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O senhor Pinfold, de E. Waugh

por jpt, em 08.06.15

As Desventuras do Sr. PinfoldAs Desventuras do Sr. Pinfold by Evelyn Waugh
My rating: 3 of 5 stars

Gosto muito de Evelyn Waugh, tanto que um dia me meti a escrever um texto sobre um dos seus livros, o "Um punhado de pó". Em Portugal ele ficou mais conhecido devido ao sucesso nos anos 1980s do folhetim televisivo "Reviver o Passado em Brideshead", aquele que disseminou Jeremy Irons. Acontece que se essa adaptação foi muito boa o romance era muito superior, um texto superlativo.

Só agora cheguei a este "As desventuras do sr. Pinfold", exemplar obtido naqueles saldos da Feira do Livro de Lisboa, obtido abaixo dos 5 euros. Pinfold é um escritor neo-cinquentão, deprimido, beberrão e hiper-sedado, em processo de sobre e auto-medicação, um cocktail que se torna algo alucinógeno. A (des)ventura narrada será algo autobiográfica, dizem os textos que Waugh cruzou algumas destas vielas. Mas ao texto falta algo, escolhendo um tom algo humorístico restou-lhe uma óbvia autocomplacência, tornando-o morno. Um percurso e/ou um tom que teria justificado um conto mas nem tanto uma novela como esta, algo arrastada.

Enfim, justificou-se pelo parco preço, permitindo um final de tarde aprazível. Mas nada mais.

publicado às 14:39

Um Punhado de Pó

por jpt, em 27.11.08

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[Evelyn Waugh, Um Punhado de Pó (A Handful of Dust), Lisboa, Cotovia, 2008 (1934) (Tradução de Daniel Jonas)]

Tony e Brenda Last são casal quase exemplo, enredados numa morna relação. Vivem em Hetton Abbey, a mansão familiar dos Last. Ela, sentindo-se acantonada, enfastia-se. Ele, proprietário terratenente semi-arruinado, algo pedante e vácuo, esgota os seus interesses na preservação da casa e na continuidade já anacrónica do velho modo de vida local, que considera associado ao seu estatuto. O tom satírico de toda a trama desvenda-se nas características neo-góticas do edifício, então fora de moda, assim desvalorizando aos olhos alheios todo aquele empenho, até ridicularizando a personagem. Um ridículo que é também desvalorização social, pois denota-lhe a ausência do "gosto correcto" da época, desajustando-o ao seu meio social.

O pano de fundo é o quadro da decadência entre-guerras (anos 1930s) dos proprietários ingleses (as grandes casas como sobrevivência de tempos passados, é uma afirmação dos trabalhistas ecoada por uma das personagens), a qual obriga a economias de minudência (os bilhetes de comboio de terceira classe, os pequenos negócios da vendedora Beaver, as opções sobre aquisições ou obras domésticas, as preocupações de alimentação em regime de quase miséria, etc) que tudo contrastam com a auto-percepção do grupo enquanto elite e com as suas práticas sociais (as festas, os clubes - modos de fazer e reproduzir uma topologia de estatutos sociais), o que também vai traduzindo o jogo de aparências públicas necessárias para a manutenção de um estatuto social.

A sátira desvendadora estende-se ao ambiente moral vigente. Disso exemplo é o eco na "sociedade" do caso amoroso entre Brenda e o empobrecido e desinteressante Beaver, uma relação sem particular encanto. É uma recepção até divertida, encarando-a não como escândalo mas como evento necessário à quebra do fastio rotineiro, o "adultério da estação". Mas, por integrável que seja na rotina, não ofendendo sobremaneira os valores vigentes, a relação implica a manutenção, subtil do statu quo: Beaver não recolhe nenhuma ascensão social dessa relação com Lady Brenda (a ruptura consumar-se-á em parte devido ao inderimento da sua candidatura a um clube) e esta enfrenta um horizonte de muda queda económica e social devido ao seu caso amoroso. Corolário deste tom é a afirmação do pragmatismo sentimental, o recasamento de Brenda com o amigo da família Jock Grant-Menzies – para quem conheça estes caminhos literários é algo expectável ao longo da narrativa, ainda que nunca indiciado, o que empobrece a trama. O pouco eco da morte dramática de John Andrew, o petiz herdeiro dos Last, será também traço distintivo de uma aparente superficialidade sentimental geral – ou, o que me parece mais claro, uma pobreza devida à economia narrativa, até porque contrastando com a questão fundamental do livro, a da vontade de perenidade.

A centralidade da questão económico-social denota-se no destino de Tony Last: perde primeiro a mulher, devido à sua "distracção", monopolizado pelos assuntos da propriedade; perderá o filho num coreagrafado acidente de caça, resquício do modus vivendi senhorial (e no qual a intervenção de um autocarro é símbolo de uma modernidade [tecnológica] que vem disromper a geneo-lógica vigente); perder-se-á a si próprio, finalmente, devido à sua recusa no divórcio. Com efeito, ao ser confrontado com as exigências financeiras da mulher - ainda que ela seja a adúltera [e toda essa situação, portanto o próprio destino do livro, incrusta-se nas características legais de então] -, que o obrigariam a vender a propriedade, portanto implicariam uma radical destituição sociológica (de conteúdo espiritual), Last recusa-se a conceder o divórcio. Algo que o impele a um período de nojo, um afastamento sazonal que lhe permita “manter a face” no seio do seu meio. A viagem final em que incorre é assim causada pelo seu desejo de imobilidade, social e geográfica.

Mas nela, e seus efeitos, explicita-se também uma concepção individualista dos percursos sociológicos, pois são as tramas conjugais que demonstram a incapacidade individual de manter, estrategicamente, o estatuto social herdado. Ou seja, os efeitos da viagem, que causa o desapossamento radical (da liberdade e da vontade, o proprietário feito escravo) fica explícita a mensagem subliminar: o desastre individual é causado pelas estratégias que procuram suportar o primado da propriedade, num meio social terratenente serôdio.

Enxertado no livro, culminando-o, surge o conto "O homem que gostava de Dickens", uma curta saga amazónica, cuja conjugação parece pouco plausível. Irrealidade que nem o tom satírico da novela minora, pois ele ancora num realismo explícito. Há até uma disparidade de ritmos narrativos, a vibrante descrição da selva contrasta com o calmo, e até viperino, realismo descritivo do ambiente tardo-eduardino. Contraste talvez legitimado pelos diferentes contextos, mas causando estranheza, até incoerência.

E que também contrasta com as características do protagonista. Certo que nele culmina a continuada apatia de Last, a concepção de que as mudanças geográficas não mudam as personalidades (“Para quê viajar?”, será a questão), ainda que lhes possam alterar (e até inverter) os estatutos. Mas é também certo que o próprio perfil aventureiro da viagem é infundamentado, não condizente com o conteúdo psicológico do protagonista, e muito pouco justificável pela dimensão da personagem Messinger, o explorador que dinamiza a viagem (influenciando o influenciável Last), mas cujos traços meramente esboçados, quase caricaturais, não convencem como potencial dínamo..No entanto as linhas de ruptura entre a novela e o enxerto centram-se no objecto fundamental: é certo que o episódio final demonstra que o civilizado em queda escravizado pelo bárbaro, o anacrónico Last vitimizado pelos novos tempos e assim condenado a servir, ecoando o saber racional moderno a quem, ainda que apreciando-o (o som das palavras) verdadeiramente não o percebe – que dickensiano apaixonado, como Todd aparenta ser, escravizaria um indefeso? É uma polissémica crítica da exportação da modernização, casando os dois núcleos textuais.

Mas mais fundo está a tal ruptura: pois Todd, na sua rudeza curiosa e amoral é símbolo da barbárie. Não da selvajaria, essa característica da inanidade dos ameríndios que o rodeiam – e que na sua maioria deles descendem, grande procriador que se reclama. Filho mestiço e analfabeto de missonário anglófono, deste herdou não só uma mala de velhos livros como a paixão por Dickens. Não é um selvagem, é um bárbaro, estádio intermédio da evolução que lhe advém da ascendência biológica e do contacto civilizado (e cristão). Mas é também um estádio intermédio da involução, aos seus múltiplos filhos não transmitiu essa vontade imaginativa. Em ambos os cenários, o britânico e o amazónico, Waugh fala da "Queda". Todd, na sua boçalidade inane, é um avatar de Last, procurando manter a sua Hetton Abbey, o seu Dickens ali anacrónico, ali absurdo. A escravização de Last, a sua putativa morte, é uma osmose. Ou seja, a barbárie está no destino de Todd e no de Last, a dissolução da mensagem passeia-se em Todd a caminho da selvajaria, a sua Queda está também em Hetton Abbey.

Há ainda o final alternativo, remedeio que Waugh compôs para possibilitar a publicação do livro nos EUA, onde o conto já tinha sido editado autonomamente. Ainda que a narrativa possa assim parecer mais coerente com o registo anterior do que o enxerto amazónico aparenta, o certo é que não só o tom muda radicalmente (o texto aparenta ter sido escrito de rajada, por razões pragmáticas) , mas também o ideário. Aqui o casal sobrevive enquanto tal, mas com papéis actuantes invertidos: Tony regressa a Londres, mergulhando nas teias da infidelidade, Brenda recolhe a Hetton Abbey, à domesticidade reprodutiva assim assegurando a perenidade. É notória a inflexão do conteúdo moral. Não é de Queda que se fala, mas da Ressureição, para a qual apenas se exigirá a alteração das práticas individuais – de novo o individualismo. Que a apatia de Last se desvaneça, que Brenda se recolha e a continuidade sobrevirá. Um conformismo individualista que ultrapassa, por completo, qualquer intenção satírica.

Finalmente. A tradução aparenta ser pastosa (algo que surge "escondida na ideia", por exemplo), sublinhando que Waugh se lê no original. Para mais a edição tem notas algo desnecessárias (uma nota explicitando o que é "Senegal" será necessária? Um mapa legendado não substituiria as cansativas notas – no fim ainda para mais – relativas a zonas e bairros londrinos?)

Estrelas: 3

Adenda: Waugh na Wikipédia; A Handful of Dust na Wikipédia.

publicado às 12:59

Waugh

por jpt, em 10.08.07

Mr. Samgrass told me he was drinking too much all last term.”“Yes, but not like that – never before.”“Then why now? here? with us? All night I have been thinking and praying and wondering what I was to say to him, and now, this morning, he isn’t here at all. That was cruel of him, leaving without a word. I don’t want him to be ashamed – it’s being ashamed that makes it all so wrong of him.”“He’s ashamed of being unhappy”, I said." (131)

 

When I was a girl we comparatively poor, but still much richer than most of the world, and when I married I became very rich. It used to worry me, and I thought it wrong to have so many beautiful things when others had nothing. Now I realize that it is possible for the rich to sin by coveting the privileges of the poor. The poor have always been the favourites of God and his saints, but I believe that it is one of the special achievements of Grace to sanctify the whole of life, riches included. Wealth in pagan Rome was necessarily something cruel; it’s not any more”I said something about a camel and the eye of a needle and she rose happily to the point.“But of course” she said, “it’s very unexpected for a camel to go through the eye of a needle, but the gospel is simply a catalogue of unexpected things. It’s not to be expected that an ox and an ass should worship at the crib. Animals are always doing the oddest things in lives of the saints. It’s all part of the poetry, the Alice-in-Wonderland side, of religion.” (122-123)

 

[Evelyn Waugh, Brideshead Revisited, Penguin, 1960]

publicado às 16:59


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