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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
O tempo desta vida parou para António Mourão.
António Mourão, nome artístico de António Manuel Dias Pequerrucho, enorme cantador de Fado, saltou para a ribalta quando no teatro Maria Vitória entrou na revista (à portuguesa) "E Viva o Velho" com o que veio a ser o seu maior êxito "Ó Tempo Volta para Trás" e um dos grandes sucessos de sempre da música feita em Portugal e ao contráro do que a agência Lusa lançou e alguns orgão de comunicação por arrasto e preguiça noticiaram - devem ter ido beber a essa fonte fidedigna que é a Wikipédia..., "Ó Tempo Volta para Tás" não é da autoria de António Mourão e sim da dupla Manuel Paião e Eduardo Damas. Enfim, o rigor é o que se vai sabendo... Siga a marcha: Mourão começou o percurso profissional pela mão da fadistíssima Argentina Santos no "Parreirinha de Alfama", passou pelo Casino Estoril e actuou diversas vezes no estrangeiro, estando tão à vontade na interpretação de fados clássicos ou fados-canção, como no folclore ou ainda em temas da música dita ligeira. À disposição no tubo estão sucessos com "Chiquita Morena", "Mãe", "Meu Nome é Ninguém", "Uma tarde em Salvaterra", uma óptima versão de "A Noite" ou "Estranha Contradição". Ficam aqui registos destas últimas composições e, obviamente de "Ó Tempo Volta para Trás" com a orquestra de Jorge Costa Pinto a acompanhar, numa singela homenagem, infelizmente póstuma, ao cantador que, apesar da enorme aceitação do público, passou de estrela a fascista e reaccionário após o 25 de Abril, já que a malta fixando-se no refrão que é também o título conhecido, já nem ouvia o resto da letra, achando que era um apelo à contra-revolução e um sinal para retomar o curso interrompido da longa noite fascista... Bom, mas nesses tempos revolucionários o Fado, por mais explicações que se tentem para tamanha estupidez, foi considerado uma forma artística nacional-salazarenta, fascizóide e portanto retrógrada, uma canção maldita, com Amália e Mourão, apontados como principais vozes subversivas da doutrina, enquanto Carlos do Carmo rapidamente se despegava das ridículas noções, ficando conhecido aquando do seu mal conseguido restauro capilar e com enorme graça, como o "Capachinho Vermelho. Aliás, o Fado, que agora é incensado por muitos dos que o apedrejaram num conhecido hábito de trocar a casaca conforme o vento lhe dá nas abas -, foi a par de Camões e do Gama das Descobertas, enfiado no mesmo saco bafiento da longa noite fascista.
A Noite
Estranha Contradição
Arredada que tenho andado do mundo virtual passo hoje brevemente aqui pela ma-schamba e vejo a cooperativa engalanada com a onda fadista que tem varrido o país. Alegra-me a alegria dos membros da cooperativa e a eles me junto. Por amizade a eles e por memória a meu Pai, esse grande amante do fado e que desde criança para as casas de fado me arrastou. Mas, ainda que apelidada de ingrata, desta vez aqui não caso e serei a voz dissidente, já que toda a comoção gerada em torno do assunto me elude e me deixa até perplexa. Não por causa do fado em si, enquanto corrente musical, não com o gostar ou não de fado ou de representar ele ou não a alma portuguesa (seja isso lá o que for). Nem tem mesmo a ver com a Unesco – ela é o que é. Tampouco se prende com qualquer posição política, embora não deixe de sorrir com a ironia de ver tão cantada esta instrumentalização do nosso fado por oposição a outras (ou tentativas de) no passado, tal como o nosso JPT e MVF têm referido nos postais que aqui têm. Não me escapa a ironia de ver agora a louvar em bicos dos pés quem tentou senão calá-lo, pelo menos ignorá-lo. A todas estas (e outras) manipulações o fado é alheio e não foi por isso que deixou (nem deixa) de ser o que é. O que será então que me deixa tão indiferente? Não, minto. Irritadiça e até mesmo embaraçada? Porque será que a única coisa que me ocorre perguntar perante tanta comoção é: e depois? Pior ainda e já que estou em maré confessional, a pergunta que me ocorre mesmo é: so what? Parece-me, a mim, que tanto louvor apouca gentes que tanto se têm esforçado pelo fado. Mais concretamente a nova geração de fadistas que tanto por ele se têm empenhado. Não, dizem-me, estás enganada!; pelo contrário, o facto de a Unesco reconhecer o fado como património mundial só enaltece tais gentes. Talvez tenham razão e talvez esteja eu enganada mas quantos fadistas integraram a delegação portuguesa que a Bali se deslocou? E se algum a integrou, porque foi então rematado o discurso de António Costa com o seu iPhone? Tens que ser sempre do contra, ripostam-me, é um processo político. Será e terão todos razão. Não se altera, no entanto, o meu sentir. Alegro-me com os amigos que se alegram pelo fado como património mundial. Fosse o meu Pai ainda vivo e estaria certamente a celebrar em grande. Mas, repito eu, e depois?
AL
É a minha amiga Patrícia, também ela imigrada, que me faz lembrar este fado, "Zanguei-me com o meu amor" (versos de Linhares Barbosa, sobre música tradicional). Amália, ainda nova, bem antes de Alain Oulman, mas já a fazer(-se) lenda. Integrada no cinema, em "Fado - História de uma cantadeira", como se sua biografia (e logo após o super êxito "Capas Negras"). Em parelha romântica com Virgílio Teixeira, o galã que se veio a exportar; filme abrilhantado com todos os grandes nomes do cinema português de então (neste extracto com o grande António Silva, no seu registo que era uno e único). A indústria possível no Estado Novo. Este aqui condensado.
Canta Amália (reproduzo do filme, que as versões na internet variam imenso):"Zanguei-me com o meu amor / não o vi em todo o dia / zanguei-me com o meu amor / não o vi em todo o dia / à noite cantei melhor / o fado da Mouraria / à noite cantei melhor / o fado da Mouraria / o sopro de uma saudade / vinha beijar-me hora a hora / o sopro de uma saudade / vinha beijar-me hora a hora / para ficar mais à vontade / mandei a saudade embora / para ficar mais à vontade / mandei a saudade embora ..."
No fim irrompe o icónico António Silva "que diz a isto o amigo Morais? Não diz nada, claro, não tem nada que dizer, não há palavras ...". Que dizem a isto os "espertos" dos estereótipos? "Não dizem nada, não têm nada que dizer, não há palavras" ...? Nem tanto, que a vertigem da "atitude" é-lhes mais forte. "Eu já vi tudo", como aqui culmina António Silva, e como tal o perorar continuará.
jptFinais do milénio passado, de Portugal preparava-se uma visita de Estado a Moçambique. Coisa muito em grande, então. Toda a tensão, tamanho o desafio, logístico e político. Da comitiva, vastíssima, faria parte uma delegação cultural. Para integrar um espectáculo de gala, aqui oferecido pela Presidência moçambicana (é do protocolo) e também para organizar concerto em Maputo. Alguns nomes eram falados. À roda da mesa convocaram a minha opinião, e competia-me dizê-la. Que A ou B estaria bem, que C ou D seria descabido. Mas que E seria mais do que adequado. Ali de Lisboa vindo, cortante, ríspido, o todo-poderoso diplomata insurgiu-se, em esgar de desprezo,"Esse?!! Um fadista?! Ainda para mais monárquico, reaccionário!" e alguém (amigo) logo junta, em sorriso, aligeirando o tom, a querer tirar-me do cepo, "é só porque é sportinguista ...". Ainda ripostei, coração na boca, "nisso só vejo qualidades" mas guardei a injúria devida, ficou-nos apenas nos olhares enfrentados.
Claro que o fadista não veio. Não houve desgarrada.
Também por causa destas coisas, desoiradas, é bom "ir lá fora" (à UNESCO) ganhar prestígio.
jpt
O grande António Chaínho. E como abaixo o MFV fez o favor de recordar tempos em que o fado, cultura popular, urbana, era considerado "fáxista", e como tal por tantos desprezado, apetece-me recordar Rão Kyao. Eu era jovem e como nunca foi estudioso da coisa não posso afiançar mas fiquei com a memória de que o "Fado Bailado", ali por inícios dos anos 1980s (1982?), vindo de alguém que aparecia no Cascais Jazz (então um "must"), foi uma das formas de recuperação do fado junto de sectores mais alargados de ouvintes. Esses tempos, que até foram breves sob o ponto de vista da história, alguns anos apenas, vão sendo esquecidos. Eu recordo-me (e já aqui o lembrei) de ver a extrema Amália no Coliseu dos Recreios, então a grande sala de Lisboa. Era a sua primeira vez ali, em 1985! Num espectáculo organizado de modo acabrunhante, com António Sala a vender "varinhas mágicas" no meio. Certo que nem isso apoucou Amália e o imenso público ali em adoração. Mas era assim. Então aqui fica o Rão Kyao, com o seu jazzy [falso, que ali é só fado], então a levar o fado a tantos dos mais novos.
O fado não precisa, nem nunca precisou de ser legitimado. Ir buscar coisas algo excêntricas que com ele namoram (ou até o são) não é para, qual basbaque, o afirmar. Mas serve para mostrar o quão pode ser mais do que os "des-gostantes" julgam que desgostam. Por exemplo Maria João, que há muitos que não apreciam (já lhe ouvi chamar histriónica), mas que eu adoro [não arranjo uma gravação limpa, aqui a canção "conspurcada" com o filme].
Ou esta parceria. "Inteligente."
Ou ainda esta, como se miscelânea, a mostrar a plasticidade do fado, não apenas algo acantonável. Não é um momento particularmente engrandecedor, mas a música não se faz apenas disso. E vale sempre ouvir Zel cantar "adoro essas feições belas / como um crente adora Deus". Sim, "como é possível gostar / de quem nos faz tanto mal"?
jpt
Muitas teorias sobre as origens do Fado mas uma certeza: é produto certificado de Portugal. Agora, e depois de muitos anos a tentar a distinção - a propósito, uma palavra de agradecimento a Pedro Santana Lopes que lançou a ideia - a UNESCO reconhece o Fado como Património Imaterial da Humanidade. Vivam todos os cantadores e cantadeiras, guitarristas, empresários das casas de Fado, das companhias discográficas, do A de Armandinho e da Amália, passando pelo Alfredo Duarte, Marceneiro de alcunha por profissão, Carlos Ramos, Hermínia e pela mais que afinada Exma Senhora D. Maria Teresa de Noronha, por D. Vicente da Câmara e pelo incontornável Carlos do Carmo, pelo Raúl Nery e pelo Fontes Rocha, pelo vozeirão de Manuel de Almeida ou pelo estiloso Fernando Maurício, até ao Z de Carlos Zel não querendo esquecer não nomeando tantos outros conhecidos, famosos, ou quase anónimos intérpretes. Vivam ainda os poetas, uns populares, outros ditos eruditos, que a D. Amália conseguiu meter no acompanhamento fadista para bem deles e de nós. Viva também o Carlos Saura, que ao realizar "Fados" que tantos puristas e outros que nem conseguem distinguir uma guitarra de um bombo, enfim, mocos que são, por incapacidade de fazer, mesmo que pior, apedrejam, ajudou mais que muitos portugueses. Sei porque, mero acaso, assisti à exibição do filme em Nova Iorque há um bom par de anos, com sala cheia a aplaudir o celulóide por aquilo que mostrava e fez sentir. Serão alguns dos que cospem no hispânico os mesmos que no pós 25/4 "fascizaram" o Fado, quase expulsaram a insultada como fascista Amália Rodrigues e tantos outros. Invejosos, sabemos. É , ainda, curioso, ver gente das políticas com biqueiras dos sapatos a esfarelarem-se de tanto se porem em bicos de pés, gente que nunca se viu apoiar ou sequer frequentar os "antros" que são as casas de Fado. Enfim, dos fracos de ouvido, entre outros orgãos e dispositivos biológicos não reza esta história. Interessa é que há festa na Mouraria e que se calem os ingratos pois que se vai cantar o Fado. Sou suspeito, bem sei, porque gosto, sempre gostei de Fado. Não menciono aqui a nova geração, a começar pela Ana Moura, Carminho e Camané e, obviamente pela Mariza, que devo dizer não considerar fadista com "F" e sim uma enorme cantora que também interpreta fados, porque é destes novos e muitos valorosos, também, o futuro. Palavra agora ao grande Alfredo Marceneiro: Vosso mvf
A AL aborda o lusitano. E para ela aqui fica, com dedicatória, um fado que adoro. (E que quantas vezes ouvi, e pedi, acompanhado pelo MVF).
jpt