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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
[Prioridade de Passagem, não me lembro da data]
[Deixa Andar, 2005]
[A Tale of one City (sex of angels, authority, heaven, competition), 2006 (nos baloiços há alguém que eu conheço bem)]
Gemuce, plural, inquieto, certeiro. Nisso de trocar o remanso dos aplausos encantados com o (seu) bonito pela provocação, consciente, reconstrutiva, em práticas plurais a exigirem um diálogo bem mais difícil com o "público" que já o idolatrava. Sem gritos nem ademanes, por isso incisivo. Determinante. E uma beleza.
A ilha na frente de Angoche é espantosa. O sol era imenso. Nisso lembrei-me de umas aguarelas que o Gemuce pintou nos anos 1990s na Ilha de Moçambique - e algumas ficaram em nossa casa. Inundei a máquina de luz e disse "vou gemuçar". O resultado foi péssimo, falta de sabedoria no maneio daquilo. É até penoso mostrá-lo. Mas fica aqui, com um abraço ao Gemuce. Talvez um dia venha a conseguir gemuçar ...
Fui percorrer pelo encerrado Arte em Movimento, coisas da preparação de algo grande em meados de 2012. E nisso (re)encontrei ali este quadro do Gemuce - que nunca vi ao vivo, pois há dois anos [!, não te parece já estranho?] que inclui uma itinerância pelas escandinávias. Gemuce, um amigo de infância e eu próprio a baloiçarmos. Partilho aqui o meu absoluto prazer, sentido quando então conheci a obra. À qual o seu autor juntou um texto. Fantástico de sageza, tão contrário ao folclorismo que infecta tanta gente:
Estou em paz com os meus preconceitos porque percebi que o sentido humano tem como base a questão preconceituosa. E assim estou em paz com o conceito preconceituoso. Este agora tornou-se importante no meu processo criativo e a minha vida tornou-se um preconceito… Não estou livre de preconceitos
[Gemuce e Ulisses Oviedo, "Parnasianos" na Kulungwana]
Amanhã, 6 de Outubro, Gemuce e Ulisses inauguram uma exposição na Kulungwana (estação dos CFM), a qual intitularam "Parnasianos", o que é mais um elemento para se ir ver o que ali se passa. O encontro para o início está marcado para as 18 horas. Recomenda-se.
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Um bom almoço no museu Chissano, local que se recomenda e as pessoas andam tão distraídas que nem visitam. Se o museu é fantástico o sítio é muito agradável, e de boa comida. Excelente serviço, competente e afável. Hoje aportámos lá, um grupo excursionista de trinta e tal pessoas visitando ateliers de artistas plásticos (Victor Sousa, Celestino Mudaulane, Idasse, Gemuce), e ali nos deleitámos, gozando da sombra (óptima), matapa, galinha zambeziana e batata doce frita, simples conjugação que mereceu aplauso generalizado. Por coincidência (ou destino) isto ocorreu hoje, exactamente no 17º aniversário da morte do escultor Chissano - forma de também homenagearmos a sua memória. Da melhor maneira, olhando a sua obra.
Para mim também o dia assinala algo: há quatorze anos que vivo em Moçambique. Já.
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[Jorge Dias Plasticien, Éditions de l'Oeil, 2008]
Mais um dos livros de bolso que esta editora dedica a artistas plásticos e escritores (julgo que há também um sobre Mia Couto, mas nunca o vi) moçambicanos, na sua colecção "Les Carnets de la Création", que conta com o apoio da cooperação francesa. É uma boa iniciativa de divulgação das obras, até pelo formato, vagabundo e transitivo. Como sempre a edição é trilingue (francês, inglês e português) e inclui um conjunto de fotografias sobre as obras do artista e um texto do seu "companheiro de estrada" Gemuce.
(A versão portuguesa do texto está ligeiramente truncada no último parágrafo, nada que não seja ultrapassável com a consulta das outras duas versões).
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O tempo passa. Amanhã no Museu Nacional de Arte acontece a inauguração da 4ª edição (bienal) da Exposição de Arte Contemporânea, agora já tradicional organização do MUVART (Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique), movimento que é ele próprio o mais relevante acontecimento das artes plásticas que ocorreu no país na última década. Ainda não fui ver o que se preparou nesta "Rotura e Desconversão", darei eco a partir de amanhã.
Adenda: a nota informativa da organização
O Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique – MUVART, uma associação de artistas contemporâneos de Moçambique e o TUNDURO – Festival Internacional de Artes, apresenta a exposição internacional de Arte Contemporânea no Museu Nacional de arte.
A exposição “Rotura e Desconversão” reúne 17 artistas de 6 países do programa do MUVART “Expo Arte Contemporânea Moçambique” existe há 6 anos, com carácter de uma bienal. Este evento, pretende sensibilizar, teorizar, e estimular a produção da arte contemporânea através da sua circulação dentro e fora do pais. É a IV edição e tem como objectivo, a troca de experiências entre os artistas participantes, a circulação das produções actuais, possibilitando deste modo o conhecimento, a informação e debate sobre a arte contemporânea.
Através do trabalho dos artistas aqui apresentados, a exposição da conhecer os contornos que a arte contemporânea está a tomar em Moçambique. Estes trabalhos estão virados para uma arte transnacional e dialogam com universos multiculturais. Os artistas têm vindo a abrir mão de opções estéticas, matrizes nacionalistas e narrativas sócio-político-cultural, escolhendo um percurso individual e subjectivo na produção das artes visuais. Estes mesmos artistas procuram e encontram seus pares em outras geografias de matriz cultural diferente.
De Moçambique estão presentes os artistas, Sónia Sultuane, Maimuna Adam, Gemuce e Marcos Muthewuye, membros do MUVART, que questionam a dinâmica da produção artística e a sua teorização em Moçambique. Os artistas Titos Mabota, Gonçalo Mabunda, Branquinho, Fornasini, Vinno Mussagi e Famós representam uma parte da produção artística que consideramos significativa no panorama actual da arte no país e internacionalmente. Do Brasil vêm as artistas Isa Bandeira e Vera de Albuquerque com a actividade artística na cidade de São Paulo, trabalham com diferentes suportes de arte. A artista Soledad Johansen do Chile, vive e trabalha na cidade de Maputo e desenvolve actualmente um projecto intitulado “Corpos Flexíveis”. O artista Fred Morim de Angola vive e trabalha na cidade Maputo e apresenta trabalhos no âmbito do projecto “Mundo 100 Valores”. Dos Estados Unidos da América estão presentes os artistas Evans Plummer e Mike Bancroft que trabalham num projecto onde questionam mecanismos e espaços de circulação da arte pública e de Portugal o artista Jorge Rocha com o projecto de “Culinária expansiva” que usa a Web como suporte da sua obra de arte.
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Ídasse
Nascido em 1955, hoje com três décadas de carreira, várias vezes premiado pelas instâncias nacionais, inúmeras presenças em exposições internacionais, individuais e colectivas, neste âmbito também como curador. A sua obra abarca o desenho e a pintura, áreas onde é mais reconhecido, e também a cerâmica e a escultura, em madeira e pedra. Mas a apresentação do trabalho de Ídasse, que porventura o tornará o mais representativo artista plástico moçambicano da sua geração, não radica no sumariar do seu percurso profissional. A espessura da sua obra habita na sua sageza, única. Notável na forma como tem desnudado um gigantesco feixe de expressões, rondando o figurativo, e de emoções, entre o amor e o pavor. Nessa complexidade, em nele sereníssima, convocando como mais ninguém o pode fazer o fundo mitológico, ontológico, da cultura do seu sul. “Sou um aldeão”, disse-se um dia. Sabendo bem, por artes suas, que é nesse assim que se transforma em artista do mundo, homem de todo-o-lado.
Idasse321[@]gmail.com
Gemuce
Nascido em 1963, formou-se em Belas Artes na então União Soviética e pós-graduou-se em gestão cultural na França. Como pintor (aguarelas, acrílicos, óleos) cedo se afirmou em Moçambique como um nome incontornável no paisagismo, no figurativo, terrenos onde continua a ser referência fundamental. Mas a sua inquietude estética e irreverência ideológica implicaram a coexistência dessa vertente mais “académica” com expressões mais contemporâneas, afirmando-se desde finais da década de 1990 como vulto motriz de importantes rupturas artísticas no país. A sua adesão à vídeo-art, a sua expressão recorrente através de instalações e “acontecimentos”, aliadas ao seu prestígio de pintor e à sua actividade de docência colocam-no no topo das referências junto das gerações mais novas. Para mais tem vindo a ser elemento crucial, como participante, gestor e ideólogo, nos movimentos artísticos que revolucionaram o panorama das artes plásticas moçambicanas: primeiro a Associação Artística Arte Feliz, e depois o Movimento de Arte Contemporânea (MUVART).
E-mail: gemucarte[@]gmail.comPekiwa
Nascido em 1977 provém de uma genealogia de artistas-escultores. Seu pai, o célebre escultor Ghowane, a iniciou. Seu tio paterno é Simões. E seu primo direito é Alexandria. Todos os quatro são importantíssimas referências na escultura nacional. Pekiwa é já dono de um trajecto rico, que tem recolhido expressão institucional através dos prémios obtidos. Se há artista moçambicano que possa acolher o epíteto pós-moderno será ele. Calcorreia o país, em busca de indícios históricos e culturais, e nele recolhe ideais e materiais já usados. E, com veemência única, funde-os. Sínteses únicas as suas, nisso convocando múltiplos passados na constituição do seu presente esculpido. Sem medo de criar o belo, sem nojo ao horror, em harmonias de grande escala. São rupturas únicas, as esculturas de Pekiwa. Sem precisarem de se anunciarem como tal. Apenas pelo facto de nos acompanharem, a isso nos obrigarem.
E-mail: pekiwa77[@]yahoo.com
(textos deixado na Índico, Maio-Junho 2010)
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E por referir "rascunhos" de posts que foram ficando para trás. Este é uma memória de uma exposição colectiva, já com um ano, realizada com artistas ligados ao Movimento de Arte Contemporânea. Aconteceu na Associação Moçambicana de Fotografia, por ocasião da visita do presidente português, em Março de 2008.
O meu objectivo era o de discutir a sua pertinência e a adequação do formato à lógica do Movimento. E ainda, e num outro registo de questionamento, o da adequação à sala disponível. Questões que prescreveram, claro. Fica a memória.
Uma exposição colectiva organizada pelo Movimento de Arte Contemporânea (Muvart), sob curadoria de Jorge Dias. Abaixo fotografias de obras (algumas já anteriormente apresentadas outras então inéditas) de Jorge Dias, Celestino Mudaulane, Ivan Serra, Gemuce e Anésia Manjate, respectivamente.
O meu amigo Gemuce é um sábio: publica-o aqui. Ter amigos é uma riqueza. Ter amigos sábios é uma fortuna.
I am at peace with my prejudices, because understand that the human meaning has its base in prejudice in the question of prejudice.
And then at peace with the concept of prejudice it has now became important in my creative processand in my life.
My life has became a prejudice. I not with prejudice.
Na constante sucessão de exposições e mostras de artes plásticas em Maputo talvez não se dê o destaque devido à particular actividade - quase frenética - de um núcleo de artistas ligados à reclamação de uma arte contemporânea, alguns vinculados ao Muvart, outros nem tanto. Actividade em Maputo mas também em presença em colectivas e oficinas no estrangeiro, Europa e África, terreno mais propício à recepção às linguagens escolhidas.
E agora, saudavelmente, também já no norte do país, algo encetado pela apresentação da "Zoologia dos Trópicos" de Jorge Dias na Beira, um desenvolvimento de instalações que têm vindo a ser apresentadas há alguns anos.
Um feixe de actividades que integra a dinamização de palestras e discussões, com participantes residentes ou visitantes. E que acolhe particular relevo no seio do Museu Nacional de Arte, que tem sido exemplo de uma instituição cultural aberta aos seus agentes. E que tem articulado com os (aqui) importantes centro cultural franco-moçambicano (a casa da cultura de Maputo) e o Instituto Camões (a melhor sala de exposições local - e onde o seu responsável, o adido cultural António Braga tem sido exemplar tanto na relação com este momento artístico como - e esta é mais geral - como na forma como tem dinamizado o seu centro cultural ainda que esmagado pelos conhecidos constrangimentos financeiros).
Não quero reduzir esta actividade ao MUVART, vários são os caminhos dos seus participantes, vários são os ênfases da sua conjugação. E artistas há que se em diálogo com as linhas do movimento a ele não não se fideliza(ra)m. Mais do que tudo o MUVART, momento determinado de ruptura (até geracional) no meio artístico nacional, assumirá o seu sucesso exactamente através da sua dissolução no tempo. Como é característico dos movimentos deste tipo. Nem reduzir ao Muvart nem a este, e aos seus membros, exigir-lhe uma coerência que em tempos louvei- até mesmo por considerar a incoerência um importante mecanismo de produção artística.Mas passados anos sobre o seu surgimento, passados anos sobre a vontade de dexotização da arte local, da sua interrogação, apetece-me interrogar alguns dos acontecimentos do último ano, uma interrogação companheira - mas desconfortada.Três pontos me parecem cruciais: 1. a discussão sobre a interacção e recepção do estrangeiro; 2. a discussão sobre a movimentação colectiva; 3. a interrogação sobre os momentos individuais
1. A verdadeira internacionalização deste movimento artístico (e não falo exactamente do MUVART, mas da onda que o torneia) encetou-se na itinerância (infelizmente incompleta) Réplica e Rebeldia [para uma descrição ver aqui], uma vasta iniciativa com curadoria de António Pinto Ribeiro e produção do Instituto Camões.
A questão que considero relevante neste âmbito é que a arte se exibe explicitamente ideológica. Ora nesse espartilho seria conveniente, melhor, exigível, um radical questionamento ideológico dos eventos - o que neste caso exigiria uma etnografia explícita do processo produtivo. A mim o que se me afigura é que o radicalismo das propostas estéticas - formais - não é acompanhado do radicalismo das propostas estéticas - analíticas. Ou seja, a crítica (o desvendar, também) do processo social da produção artística individual não é acompanhado por uma similar olhar sobre a produção de eventos institucional, e sobre as práticas ideológicas que o balizam, encaixam.
Um pouco elíptico mas para facilitar. O discurso "arte-contemporânea" moçambicano baseou-se (também) na recusa da determinação alheia (alheia ao campo artístico, nisso se conjugando agentes nacionais e estrangeiros) sobre o que é "arte" e, em particular, o que é "arte africana/moçambicana".
[Frederico Morim e Celestino Mudaulane, "Dois Percursos Multi-culturais: o tempo ... já não tem tempo", Abril-Maio 2008, Instituto Camões Maputo]
[Frederico Morim]
[Celestino Mudaulane]
Catálogo, portanto memória, da colectiva "Lisboa-Maputo-Luanda", acontecida em Lisboa em 2007, na Cordoaria Nacional, associando trabalhos de artistas angolanos, moçambicanos e portugueses. No caso dos artistas moçambicanos demonstrando até algumas peças entretanto tornadas emblemáticas - o meu particular apreço pelo "Conselho de Anciões", de Anésia Manjate, bela peça com conteúdo muito polémico, e cuja contraposição com a "Máscara" de Marcos Muthewuye é aqui particularmente feliz, indiciando as tensões existentes na leitura artística do actual..
Mas para além da memória (invejosa) de uma exposição o catálogo mantém-se particularmente interessante pelo que dele se recolhe nos textos enquadradores. A justificarem uma reflexão (provavelmente já realizada) sobre as concepções ali representadas e até sobre os efeitos - potenciadores e constrangedores - da integração dos artistas (das várias nacionalidades e contextos) neste circuito internacional. Mais ainda, as próprias contradições entre os textos denotam as contradições existentes entre os agentes que actuam (controlam?) a recepção artística em alguns cenários internacionais e, assim, algo influenciam a produção.
Um esclarecedor texto de João Lima Pinharanda, "Cabo Não", reflectindo sobre a história dos ambientes sociopolíticos de produção artística na África aqui representada, traçando uma breve geneologia analítica da emergência de uma autonomia artística. E, lateralmente, deixando algo que parece óbvio mas que é constantemente posto em causa, por consumidores e por oradores: "Nenhum nacionalismo cultural pode estabelecer como objectivo a recuperação de qualquer pureza ou genuinidade original (quer dizer, pré-colonial)." Uma "Evocação de Luanda", de Alberto Oliveira Pinto, realçando a plasticidade e entrecruzamento das topografias e das simbologias (da topografia simbólica, melhor dizendo), deixando intuir como são (ou podem ser) constantementes reapropriadas (reconstruídas) no discurso artístico.
E ainda dois outros textos, em aparente contraposição. Um interessante "A Geografia do Encontro ou o Re.Desenho do Mundo: Curiosidade, Mercância e Fé", de José Monterroso Teixeira, que busca recentrar o olhar sobre as artes plásticas internacionais na continuidade do olhar português sobre o mundo, nascido da expansão. E isso assente na recuperação da dicotomia entre o olhar épico de Camões e o olhar negocial (efabulatório, também) de Fernão Mendes Pinto - por outras palavras, a dicotomia entre a "expansão" e o "encontro". Sendo (devendo ser) o olhar de hoje devedor da verve de Mendes Pinto. Se este debate português é já algo antigo torna-se interessante vê-lo explícito no palco da recepção artística actual, e enquanto proposta de sustentção de um pólo central. [E, num outro plano, é sempre interessante perceber como a reflexão ideológica portuguesa se centra na influência do seu Renascimento, apagando séculos de experiência histórica posterior, dos seus feitos e dos efeitos que os feitos tiveram nas concepções da alteridade. No fundo, uma exigência de depurarmos a memória].
Mas mais importante ainda - até porque os conteúdos específicos da reflexão intelectual portuguesa sobre a sua história (e "identidade") não serão particularmente importantes para a actividade artística que nos é estrangeira -, pois demonstrando dimensões fundamentais na gestão das interacções artísticas internacionais, é o texto introdutório do próprio comissário da exposição Victor Pinto da Fonseca. Deixa uma declaração de princípios, que parece pacífica, amável até: "... porque só a arte parece ter o poder de inscrever ligações entre países, como verdadeiras pontes."*
Entenda-se, não estranho apenas a sua difícil (possível?) fundamentação empírica:
1. afirma uma irredutibilidade "negocial" entre os contextos nacionais, que parece exagerada;
2. afirma uma característica (ontológica) "conversacional" à arte que exige conceptualização fundamentadora, bem como a do deficit das outras actividades neste âmbito.
Mas muito mais do que isso aqui se explicita uma secundarização da arte. E a vontade, a actividade, da sua instrumentalização. Uma arte ao serviço da tal "ligação entre os países", uma sua politização não no sentido do capital de questionamento que encerra, sim nos efeitos apaziguadores que proporciona.
Enfim, arte pela arte não, sim arte para o diálogo. Um diálogo que se quer apresentar sem ruídos, por via de uma descontextualização radical. Porque sendo "O enfoque do transnacional é o novo paradigma na arte contemporânea, substituindo o pós-moderno.", o argumento surge como o da sua desterritorialização. Melhor dizendo, associalização: "A exposição não reinvindica um contexto socio-político, antes, convida o espectador a pensar na singularidade de vida de cada artista presente ...". O indivíduo (artista), local e global, em trânsito comunicacional. "Toca algum sino"?
*[Citar trechos de textos é quase sempre deturpá-los à vontade do citador. Infelizmente não os encontrei disponibilizados na internet, para os ligar, permitindo uma leitura nunca truncada. De resto, sobre os textos de que me afasto: a exposição transposta no livro é óptima, donde o comissário fez um bom trabalho, muito para além das frases que aqui pico e pilho. E o texto de J.M. Teixeira é muito interessante e fundamentado, um prazer de leitura.]
Enfiim, não será fundamental discutir os artefactos intelectuais de uma exposição já acontecida há um ano. Mas é interessante visitar o conjunto das obras e atentar nestes caminhos. Enquanto se espera pelos próximos.
[Anésia Manjate, "Conselho de Anciões", 2005; Cerâmica e Corda de Sisal]
[Gemuce, "Deixa-Andar", 2005; Esculturas, chapas de zinco, video]
[Jorge Dias, "Neocasulo", 2005; Camisete, arame, tecidos]
[Marcos Muthewuye, "Máscara", 2000; Metal]
[Tembo Dança, "sem título", 2006; Arame farpado, madeira, tecido, plásticos, rede metálica, papel]
(excerto de "3 Tempos" de Gemuce)
(excerto de "Intolerance", de Abdoulaye Konaté)
(excerto de "Cuba Livre", de N'dilo Mutima)
Malhas que a "cooperação" tece ... Uma pequena caixa intitulada "Art Invisible", contendo três volumes cada um dos quais dedicados a um país: Moçambique, Angola e Mali. Uma edição da ARCO 2006 (Feira Internacional de Arte Contemporânea) procurando divulgar artistas inovadores destes países, gente incluída no movimento artístico contemporâneo africano. O critério das opções nacionais é político-diplomático, o patrocínio é assumidamente destinado a países com os quais Espanha tem "estreitas relações de cooperação". Refiro este ponto para sublinhar que não será fácil encontrar alguma coerência no projecto, trata-se da justaposição de autores artistas africanos que procuram a expressão contemporânea, essa talvez etnia cronológica ou atitudinal. Não obsta isso a que os pequenos objectos em questão seja muito interessantes. O pequeno volume dedicado a Moçambique contém um texto de Jorge Dias (ideólogo-mor do Movimento de Arte Contemporânea local) e uma representação de artistas que se vêm salientando. Neste particular campo parece-me que a referência mais feliz se centra nas iniciativas de Gemuce, em especial o seu "jogo da democracia" cuja patente tarda em ser realidade - não como realidade "industrial" mas como corolário da atitude da instalação. E cuja provocação tem passado ao lado, tamanha a surpreendente placidez com que as "aventuras contemporâneas" artísticas têm aqui sido recebidas.
(Anésia Manjate, "Passaste por Aqui", 2006)
(Rui Assubuji, Maputo 2004)
Lisboa-Maputo-Luanda, exposição na Cordoaria Nacional em Lisboa. Com moçambicanos, Anésia, Gemuce, Jorge Dias, Marcos Bonifácio e Tembo. Até finais de Abril.