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Um leitor do ma-schamba teve a gentileza de me mandar o texto que Fernando Venâncio publicou na revista LER e que entretanto está já transcrito na internet, possibilitando a sua obrigatória leitura: "Acordo Ortográfico. Visita Guiada ao Reino da Falácia. Nele se traça o enquadramento histórico do processo negocial, lembrando tanto as suas longínquas e contextuais origens bem como o carácter esconso que veio a assumir o seu processo negocial final, e como tal pouco democrático e nada científico. E traça-se ainda, sem reducionismos lineares, a mediocridade conceptual do acordismo.

 

"O linguista Ivo Castro foi o autor (com Inês Duarte e Isabel Leiria) desse pequeno monumento ao nosso idioma que se chamou A Demanda da Ortografia Portuguesa (João Sá da Costa, 1987). ... no livro, vincava que os negociadores do Acordo haviam evitado qualquer consulta aos colegas linguistas portugueses, entretanto quase unânimes na rejeição do mesmo. Insistia em pontos irrecusáveis: a previsível influência da nova escrita sobre a pronúncia, o enganoso de uma «simplificação» que vinha exigir especiosas operações mentais, a patente falta de coerência do próprio texto acordado." 

 

E frisa, com exemplar clareza, aquilo que tenho tentando invectivar, confusamente, em inúmeros textos rápidos aqui dedicados ao assunto: a ligação entre o acultural, anti-económico e anti-comunicacional Acordo e o impensamento lusófono (esse que insisto brotar fundamentalmente do fóssil republicanismo colonial transformado em avatar socialista):

 

"Os deuses iam em adiantado enlouquecimento, como logo em 1986 se provaria. Pergunta-se: o que pode levar indivíduos de reconhecida qualidade científica a propor, e tornar a propor, medidas que um exame crítico, mais ou menos aturado, demonstra serem descabeladas, irresponsáveis, quando não idiotas? A resposta poderá espantar, mas tem de ser dita: tudo nasce desse embalador e entorpecente aconchego chamado «Lusofonia».

 

Envoltos nessa doce quentura, mesmo os mais perspicazes espíritos perdem o tino. Em nome de uma fraternidade» que só existe nos seus delírios, exercem um poder duradouro que ninguém controla, nem eles próprios. A persistência em propostas como as geradas naquele encontro coimbrão só se entende postulando uma obnubilação mental colectiva, um clima muito espontâneo e inofensivo, que se gera (que «rola») em congressos, festivais,jantares e serões «lusófonos», mas é desastroso na hora das decisões que condicionam décadas, ou séculos, e que exigiriam a cabeça fria dos sábios académicos e o concurso de outra gente competente. Só que o aconchego lusófono se alimenta de forças primárias, fetichistas, para lá de toda a racionalidade, em pleno obscurantismo." 

 

Mas mais, Fernando Venâncio recorda que o processo não é inultrapassável, sendo inclusivamente um momento de afirmação da democraticidade (ou da sua possibilidade) da sociedade portuguesa, face a uma incongruência intelectual e científica, assente num desvario político (até algo ultrapassado por um quarto de século de dinâmicas internacionais):

 

"Será ainda possível travar, entre nós, este estranho fruto da ingenuidade, da arrogância e da incompetência? Neste momento, inícios de Agosto de 2011, são 126.653 os portugueses que assinaram um «Manifesto contra o Acordo Ortográfico», um número que continua a crescer. Uma «causa» do Facebook, «Não ao Acordo Ortográfico», congregou até agora 116.134 adesões. São números impressionantes, e a exposição pública dos aderentes, peculiar nestas declarações, sugere aquele tipo de cidadania que os políticos sérios mais procuram.

 

Em domínio menos quantitativo, sublinhe-se o facto de, nos 20 anos de suspensão do processo, não ter aparecido um único estudo «linguístico» em defesa do enxovalhado Acordo. Publicaram-se obras expositivas, mais ou menos apologéticas, como a citada de Adragão, A Questão Ortográfica (Editorial Notícias, 1993), de Edite Estrela, e O Acordo Ortográfico (Flumen/Porto Editora, 2009), de Francisco Álvaro Gomes. Mas todos os estudos técnicos e analíticos, levados a cabo em universidades e instituições profissionais, foram frontais na reprovação das propostas académicas. No árnbito da divulgação, destaquem-se Acordo Ortográfico: a Perspectiva do Desastre (Alêtheia, 2008), de Vasco Graça Moura, uma robusta ponderação jurídica, O Fim da Ortografia (Guimarães, 2008), de António Emillano, apavorante análise das consequências imediatas do Acordo, e Demanda, Desastre, Deriva (Textiverso, 2009), de Francisco Miguel Valada, uma exposição detalhada, e devastadora, das incongruências do produto. As intervenções de Emiliano na imprensa foram recolhidas em Apologia do Desacordo Ortográfico (Verbo, 2010)."

 

Ainda é tempo! Apesar de episódios de uma mediocridade gélida: ao procurar este texto para aqui o ligar entro no blog da LER. Para saber que no exacto número em que publica este precioso texto a revista passa a publicar subordinada ao Acordo Ortográfico. O que me faz recordar que o actual secretário de Estado da Cultura, o bom do nosso confrade bloguista Francisco José Viegas, foi o anterior director da LER. E tem sido um defensor do malfadado Acordo. Uma pena. Pois é a altura de alguém do poder político assumir uma posição culta. Por polémica que seja.

 

jpt

publicado às 00:36


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