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por jpt, em 28.11.04
(Rui Assubuji)


Sim, já aqui deixei esta Velha que o Kiko captou algures, e que nos é oferecida no livro colectivo Imagem Passa Palavra.

Mas trago-a outra vez, por ela que tanto o justifica, mas também pelo texto que a acompanha, "A Velha a Rir". A autora, Hélia Correia, é escritora, não lhe exijo requebros e cuidados de ensaísta, de gente das academias, a esculpirem conceitos antes das botaduras (e quantas vezes assim a tudo esfarelarem). Escritora, Hélia Correia, é aqui apenas um espelho, do ainda seu tempo, da ainda sua gente. Diz ela, desta Velha que o Kiko apanhou:

"Esta velha pertence a um grupo humano que nunca se afastou demais do chão. Nem sei se haverá nela cristianismo, mas a sua aliança espiritual faz-se decerto com natureza e os antepassados que ela integra. Não é inteiramente um indivíduo, porque pertence ao corpo da aldeia, respira, sofre e alegra-se em uníssono. Alguma coisa envolve as casas e as famílias, um calor de matilha, a concordância genética do sangue. E tudo se alicerça na memória e na grande energia da linguagem com mais longevidade e arquitectura do que as nossas cidades tecnológicas" (Imagem Passa Palavra, p. 118).

Confesso que já nem me intriga a persistência desta ideia do africano em comunhão com a natureza, uma comunhão que é também com os seus, pois eles próprios tão naturais. Tamanha que esse "indivíduo" ainda não brotou em gente magma. Nem tampouco despontou esse deus, cristão claro, deus superior porque apartado do meio envolvente, natureza e antepassados; e que destes aparta, que se crê num deus produtor de indivíduos, que a sua graça é também a razão, uma estranha teologia tantas vezes inconsciente, mas enfim...

Esta constante crença no homem natural em África, deficitário pois claro, surge por vezes negativa, apenas racista ou somente sofredora com a, ainda assim, magestosa selva a la Conrad - e isso que tanto se nota por cá, com tanta gente chamando "mato" aquilo que foi desmatado (e cultivado) pela população.

Mas, e como neste caso, surge também como se positiva, num fado do bom selvagem. Como o encontram não sei - ao ler isto saltou-me, do fundo da memória, uma Hélia Correia aqui vinda em 1997 por mão do Travessias/Identidades, em absoluto êxtase naturalista com esta "África tão pura" que encontrava nos meandros dos prédios de Maputo.

Já disse, não me intriga a persistência destes preconceitos. Nem me choca o evolucionismo ignaro neste tipo de textos tão bem-intencionados, até querendo-se poéticos. Nem o racismo explícito (não, não é implícito!) ainda que tão apreciador e até solidário. Pois textos destes são espelho violento de quem, afinal, não percebe nada do seu próprio meio e do seu próprio eu, e como tal se desnuda no imaginar de tantos deficits alheios.

publicado às 23:29


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