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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Cruzo a companheira AL a comentar, com a simpatia que a caracteriza, num mural do facebook. Ali se apela à atenção dos portugueses "Portugal Open Your Eyes", que poderemos estar na mira de um conspiração internacional de pedófilos. A AL apela à calma, ela doce gabando o imaginário infanto-juvenil. Vou ver o que é: um mural de alguém que se reclama (soletrando tudo) cristão, católico, apostólico, romano. Está cheio de ligações para documentos da igreja católica. E de ligações para sítios com iconografia nazi (Hitler inclusive) e "gostos" da página de Haider. Uma coisa tão explícita que nem sequer típica. Ou pelo menos atípica no mundo a que estou habituado. [Adenda: comentários posteriores e mensagens que recebo (educadas, frise-se) explicitam: está-se no contexto dos "revisionistas", a imagem actual de Hitler e do nazismo é vítima por ter sido fruto do discurso dos vencedores. Já terei eu atentado nisto, alertam-me até pedagógicos? E no meio disto os crucifixos não caem das paredes nem as pias de água-benta se turvam ...].
Mas é este mundo que se agita. E que influencia a pequenina-burguesia (nota-se esta pelos textos muito mal escritos, ortografia e sintaxe; pelos visuais muito ordinários - senhoras vestidas de cópia de leopardo, juro, como autoras de alguns dos gemidos mais reproduzidos sobre o grande papão fálico, tão voraz que ele é). Notável como uma brincadeira, a fazer recuperar valores e símbolos do imaginário e da literatura, de repente faz regressar a história, o habitual. Os espantalhos agitados pelos nazis, a receptividade imediata do lumpen-urbano, sempre aterrado com um mundo que incompreende por não dominar. E, como quase sempre, a conivência da esquerda irreflectida, torturada pela sua crença no demónio Capital Alienador (agora no seu avatar pila longa pedófila).
jpt
Um peculiar Verão, o dos bruxelenses. Famílias em vestes encaloradas, mangas curtas e calções, nós de camisolas e chapéus-de-chuva, nariz pingando. Unidos no parque, um festival de teatro infantil, mímicos, cantores e saltimbancos. Um número óptimo, um grupo saltimbanco, figuras monstruosas, em histriónico bailado pop-rock bilaniano puro. O delírio, um pouco assustado, dos miudos. E sorrisos progenitores. Também protectores.
Logo mergulho nas bdrias. Recompro este "Le Vaisseau de Pierre" (Les Humanoides Associès, 2003), os inícios de Bilal (e Christin) lá em 1976. Há quanto tempo não o lia? E agora a fazer-me lembrar que foi Bilal a trazer a insuportável herança gótica (Druillet e quejandos) para a respeitabilidade do "bom-gosto" (oops).
E a delícia ideológica: aqui uma utopia anti-capitalista pura. Confrontando-se com a instalação de um gigantesco complexo turístico a aldeia piscatória e todos os seus ancestrais milenares
(inclusive os monstruosos seres iniciais, raízes de menires, sempre incógnitos), acantonados no velho castelo (nas cercanias da anta) à guarda do merliniano cego, são transferidos, pedra a pedra, espírito a espírito, para uma América Latina (terra de indígenas que tocam flautas), regressando à paz equilibrada, ecológica, espiritual.
Não ocorreu ao duo Bilal/Christin de então que o castelo (e a anta?), a aldeia edificada, e toda a sua gente viva e passada, fossem uma agressão gigantesca aos monstruosos seres e milenares ancestrais lá nas terras dos actuais flautistas? E ao ambiente dos actuais?
Tal e qual como o novo hotel lá na terra afinal pré-bíblica deles?
Não se trata só de afirmar uma ontologia benéfica ao "bom povo" e suas raízes - um romantismo medievalista um pouco mais exótico, projectando o desconhecimento da história (não era o castelo o sítio dos enrugados e engordados donos da corveia e do direito de pernada?). Trata-se também de lhe associar, implicitamente, a ideia da tábua rasa exo-europeia.
Os primórdios da alterglobalização na sua vertente anti-industrialista, anti-capitalista.
Em suma? Diverti-me imenso no bailado bilaniano. E adorei reler o mestre. Que se lixem as interpretações. Eunucas.
mas não um Vassili Alexandrovitch Tchevtchenko.
[Enki Bilal, Pierre Christin, A Caçada, Meribérica, 1987 (1983!!!)]
Pois, Festival de cinema da União Europeia ("dia da Europa" oblige) no Centro Franco-Moçambicano. Pois, coisas a ver. Mas a não perder este, dia 10, terça, 17h e 20.30h.
Prever (e até planear) o futuro é um desejo de quase todos, metafísicos, filósofos ou cientistas (a acreditar nesta tripartição). Desejo que de tão inalcançado se vai traduzindo em impossibilidade.Prova que é possível antever e que se o pode fazer de modo acurado e belissimo é este livro: Bilal e Christin em 1983, a perceberem que tudo ia mudar.