquer coisa" no Banco Espírito Santo, há quem fale em forte dolo, há quem se defenda com mera gigantesca negligência. Antes passou-se "qualquer coisa" no antes prestigiado Banco Comercial Português, com os mandantes condenados, multados, prescritos, mas duvido que proscritos. Nisso se percebe (quem nunca percebera) que "os donos da bola" são o que são. Apesar do aparente bom nome de família, da elegância do porte e do etc. para "épater" o pacóvio povo.
Símbolo da deferência para com isto, para com este apropriar do país, foi o que se passou no meu clube nos últimos anos. Estes bancos feitos conglomerados de más-práticas ajudaram a atascar o Sporting (e a dissipar o seu património no centro de Lisboa), e dos seus nichos sociológicos foram brotando dirigentes do clube. Quando Bruno de Carvalho se candidatou a palavra de ordem opositora instalou-se no reduto difamatório, o que seria ele um vigarista (ao contrário das gentes da banca). E que não só não tinha a "confiança" dos bancos como não saberia como com eles negociar, e por eles não seria aceite como interlocutor.
Continuo na crença e na esperança que aqui afirmei: se a devastação do Sporting foi uma verdadeira montra dos processos de patrimonialismo populista que escavacou o país, a eleição de Bruno de Carvalho foi um momento marcante na sociedade portuguesa actual. Muito para além das questões do futebol, do desporto. Há que romper com a subserviência face ao "penacho" bem-vestido das más elites. E mudar as gentes, por mais refinadas que (a)pareçam.
E não deixar prescrever a proscrição. É isto que me ocorre dizer em dia de eleições.
70 personalidades portuguesas de relevo (uma espécie de Câmara Corporativa da II [ou será III?] República) assinaram um apelo para a reestruturação (responsável) da dívida portuguesa. E referem que isso deverá acontecer mesmo que "a contragosto dos responsáveis alemães". Nada me move contra. Bem pelo contrário.
Eu que não sou magnífico, e que nada percebo de economia e de finanças, atrevi-me a escrever, nos idos de Novembro de 2012 em pleno jornal "Canal de Moçambique" algo que resmungava há já anos, muito pela experiência de aqui viver, e de algo ter lido sobre a experiência africana desde finais de 1980s: "Pois leio a correr, e sem compreender muito bem (quando se fala de dinheiro acontece-me sempre isso) que os ministros das Finanças da zona euro (chamam-lhe Eurogrupo) e o FMI acordaram a redução da dívida grega. No fundo, aquilo que sempre foi óbvio que aconteceria no âmbito da crise europeia. Primeiro a redução do papel e da dimensão do Estado, alguma recessão, depois o reescalonamento da dívida, e o perdão parcial (ou total) desta. A gente, que fomos testemunhando o processo de Moçambique no Clube de Paris, sabia que era esse o caminho." Não me parece, pois, grande elaboração, esta a das personalidades portuguesas de relevo. A não ser que, como costume, a falta de cosmopolitismo, o endocentrismo local tão habitual, torne isto uma reflexão profunda.
Acontece que os assinantes (ou signatários, como fica melhor dizer quando as pessoas são importantes) aliam este apelo à activação do "Clube de Paris" que desafogue a situação portuguesa, agora que as coisas estão mais ou menos controladas, com o remoque de que a dívida externa alemã também foi parcialmente perdoada e parcialmente reescalonada em inícios da década de 1950. Confesso que (ainda) me espanta esta linha retórica no seio dos notáveis compatriotas. Acontece que Portugal não foi devastado por duas guerras mundiais. E que ninguém teme a fúria lusa, como se temeu naquele tempo a ira germânica acontecida face às sequelas do Tratado de Versailles. Não é só a economia do discurso que sofre com este tipo de argumento. Ele denota mesmo que, por notáveis que sejam, continuam a incompreender. A querer incompreender.
E isso lembra-me o que deveria ser óbvio. Sem pejo. Os problemas portugueses serão muitos: a estrutura económica, o sistema capitalista internacional, o super-estado, o que se queira. Mas é também, e em muito, isto dos 70 Magníficos. O problema é a Câmara Corporativa. No Natal de 2011 bloguei isto:
Depois disto? Sim, reescalonar a dívida. Mas só depois disto.
Há alguns meses morreu Mário Murteira. Fui seu aluno no mestrado e dele fiquei com uma excelente memória, como docente e como pessoa. Recentemente a revista do Centro de Estudos Africanos do ISCTE - Lisboa, o Caderno de Estudos Africanos, publicou alguns textos em sua homenagem. Incluindo um breve texto meu, algo que muito me honrou e comove. [E também tem um texto do nosso FF]
Agora em Lisboa recebi este livro, "Esta Noite Sonhei com a Crise", uma colectânea de textos seus da última década (artigos de opinião, postais de blog, entrevistas, a lição de jubilação, etc.), matéria muito interessante. Por um lado para nos aproximarmos da sua biografia intelectual e política, por outro para acedermos às suas perspectivas sobre a "crise" deste tumultuoso XXI. E ainda alguns textos sobre África, frutos da sua vasta experiência de trabalho em vários países do continente.
Mário Murteira ficou mais amplamente conhecido por ter sido governante nos governos provisórios e pelo seu papel nas nacionalizações (o que muitos continuam a evocar, viu-se agora, 40 anos depois, aquando da sua morte). Também por isso será de ler, em particular as entrevistas, para se perceber um pouco melhor o ambiente da altura, em que "O Estado, nessa altura, e em rigor, não existia" (99) - e já agora, de algum do porquê das nacionalizações dos grupos económicos. Das suas raízes intelectuais, assentes, como as de tantos vultos de então, no "catolicismo progressista" (definição que lhe desagradava), no personalismo (quem lerá hoje Mounier?, ocorre-me). E é de recordar esta dimensão católica, ideológica, no poder de então, mais significativa do que hoje se pensa, expurgada do olhar que vamos tendo sobre essa época, um pouco por ser hoje quase tabu a afirmação da religião no domínio da coisa pública, mas também pela partidarização do olhar. Enquanto li este livro reli o seu opúsculo "55 Dias de Uma Experiência Democrática" (1975), sete artigos publicados em jornal no Verão de 1974, ecoando os factos da sua participação no 1º governo provisório (sob Palma Carlos). E é bem significante que já então, e em pleno jornal, reflectia com toda a naturalidade sobre a presença no governo da sua importante "secção" católica.
Para além desse material memorialista, sumarento para quem se interesse por essa época de advento da democracia, há o olhar sobre a actualidade. Delas retiro para aqui dois pontos, que não serão os mais importantes - julgo que as reflexões sobre a "crise" europeia e portuguesa e sobre o pós-industrialismo e a globalização serão mais marcantes do seu pensamento profissional.
O primeiro é, de novo, o catolicismo. Murteira explicitou, com elegância, que ao longo da vida se afastou da fé, se "desconverteu". Mas teve a sageza, nele condição habitual, de continuar atento ao discurso católico, tão estruturante é ele na Europa. Num breve texto, propositadamente inconclusivo, "Para que serve a doutrina social da igreja?", chama a atenção para a riqueza da encíclica de Bento XVI "Caritas in Veritate" (2009), sistematizadora e potencialmente influenciadora do necessário debate sobre o modelo socioeconómico europeu e as práticas decorrentes. Não posso deixar de sorrir, eu ateu e nem-baptizado, quando comparo o velho professor com os exaltados mata-frades actuais, que acham que ser de esquerda é invectivar, radicalmente, a igreja, reduzindo-a aos epifenómenos mais rasteiros.
O segundo é uma deliciosa tese (a segunda no seu texto "6 Teses sobre a Crise"): "A economia é importante, os economistas não". Associando-a, noutros textos, com uma visão que desconfia da ideologia economicista, do primado dos equilíbrios macroeconómicos, da estabilidade monetária, e que nota a incapacidade da ciência económica em interpretar (e prever, esse mito) o real actual. O que se articula com a sua trajectória docente, a sua opção final pelo mundo da gestão. Não no sentido de esquecer os contextos sociais da actividade (no quais sempre atentou) mas no sentido de valorizar / incrementar as estratégias criativas, manipuladoras nesses contextos constrangedores. Educadamente pode-se referir-se-lhes (e Murteira também o faz) como "empreendedorismo" - não naquela faceta vulgar ultra-liberal, o pobre individualismo do "a sociedade não existe", ecoando a velha fórmula "Deus ajuda quem se ajuda a si próprio". Se assim um "empreendedorismo" entendido como um "desenrascai-vos", como se os constrangimentos socioeconómicas se resolvessem num "cada um por si". Mas sim numa perspectiva sociológica do exercício económico, do necessário incremento das capacidades intelectuais direccionadas. (E aqui não posso deixar de sorrir ao lembrar a tonta polémica recente em Portugal sobre o "empreendedorismo" provocada pelo triste espectáculo televisivo proporcionado pela investigadora Raquel Varela, denotando o quanto a topologia lusa impede o pensamento).
Enfim, fará falta o teclado de Mário Murteira. A sua ironia, a sua sageza.
Os visitantes mais antigos do ma-schamba lembrar-se-ão do episódio, até doloroso. Há uns anos o blog tornou-se colectivo com a entrada do António Botelho de Melo (ABM). Passados uns tempos a gente zangou-se, episódios de faca-e-alguidar ... Enfim, coisas da vida, desnecessárias (no fundo, como quase tudo o que acontece, de bom e de mal, de bonito e de feio). O ABM acabou por sair e levou os seus textos para o seu The Delagoa Bay Blog, apagando-os aqui (como era muito do seu direito, claro).
Mas estes sistemas bloguísticos são complicados e surpreendentes. Nesta passagem do ma-schamba para o sistema SAPO algumas coisas se desarranjaram, em particular a colocação de fotografias e filmes em postais mais antigos. Por isso visitei os arquivos do blog, para arranjar o que esteja deformado (é uma tarefa morosa e até insana). E nisso percebo que vários postais do ABM estão de novo visíveis. Respeitando a sua vontade tenho-os apagado, com pena, claro. Porque me lembram tempos de pré-zanga (que são sempre mais agradáveis do que os tempos pós-zangas). E pelo seu interesse, alguns deles são deliciosos (mas estão todos no seu blog, os interessados poderão seguir a ligação acima colocada).
E eis que nessas andaças me deparo com um seu postal, de 8 de Abril de 2010 (!!), "O Tsunami no Horizonte". Nele ABM (que é um profissional da banca de alto calibre, não fala apenas em cima do palanque do "achismo bloguístico") cita longamente um estudo sobre a economia europeia e portuguesa. E junta-lhe as suas ideias. Sobre o que se passou na década de 2000 (e antes), sobre o consulado socratista. E sobre o futuro próximo da economia portuguesa - ou seja, sobre os momentos que estamos agora a viver.
Ponham-se de lado as nossas zangas e resmunguices. Pois é muito interessante ir ler (ou reler) este texto, luminoso. Está aqui o seu "Tsunami no Horizonte". Convém a todos lê-lo. Muito em particular, atrevo-me a dizer, aos que responsabilizam o (fraco) governo português pelo triste estado do país. Pois é preciso recordar, a ver se é possível melhorar.
Transcrevo um texto do bloguista Luís M. Jorge:
Almerindo Marques vai ser presidente da Opway, uma construtora do Grupo Espírito Santo. Ocorreram várias coisas antes de lá chegar. O Rui Costa resume, eu adapto:
1. Almerindo Marques, presidente da Estradas de Portugal, renunciou ao cargo em Março de 2011.
2.Dois meses depois, o Tribunal de Contas audita uma renegociação de dívida entre as Estradas de Portugal e as concessionárias das SCUT:
Pior:
“O Governo não só nomeou as comissões de negociação (ver aqui) , como criou condições para escapar ao controlo do Tribunal de Contas. Em 2006, a maioria socialista aprovou uma alteração aos poderes do tribunal que permite modificações a contratos antigos:
«Não estão sujeitos à fiscalização do Tribunal de Contas os contratos adicionais aos contratos visados», determina a Lei 48/2006, de 29 de Agosto.”
3. Almerindo Marques nega que as Estradas de Portugal tenham concluído um negócio ruinoso (0:53 no filme).
4. A 23 de Maio o Jornal de Negócios noticia que Almerindo Marques vai ser o próximo presidente da Opway, a construtora do grupo BES.
O que diz o PSD? Nada. O que diz o CDS? Nada. O que diz a blogosfera de Sócrates? Nada. O grupo Espírito Santo é a história secreta de Portugal.
Os grandes grupos económicos (financeiros) assim colonizam o estado, assimilam os ex-políticos e seus agentes (uma história que na III República começou na administração dos processos de privatizações pós-PREC, um processo de meias-tintas que delapidou patrimónios e corrompeu a nova elite portuguesa) e nos destroem o futuro do país, sem que isso tenha qualquer efeito no discurso político dominante. Fazem-no de modo até aberto, dominados que estão os discursos públicos, o político e o mediático. E dão-nos "bola", muita (os leitores do ma-schamba tantas vezes me aturaram aqui vociferando contra a presença dos vis Espíritos Santos nas administrações do Sporting. Também aí os efeitos têm sido letais. Incompetência? Não, é a sua [deles] natureza, tal como na fábula do escorpião e do sapo)!
Neste contexto ("alienado", recupere-se a velha palavra) em que os recursos nacionais são massivamente apropriados o discurso comum subordina-se à incompreensão. Nele vinga o "laborismo" ("isto vai lá com muito trabalho", ideia comum a Angela Merkel e a Octávio Machado). É nesse vazio intelectual, corrompido e corruptor, que vinga o palhacismo do "nacionalismo da auto-estima", típica produção do voluntarismo, a única ideologia estruturante do complexo guterro-socratista. Exemplar máximo disso apanho-o agora (na mesma coluna do "reader" que o texto acima, uma coincidência impressionante) no Albergue Espanhol, por via de um bloguista comovido com a peça, Rodrigo Saraiva. A pobre peça, que abaixo poderão ver (e até comoverem-se e inspirarem-se, se a tão baixo nível conseguirem deslizar) é inspirada num texto de Nicolau Santos - o estado das coisas está tão miserável que já só jornalistas rastejam a "intelectuais" orgânicos, que a associação a um lixo destes é por demais ofensiva. Enfim, o insulto, infecto, bom-para-imbecil do laborismo ("muito trabalho") acaba a "Domingo vá votar. Na segunda vamos trabalhar". Ou seja, isto vai lá por motivação. Auto-estima e motivação. É o "mourinhismo", se acreditarmos em nós-próprios acabaremos no topo do mundo ("líderes" como se diz no lixo abaixo) abraçados em lágrimas aos Materazzis. Entretanto os "Espíritos Santos" e os acólitos vão tratando de nós. Desde que acreditemos em nós-próprios e muito trabalhemos .... e não os perturbemos.
Como acaba o filme "Eu sei que o vou conseguir, porque já o fiz antes" .... Emigrar.
Não por causa dos Almerindos Marques, que os há em todo o mundo. E dos Espíritos Santos. É mesmo por causa dos laboristas, dos nicolaus santos e dos bloguistas caixas-de-ressonância deste lixo. Um continente de distância não extermina o fedor que exalam. Com pujança. Líderes nesse campo.
Adenda: Luís M. Jorge, de quem acima transcrevi o texto propõe um desafio interessante aos leitores do seu Vida Breve: uma reflexão conjunta sobre as relações entre o "Espírito Santo", e outros grupos económicos, e os governos portugueses. À falta de jornalismo de investigação apela ao universo blogal:
"Estou interessado em aceder a notícias que nos permitam avaliar a influência política destas organizações: casos, esclarecidos ou por esclarecer, zonas de sobreposição entre os interesses dos grupos e as decisões de titulares de cargos públicos, contratações e nomeações — enfim, tudo o que, legitimamente, e dentro dos limites do interesse público, nos permita iluminar uma zona ainda opaca da nossa vida democrática. O leitor está convidado a participar nesta tarefa, enviando notícias publicadas em jornais de referência, documentos oficiais ou reflexões originais (não rumores)."
A acompanhar. Seja pelo interesse das questões seja para se perceber as virtualidades e limites deste tipo de abordagem à cidadania.
jpt
A desgraça japonesa faz-me lembrar da central de energia nuclear em Ferrel, Peniche, parada pela pressão popular (1976). A isso Fausto dedicou "Rosalinda" (dizendo " ... pois os que mandam no mundo só vivem querendo ganhar mesmo matando aquele que morrendo vive a trabalhar ..." diante de uma " ... central / que para alguns é nuclear / mas para muitos é mortal ...").
"Rosalinda se tu fores à praia se tu fores ver o mar cuidado não te descaia o teu pé de catraia em óleo sujo à beira-mara branca areia de ontem está cheinha de alcatrão as dunas de vento batidas são de plástico e carvão e cheiram mal como avenidas vieram para aqui fugidas a lama a putrefacção as aves já voam feridas e outras caem ao chãoMas na verdade Rosalinda nas fábricas que ali vês o operário respira ainda envenenado a desmaiar o que mais há desta aridez pois os que mandam no mundo só vivem querendo ganhar mesmo matando aquele que morrendo vive a trabalhar tem cuidado...Rosalinda se tu fores à praia se tu fores ver o mar cuidado não te descaia o teu pé de catraia em óleo sujo à beira-marEm Ferrel lá p´ra Peniche vão fazer uma central que para alguns é nuclear mas para muitos é mortalos peixes hão-de vir à mão um doente outro sem vida não tem vida o pescador morre o sável e o salmão isto é civilização assim falou um senhor tem cuidado..."jpt