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Os jornais anunciam o acordo para o novo governo. Uma inesperada coligação à esquerda a evocar a quase mítica "Frente Popular" francesa, até porque também brotou de uma surpreendente inflexão do partido comunista. Tenho a pior das opiniões deste partido socialista, da sua liderança, morgados do anterior guterro-socratismo e acreditei/desejei que pelo menos mais uma legislatura de oposição, ainda por cima em austeridade (estrafegando-lhe a tradicional volúpia autárquica), pudesse expurgá-lo do estatismo omnívoro que por lá medra. Mas como já botei aqui há dez dias esse governo "será totalmente legítimo e, como tal, democraticamente bem-vindo" pois "a gente vota e os partidos cujos candidatos foram eleitos negoceiam para acordar maiorias governamentais". E quem nunca o percebera que o tivesse percebido. Ponto final parágrafo. Haverá votantes no PS que não o seriam se antecipassem isto, como se brame por aí? Decerto, mas é isto a democracia representativa, a gente vota, elege representantes e eles representam até uma nova votação, nos moldes que a constituição configura. Ponto final parágrafo. Ou vamos nós aderir agora à "democracia participativa" tão cara aos radicais de esquerda, sempre lestos a presumir a vontade global (ou seja, a dos outros), depois defendendo que esta habita nas arruadas (dantes ditas manifestações) que organizam? As acções (da banca e não só) e as notas das "agências de rating" baixam, os juros sobem? Pois, mas a nossa soberania não habita nos investidores na bolsa e nos tecnocratas da burocracia financeira. Temos que nos cuidar com eles, mas isso é outra coisa. Ponto final parágrafo. 

 

O próximo futuro não  será terrível, e há muito exagero escatológico na contestação. O PCP não vai reclamar a administração das Berlengas, Selvagens e até do Corvo, para lá instalar campos de concentração para oposicionistas, bloguistas ou outros, ninguém comerá o alazão de João Núncio, e os Espírito Santo não partirão para o estrangeiro (terão, aliás, o amigo na Presidência). O BE não vai mandar massacrar o Arsenal do Alfeite nem o seu presidenciável Fazenda advogar a "reeducação" ou até o extermínio dos professores ou mesmo de qualquer alfabetizado. Os ícones e as referências teóricas desta gente fizeram isso em passados que eles continuam a glorificar, em vergonhosos revisionismos históricos negacionistas das desgraças de XX. Isso é verdade, e deve manter-nos alerta, acalentar o temor sempre necessário diante dos adeptos dos comunismos, porque tudo isso demonstra que a liberdade não lhes está no âmago. Ou seja, merecem desprezo mas não desatenção. Mas o projecto deles, agora, não é o sociocídio que os seus antepassados tanto promoveram. Os tempos mudaram imenso. Agora o projecto é apenas o apoio parlamentar a um governo virado para políticas mais estatizantes e directamente redistributivas. Isso não é dramático, poderá ser mais ou menos (socialmente) eficiente mas o país está habituado a elas, e é algo que pertence ao nosso modelo civilizacional - dantes chamava-se social-democracia e Estado-Providência, agora em tempos de twitter e poucos caracteres fundiu-se em Estado social.

 

Sobre tudo isto tem-se escrito muita coisa e pouca é interessante. O mais relevante que encontrei está num blog, este "Os nossos caça-fantasmas" no A Terceira Noite. Nele o autor - Rui Bebiano, académico que apoiou a candidatura do "Livre", partido que antecipou esta conjuntura política e que, de certa forma, por ela foi ultrapassado - aponta "a ala neoliberal e clientelar do PS", criticando-a por ser oposição a esta coligação. O interesse do texto é porque anuncia o que aí vem, a forma como se entende o PS, esse que será o governo, e como as esquerdas se relacionarão com ele. O evidente patrimonialismo que é a sua constante prática política, desgraçadamente para o país (e para as esquerdas e suas causas, note-se), é confinado num qualquer núcleo "neoliberal" (o que antes se dizia "ala direita"). O argumento é este: a malvadez clientelista está na "direita neoliberal do PS" o que conclui que os "patronos" e os "clientes" do PS (e tantos o são) são os "ala direita", um raciocínio circular que não vai a lado nenhum. E por isso não é substantivado no texto.

 

Na prática trata-se da velha reclamação da superioridade ética das esquerdas: o clientelismo (a irracionalidade económica, a injustiça social) é a "direita" (agora sloganizada "neoliberal"), assim imoral(izada). A(s) esquerda(s) - e a do PS também - nada "neoliberais" não são patrimonialistas, são éticas (com racionalidade económica e justeza social). É uma pura ficção. E anuncia o que aí vem no próximo governo. Nada de surpreendente ou terrível. Apenas mais do mesmo, que tanto conhecemos, agora com apoio mais alargado.

 

De diferente? Apenas que nos primeiros tempos a "voz popular" andará mais sossegada, surgirão menos manifestações adversas, a comunicação social apoiará ainda mais e os académicos não escreverão tanto contra o governo (pois a FCT apoiará mais projectos). Os blogs "neoliberais" ("fascistas" começar-se-á a dizer) aumentarão as suas audiências. Depois, daqui a uns anos, a gente vota outra vez. E entretanto teremos envelhecido mais um bocadito. 

 

E os gajos do PS continuarão a ser os gajos do PS. Sem alas, entenda-se. Mas a gente já os conhece. Há, até, quem neles vote.

 

 

 

publicado às 08:29


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