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Visão História

por jpt, em 07.11.15

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Precioso exemplar esta última publicação da revista "Visão História", dedicada à história do império português em África ("origens e construção"). Competência em "aplicação" de inteligência, um tom nem celebratório nem auto-punitivo, um registo com a densidade necessária e sem ponta da rigidez académica, uma capacidade de abrangência notável, isto de em 98 páginas percorrer das influências no Kongo e a colonização de Cabo Verde desde fins de XV até aos meados de XX com a figura de Norton de Matos incluindo uma até vasta e deliciosa iconografia (gravuras e fotografias). Um punhado de artigos interessantíssimos, realço os do grande historiador Valentim Alexandre, sobre a construção do novo império após a independência do Brasil, do antropólogo Frederico Delgado Rosa sobre as "expedições científicas" de XIX, de Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro sobre a história de apropriação do trabalho africano, da escravatura ao trabalho forçado, e mais sobre Moçambique o texto de Luís Almeida Martins (que assina vários artigos) sobre Gungunhanha e um outro sobre Marracuene, entre vários. Revista 5 estrelas!!!

 

E se se pensar que o seu custo equivale a 8 cafés (ou a 20-23 cigarros, consoante a marca), então torna-se obrigatório ir ao quiosque comprá-la.

 

 

publicado às 07:48

Sal e Filhos

por VA, em 01.10.15

 

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Arredada deste espaço há algum tempo, gostava de partilhar convosco um projecto que me está a dar enorme prazer.

Não, não me dediquei à fotografia pois seria impossível colocar-me em pé de igualdade com os nossos exelsos confrades MVF e PSB. Tão pouco vos quero distrair do acto eleitoral que, dizem, será decisivo para o futuro (?) do país. 

Assim, meio acanhada mas incentivada pelo colectivo, apresento-vos o "Projecto Sal e Filhos" , o qual realizará a captação fotográfica de gerações de surfistas - pais e filhos - na Costa da Caparica e efectivará um pequeno historial do surf nesta localidade.

Porque a história se faz a partir das práticas dos indivíduos, porque uma certa forma de estar/ser antes partilhada por um pequeno grupo de 'loucos' tornou-se num desejo de actividade já massificada. E finalmente, porque a segunda geração de surfistas, filhos daqueles que, em Portugal e pioneiramente, se iniciaram nesta coisa das ondas nos anos 80 do séc. XX,  está ai a usufruir dessa imensidão de beleza que é o oceano. 

Como dizem os havaianos: Aloha! 

VA

publicado às 22:29

Maio 1945

por jpt, em 09.05.15

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[World War Il planes bomb a hillside while a shellshocked reindeer looks on. Photo Yevgeny Khaldei (1917-1997).]

 

Minha distracção, convocado a outros assuntos mais prementes, ou o 70º aniversário do fim da II GM na Europa passou algo despercebido? Deixo algumas fotos, que apanho na rede Pinterest (várias não estão identificadas). Lembrando a espantosa resiliência de então e algumas coisas mais esquecíveis.

 

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[(c.1941) A postman emptying the pillar box the morning after a heavy bombing raid in London.]

 

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[ German woman measures the skull of  a gypsy,  to see if she qualifies as a saveable human being.]

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[A woman drinks tea, 1940, in the aftermath of a German bombing raid during the London Blitz]

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[American paratrooper, 1945 by Robert Capa.]

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[A French Nazi SS soldier posing for the camera. A number of french nationals signed up to fight with the Germans, usually as Waffen SS.]

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[Haj Mohammed Effendi Amin el-Husseini, Gran Mufti of Jerusalem. Throughout World War II, al-Husseini worked for the Axis Powers as a broadcaster in propaganda targeting Arab public opinion. He recruited Muslim volunteers for the German armed forces operating in the Balkans. Beginning in 1941, al-Husseini visited Bosnia, and convinced Muslim leaders that a Muslim S.S. division would be in the interest of Islam.]

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[Russian Cossack Wehrmacht volunteer.]

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[Heavily armed Chetnik fighter poses for the photographer. The Chetniks were Serbian monrachist paramilitaries who collaborated with the Axis at various periods during WW2. ]

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[Madrid]

 

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[ Hitler's Bunker 1947]

publicado às 11:05

Fotografia colonial portuguesa

por jpt, em 10.12.14

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O tipo de livro que desperta imediato interesse, vera água na boca, este  "O Império da Visão: Fotografia no contexto colonial português", organizado por Filipa Lowndes Vicente (de quem li há algum tempo um livro delicioso [e sábio], o "Outros Orientalismos", exemplo de reflexão imaginativa e ágil). Este de agora é um volume com a participação de vários autores.

 

Será apresentado amanhã, quinta-feira, dia 11, às 18h30m, no agora célebre Instituto de Ciências Sociais (ali entre a Av. das Forças Armadas e a Biblioteca Nacional) por Isabel Castro Henriques, que é em Portugal uma verdadeira referência na história de África.

 

Não acredito (crise e, mais do que tudo, penacho académico - o também dito blaseísmo, que por cá tanto abunda) que sirvam chamuças no fim. Mas ainda assim justifica-se a ida, em busca do desconto do dia no preço do apetecível livro.

 

publicado às 23:21

Análise Social

por jpt, em 15.11.14

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 (Capa de "Análise Social", vol. III, 1965, nº12)

 

"O liberalismo português e as colónias de África (1820-1839)", artigo publicado na "Análise Social", vol. XVI (1º - 2º), 1980 (nº 61-62), um artigo de um grande historiador português, Valentim Alexandre. Claro que não posso afiançar ter sido o primeiro artigo que li na "Análise Social", mas é o primeiro de que me lembro, logo no primeiro ano da universidade numa iluminadora disciplina de História portuguesa regida por Miriam Halpern Pereira. Outros mais velhos poderão recuar ainda mais numa evocação biográfica deste tipo. Outros mais historiográficos poderão afiançar esta importância global da revista na cena académica nacional - olho hoje para o índice deste número e vejo-o afinal sumptuoso, naqueles tempos que agora imaginamos terem sido tão complicados para a investigação. A demonstrar também muita atenção aos novos, basta ver os nomes. Se constam artigos de intelectuais maiores de então (e depois) como José Augusto França, Manuel Braga da Cruz ou Joel Serrão, já surgiam (há 35 anos!) artigos de Fernando Marques da Costa, com quem tanto Moçambique vim a partilhar nestas últimas décadas, de António Hespanha, que felizmente veio a ser meu chefe, Augusto Santos Silva (raisparta na política mas um sociólogo extraordinário), José Pacheco Pereira, que veio a ser o meu professor universitário preferido (conjuntamente com Teófilo Barrilaro Ruas, alguém que continuo a recordar como o professor que gostaria de conseguir ser ainda que saiba que nunca o conseguirei), Robert Rowland que nós, da antropologia, tanto respeitamos, e tantos outros.

 

Vem esta babugem de ancião a propósito do fim do "affaire Análise Social" - que aqui glosei olhando o grafitismo nacional (I) (II), sempre irritado com essa doença infantil da afirmação pública. Muito saudável a notícia de que a suspensão da publicação do último número foi cancelada por decisão dos órgãos colegiais do Instituto de Ciências Sociais. Ainda bem, salvaguardando esta memória da revista. Ainda bem também porque contrasta com o "excitadismo" de tantos, logo aos gritos de "fascismo!", a deriva "grandolística" habitual. Pois aconteceu democracia: decisão errada, protesto público (e corporativo), debate institucional, consenso colegial, reversão. Excelente.

 

Neste debate acontecido noto, contente, algo muito saudável, louvável mesmo: num contexto em que o director actual do ICS suspendeu uma publicação e os seus dois antecessores publicamente o apoiaram, 60 doutorandos do ICS assinaram um documento contra a decisão. Este assumir de posições públicas deveria ser uma coisa normal, nada blogável. Mas num contexto nacional (numa "cultura"?) em que tanto se anuncia o medo de assumir posicionamentos isto foi ... refrescante. Esqueça-se o haja gente. Pois, como se vê, há gente.

 

Agora é ler a(s) "Análise Social". E bater nos artigos. E/ou louvá-los.

 

(E, já agora, o arquivo dos 51 anos da revista está aqui. Um filão, a vasculhar)

 

 

 

publicado às 06:17

Berlim

por jpt, em 09.11.14

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Já passaram 25 anos! Dia para recordar a euforia de então, uma euforia que era também alívio.

 

Já passaram 25 anos, envelheço, envelhecemos. Talvez por isso tamanha é a dificuldade em fazer compreender aos mais-novos o desprezo por estes intelectuais "neo"-comunistas (trotskalhos, maoistas, e quejandos) embrulhados nas causas giras, fracturantes. E o repúdio aos leninistas agora keynesianos. E a irritação face aos "bem-pensantes" que os querem recuperar como companheiros de acção política/intelectual. Não é desatenção, a destes, é falsificação da história.

 

publicado às 02:54

 

 

 

Estante Austral (6)

“Canal de Moçambique”, edição de 17.9.2014

 

José Soares Martins, cuja obra de historiador sempre ocorreu sob o pseudónimo José Capela, faleceu este passado domingo (13.9.2014) com 82 anos. Forma-mor de o celebrar é lê-lo, mergulhar na sua importante obra dedicada às relações entre a sociedade portuguesa e as sociedades do actual Moçambique, em particular no século XIX, cuja profunda imbrincação foi desvendando através da sua abordagem pioneira ao longo de quatro décadas de publicações.

 

Capela recusou o ocaso e manteve-se investigador até agora, octogenário. Notáveis estes seus dois recentes livros: “Conde de Ferreira e Cª. Traficantes de Escravos” (Afrontamento, 2012) e “Delfim José de Oliveira, Diário da Viagem da Colónia Militar de Lisboa a Tete, 1859-1860” (Húmus, 2014), uma narrativa cuja publicação prefaciou, anotou e organizou. Sei que entretando reescrevia outro dos seus fundamentais livros, enriquecido por mais documentação pesquisada e novas reflexões. E que outros textos trabalhava, incessantemente.

 

O primeiro dos livros que aqui refiro, “Conde de Ferreira e Cª. Traficantes de Escravos”, é uma inestimável contribuição para a análise, desvendadora, da profunda influência do comércio entre Portugal e o actual Moçambique em XIX nas modalidades de organização política e económica portuguesa, em particular para a sedimentação do regime liberal e suas burguesias metropolitanas, obra portanto em sequência óbvia com as preocupações que o autor sempre erigiu na sua análise. 

 

(O texto completo encontra-se nesta ligação).

publicado às 12:27

 

- Um (excelente) documentário interactivo sobre a I Guerra Mundial, do Guardian, encontrado através do Sound + Vision. A não perder.

publicado às 22:40

A I Guerra Mundial

por jpt, em 30.06.14

 

 

 

Ana Cristina Leonardo recorda-me este extraordinário filme de Kubrick, Paths of Glory (1957), sobre a I Guerra Mundial. Para a compreender recomendo ainda a leitura de um punhado de livros de Jacques Tardi. O resto virá por acréscimo.

 

publicado às 16:40

Ilustração de Achille Beltrame

 

Assinala-se (não se "comemora", como alguns dizem) hoje o centenário do assassinato do herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, Franz Ferdinand, e da sua mulher, em Serajevo, cujas ondas de choque conduziram à primeira guerra mundial (1914-18). E ao verdadeiro fim do século XIX, disseram alguns, e da "era dos impérios" disseram (mal, em minha opinião) outros.

 

Claro que há imensa coisa escrita sobre esta guerra, talvez a mais demencial de todas - tanto pelas suas forças motrizes como, e talvez mais por isso, pela sua coreografia militar, resultante numa matança então nunca vista. Mas aqui chamo a atenção para um blog em constante actualização, dedicado à participação portuguesa, o Portugal e a I Guerra Mundial

 

Num campo mais particular constato, e com algum susto, que as novas gerações pouco ou nada sabem sobre este macro-episódio da história universal. É costume, verdadeiro ritual, um professor de antropologia aludir ao contexto do trabalho de campo (dito fundacional) de Bronislaw Malinowski na Ocêania, como enquadrado no momento da I Guerra Mundial. Acontece que os jovens não têm ideia, às vezes nem cronológica, quanto mais substantitiva, do referido. E, como corolário, aqui em Moçambique muito menos das suas implicações na história do país, naquele momento e no seu futuro.

 

Também por isso deixei duas breves notas de leitura para dois livros que penso serem importantes para a história da I Guerra Mundial em Moçambique: o muito recente e bem conseguido "Os Fantasmas do Rovuma", de Ricardo Marques (que deveria aqui ser lançado, apresentado e divulgado); e um livro magnífico, escrito por um soldado português de então e recentemente reeditado, "Kináni (Quem Vive?). Crónicas da Guerra do Norte de Moçambique", de Cardoso Mirão, um cru relato sobre aquelas campanhas, e também sobre a mentalidade e a sociologia militar de então, absolutamente imperdível (e que belo filme daria, farto-me de insistir cada vez que cruzo alguém da indústria cinematográfica). Para além de ser um espelho acurado sobre os processos sociológicos e culturais de instalação colonial. E, claro, aproveito para chamar a atenção para o "O Olho de Hertzog" de João Paulo Borges Coelho, dedicado a este momento histórico no país, razão para o irmos (re)ler agora.

 

 

 

Desse "esquecimento", amputador da percepção dos processos constitutivos da entidade nacional moçambicana, é sintomático o facto do total desconhecimento que os alunos universitários têm do significado desta estátua, a sempre referida "senhora da cobra", sita na baixa de Maputo. O único exemplar da monumentália colonial que ficou patente, e avisadamente, pois evoca também os inúmeros mortos moçambicanos - soldados e, na esmagadora maioria, carregadores - que esta guerra provocou no norte do país. Algo que subsistitu durante décadas na história oral no norte: lembro que na década de 1990, trabalhando eu no Cabo Delgado, recorrentemente os anciãos me aludiam à guerra dos "ma-germanes", situando-a, algo confusamente, na década de 1940 (óbvia associação à II Guerra Mundial).

 

Sendo assim talvez esta (maldita) "efeméride" possa servir de momento para se falar sobre estes factos aqui.

 

Das minhas parcas leituras sobre o assunto também quero realçar dois pontos: o como este processo da I Guerra Mundial portuguesa em África foi determinante no "projecto colonial" republicano, e como essa concepção (mundivisão, se se quiser) republicana transitou, como algumas outras, para a percepção que a intelectualidade socialista (entenda-se, do partido socialista português) entendeu, nas últimas décadas de XX o relacionamento dito "lusófono".

 

O segundo, completamente diverso, é um olhar sobre uma figura paradigmática, símbolo de uma "visão do mundo" de então (o oficial prussiano; ou o "junker", se se quiser), o lendário e excepcional comandante alemão, general Von-Lettow-Vorbeck. Fosse ele anglófono e muitos filmes lhe teriam sido dedicados. O seu livro "My reminiscences of East Africa" (acesso livre) é um texto sumptuoso para qualquer curioso sobre o assunto.

publicado às 13:51

Heróis

por jpt, em 05.05.14

 

 

É agora tão raro, isto de amigos aparecerem à porta, sem aviso prévio, coisa do cinzentismo da idade ou da decrepitude protocolar. Apareceram ontem, acabamos a bebericar ao fim da tarde, depois um atamancado jantar, restos mesclados, uma modesta garrafa de vinho tinto (Cepa Alentejana, 275 meticais, apenas bebível), algumas Manicas. Se parco o jantar farta foi a conversa, de cardápio enciclopédico, tamanha a sua variedade.

 

No meio daquilo o mais-velho, patrício, aflora o seu serviço militar. Histórias de tropa, como todos nós que a fizemos (a minha santa, e bem mais tardia, apenas uma chatice pegada). A dele ali nos inícios de 1970s, num quartel, subordinado ao então jovem tenente Salqueiro Maia. Más memórias, coisas feias, em contramão, total, ao panegírico que lhe foi feito, e tardiamente - esse que surgiu após Otelo ter feito tanta merda que tornou orfãos os heroífilos. Enfim, "fascistas" chamar-nos-ão os construtores de mitos.

 

A cada um a sua vontade de (não) ler a história.

publicado às 00:12

Reescrever a história

por jpt, em 22.04.14

 

 

Recebo por correio electrónico o que já vi nas redes sociais. Um texto "ir à Assembleia comemorar o quê, 40 anos depois?", escrito por Carlos Matos Gomes, militar também escritor, autor entre outros livros do conhecido "Nó Cego", sobre a sempre aqui recordada Operação Nó Górdio, um dos últimos espasmos militares portugueses na guerra colonial.

 

Ao ler um texto destes fico arrepiado, não por alguém o escrever, que há gente para tudo, mas pela sua difusão (e que amigos mo enviem, embrulhado em exclamativos elogiosos, como se concordando). Aos meus, que ecoam isto (e aplaudem), posso lembrar aqueles 3 "d"s de que se falou há quarenta anos: a "d"escolonização (que aconteceu - e não é aqui que vou discutir a semântica do termo); o "d"esenvolvimento (cuja essência é a incompletude e a realidade a sua não linearidade, factores que não podem apagar o quanto Portugal mudou); a "d"emocracia (aquele cinzento sistema, sempre imperfeito, mas que existe). É isso que me apetece dizer, repito, aos "meus" que se deliciam com as atoardas que julgam conjunturalmente úteis, como se estas sejam panaceias para a azia.

 

Para o "militar de Abril" escritor, que assim vergonhosamente bota, seria bom que alguém lhe dissesse "estamos a comemorar a paz, pá", a ver se se lhe aclara a tão selectiva memória. Apenas mais um a reescrever a história, julgando tal útil para o dia de hoje. Um negrume sublinhado por provir de quem tanto veio a escrever sobre a tola guerra.

 

publicado às 11:44

O "bom" "povo" português

por jpt, em 17.04.14

 (Comício do Partido Socialista na "Fonte Luminosa" em Lisboa, Julho de 1975: o não-povo de Raquel Varela na rua)

 

Bloguista em pousio Paulo Pinto Magalhães divulga uma crítica de António Araújo ao livro da historiadora Raquel Varela, "História do Povo na Revolução Portuguesa, 1974-75". O texto está no blog do crítico (e em versão mais reduzida no jornal "Público"). Raquel Varela é uma estrela em ascensão no seio dos comunismos portugueses e também, porque por ora conjunturalmente útil, na social-democracia de esquerda. Conheci isso há alguns meses aquando de uma sua desaustinada participação num programa televisivo sobre o "empreendedorismo" (e aludi ao quão descabelada fica a sua imagem, comparando-a com a visão sobre essa matéria tida por um homem com a densidade intelectual e o percurso de cidadania como teve Mário Murteira). Então a truculência de Varela correu a internet portuguesa, colhendo apoios múltiplos, demonstrando que tudo o que se opõe ao actual governo é recolhido como um "must", como se mosto de futuro desejado, mesmo que afinal mero vinagre.

 

Convém ir ler a crítica agora feita. Dois pontos logo me saltaram à vista:

 

a) a forma como a autora delimita ideologicamente o que é o "povo" (um conceito moral, positivo, que na prática [não sei se no livro está explícito mas aposto que não estará] é apenas o velho classe-em-si vs classe-para-si), e como dele expele tudo o que não corresponde ao seu (dela) ideário político revolucionário. Lembrando-me um antigo postal que aqui meti

  

 

Trata-se de um excerto do "Cenas da Luta de Classes em Portugal" de Robert Kramer. A recordar o cerco à Assembleia (Constituinte, então), em 12 e 13 de Novembro de 1975, feito fundamentalmente pelos operários de construção civil. Como notei no postal de então o pequeno trecho de filme tem vários interesses, sendo um dos quais a expressão em viva-voz, nos manifestantes de rua, da delimitação ideológica (e pragmática) do que é o "povo", do que é a "entidade positiva". Como escrevi então (e é mais perceptível para quem tenha paciência para ver o pequeno trecho):

 

"Tem interesse, também pelos sotaques audíveis (que vão desaparecendo). Mas também pelos tons da época, o ódio de um dos locutores (veja-se a partir dos 3.53). Mas o mais interessante nestes pequenos 5 minutos é o facto de apresentar, em versão voz popular, o busílis das reclamações do poder por via das demonstrações de rua. "Isto é povo", é a palavra de ordem incessantemente repetida, a reclamação de que aquela parte é a totalidade (que se casava então com a reclamação da unicidade, coisa da história). O "povo", entidade básica do poder está ali, tudo isso lhe dá a legitimidade. Depois tudo se explica assim. Um manifestante mais radical diz (4.00) "Povo é isto ... Povo é os que trabalham ..." e ao seu lado um outro, talvez confuso, talvez menos doutrinado, complementa "Povo é toda a população portuguesa ..." para imediatamente ser interrompido pelo anterior (4.07) "Qual toda! A população reaccionária não é povo ...".

 

É exactamente, sem mudar uma vírgula, o que Varela, quarenta anos depois e na calma da skholè, pensa. Não pode deixar de surpreender o acolhimento que isto continua a ter, paradoxal mesmo face ao que as pessoas que a aplaudem, realmente pensam e ... praticam. Mesmo que de quando em vez partam para manifestações "indignadas".

 

b) Também espantosa (em discurso de historiadora) a forma como agrega os "retornados" a um não-povo (parte que apenas é referida no texto crítico no blog), "ressaibiado" e "cúmplice da Pide", como tal expulso previamente a qualquer análise, a uma componente positiva da sociedade portuguesa. Lembra-me outro postal antigo meu, feito a propósito de uma polémica sobre um livro brotado do racismo de esquerda português. 

 

Então também deixei algo de que me lembro agora ao ver os tratos de polé que a historiadora dedica à complexidade da sociedade colonial portuguesa. Cito um excerto porque o postal é longo (quem quiser aceder à totalidade bastará clicar):

 

"A construção da memória colonial passou por um discurso explícito à época das independências (e implícito desde então). O qual por um lado denota e por um outro lado procura instalar uma dupla fractura na sociedade portuguesa ...

 

A primeira é topológica: sectores ideologicamente mais ligados ao momento colonial purificam esse passado, reproduzindo o mito do "bom colono" até à exaustão, assentes numa bondosa visão ontológica ou culturalista do "português" (ainda que esta concepção resvale transversalmente - e surpreendentemente? - na sociedade portuguesa, veja-se o influente tardolusotropicalismo de Boaventura Sousa Santos).  

 

[E] um movimento inverso, o da sua demonização generalizada, a imagem do "explorador dos pretos". Essa aversão terá sido causada pela noção social dos custos da guerra e, também, pela muda mágoa da derrota. Nessa invectiva o colonialismo, suas causas e benefícios, foi remetido para a "sociedade colona" e para os reduzidos estratos possidentes (grupos económicos nacionais, na sua maioria também então expropriados via nacionalização, donde culpabilizados).

 

Deste modo o colonialismo foi extirpado da sociedade metropolitana. Trata-se de uma higienização, homogeneizadora e auto-mitificadora, que a apresenta como martirizada pelo fascismo (e pelo próprio colonialismo). Assim o carácter estruturalmente colonial da socioeconomia portuguesa foi torneado. Essa amputação benéfica, até moralizante, traduziu-se na criação de um "Outro" (pouco)interno, o colono. Esta aversão foi e é produzida e reproduzida pelos sectores mais adversos ao Estado Novo colonial, que desse modo simbolizavam e balizavam a sua recusa do passado. Até hoje.

 

Falar dessas memórias tem sido desde esse tempo  não tanto falar do passado recente colonial mas, e fundamentalmente, traçar uma topologia de discursos sobre o Portugal actual. Utilizando a história (quasi-alheia) para nos situarmos "neste" ou "naquele" lado. Quase sempre encastrados na areia.

 

Os discursos sobre o passado colonial (...) levantam reacções acaloradas e adesões inesperadas. Não tanto por uma súbita curiosidade historiográfica, mas porque (ainda!) são motrizes de auto-posicionamentos individuais e colectivos no espectro político. E, porque assim a história surge como mero objecto para manipulação actual, nisso se vai coisificando o passado colonial e, por maioria de razão, coisificando os seus interagentes sociais: os colonos e os colonizados, nas suas multiplicidades contextuais.

 

Mas para além dessa fractura "sistémica" entre o Portugal vítima e o Portugal colono, houve a proposta de uma segunda fractura, sociológica, a identificar. Nesse caminho, nesse "luto colonial" como Alfredo Margarido chamou ao silêncio português sobre África, sublinhou-se uma noção implícita e indita, a da excentricidade da população colona.

 

Por um lado através da afirmação da sua "sobreportugalidade", por parte das vozes mais saudosas da "gesta nacional", considerando-a gente sobrecapaz, agente de grandes feitos, uma imagem que convive (paradoxalmente?) com discursos que afirmam a mediocridade do povo português residente, um contexto político-discursivo que tantas vezes baseia nesse elitismo a sua inimizade à efectiva democraticidade do país.

 

E, por outro lado, pela afirmação a da sua "importugalidade", a da sua bestialização exploratória, ao invés das mais pacíficas (solidárias e exploradas) populações metropolitanas e/ou então imigradas para o mundo industrializado. (...)

 

Essa excentricidade, esse verdadeiro "expatriamento" dos colonos enquanto tal, funcionou e funciona como uma des-identificação. O ónus da "sobreportugalidade" da população colona não é suportável, pela sua evidente inexistência, pela confrontação (esmagadora) que provoca às biografias. E o estigma da "bestialização" (...) é mecanismo de mitificação do passado, sobredimensionando as reacções às construções históricas, sejam elas positivas ou negativas.

 

Nesse sentido o mundo português colonial (pela sua mitificação, positiva ou negativa, pela santificação ou pela demonização, pela sua sobreportugalidade ou pela sua importugalidade) é expelido de Portugal, e o Outro Colonial é reificado. E esses processos funcionam através da mesma metodologia, assentam em generalizações, produtoras e reprodutoras de desconhecimento histórico. Similitudes que cruzam aparentes divergências ideológicas."

 

Não há, realmente, nada de novo sob este sol. Nem na academia "orgânica" ("indignista" hoje, comunista sempre). Nem na fúria "laicadora" dos "indignistas" de agora, tantos deles clientes sossegados do ontem, saudosos do amanhã.

publicado às 10:38

Sentido! (aliás, silêncio)

por jpt, em 11.04.14

 (Fanfarra da Armada, 1952, imagem da Revista da Armada)

 

(Em Portugal os militares que fizeram o 25 de Abril exigem a palavra nas comemorações parlamentares das quatro décadas de democracia. Têm, decerto, algum recado para a assembleia eleita. E querem-no dar no sítio dos eleitos).

 

Em 1926, do porquê cada um diz da sua justiça, e na continuidade de um hábito de "pronunciamentos" militares, mais uma vez a tropa se levantou, em Braga, contra o governo do momento. Vontade antiparlamentar e antidemocrática, diz-se, mas também decerto contra o caótico "estado das coisas" de então. Daí em diante, mas mais raro do que na I república, alguns oficiais tentavam "pronunciar-se" mas com insucesso. Durante 48 anos foi assim: primeiro a austeridade regeneradora, o Acto Colonial, Deus Pátria e Autoridade, e Fátima cada vez maior, os melhores das massas para África, alguns deles, dezenas, irreverentes, para morrer em Cabo Verde, a açorda e a bolota para o resto do povoléu. A "neutralidade" diante de Franco e outros, com distinções corporativas entre germanófilos (alguns até excursionistas à frente leste) e anglófilos (meio barrados nas futuras carreiras). Durante 48 anos foi assim, as hesitações diante do fim da guerra mundial, alguns em torno do capitão de áfrica Norton de Matos, algum apreço pelo generalíssimo Delgado. Mas sempre o apoio, estrutural, ao regime, militares e para-militares escorando a anacrónica ditadura. Embarcando e escoltando os tardios colonos aos milhares, arregimentando os mancebos do povo, a este colocando em sentido. Depois percorrendo as áfricas várias, com competência guerreira, verdadeira, em guerras estúpidas, injustas e injustificáveis.

 

Décadas passaram, a vez aos mais jovens, filhos da pequena-burguesia, entrados nas academias militares nos 50s e 60s, voluntários formados para manter aquilo. Mantendo aquilo, reforçando aquilo, ressuscitando aquilo. Um dia foram-lhes aos privilégios, de classe, de carreira. Estavam cansados, cansados, exaustos, de anos de guerra, repararam então. Movimentaram-se. Finalmente, décadas depois, encontrando, como é óbvio, um cadáver no lugar do regime, cadáver adiado pela sua radical cumplicidade. Que não era tal, mas apenas desconhecimento, vieram a dizer, reclamando-se enganados ao longo das vidas e da história, como se estupores fossem. Desestuporados um dia? no verão de 1973?, mas apenas quando a sua carreira se abriu aos "chicos", aos filhos do "povo".

 

Movimentaram-se as Forças Armadas. O "povo", meio adormecido, também naturalmente temeroso das repressões, aproveitou as fardas e armas e ombreou. Pelo fim daquela tralha. Festas, homenagens, e ei-los graduados em "gloriosos". Depois mais uma década de tutela, sobre esse povo e seus eleitos. Porque aos militares cumpre "pronunciarem-se" sobre os rumos desse povo, mancebos (e agora mancebas), reservistas e antigos combatentes. Perfilados ou a perfilar. E assim se apagou diante de todos a estrutural articulação com o Estado Novo. Pelo menos 30 anos de salazarentismo a mais. Mais aquilo do ultramar, pasto de glórias e feitos.

 

Pronunciaram-se há quarenta anos? Veio a democracia? Mais do que tudo, veio a paz (essa de que ninguém fala quando comemorando, pois tudo se coliga para apagar os nacos mais fedorentos da história)? Veio o fim do tolo "império"? Muito obrigado. De seguida, que lhes fazer? Regresso ao quartel. Um ou outro busto na freguesia de origem.

 

Mas querem ainda, agora, amanhã, falar, exigem pronunciar-se sobre o rumo do "povo", na assembleia do "povo"? Voltemos à "primeira forma": sentido (silêncio)! A gente não lhes recorda o garbo de cadete, a fidelidade de jovem oficial, as campanhas de África (que não eram estupores, eram oficiais formados), o respeitinho de caserna sobrevoando o pobre país. A gente esquece, di-los "oficiais de Abril". E concorda em esquecer que eram oficiais em Janeiro. Orgulhosos. A gente esquece tudo isso. E, em troca, eles calam-se. E o bonito mito continuará, para os cromos da pequenada (que já não existem), para os jogos electrónicos da pequenada, para os manuais da história do 7º ano da pequenada.

 

Insistem em falar? Então convirá dizer-lhes, e à pequenada. O regime eram eles, também eles. Os gloriosos (se é que há glória humana) eram outros. Os milicianos convocados para lhes obedecer (e substituir) na puta da guerra. A soldadesca arregimentada. Os tipos da geração dos meus irmãos que se baldaram para o estrangeiro, dando "glória" à palavra desertor. As nossas mães e avós (algumas também deles). O "povo" sem férias nem salário mínimo nem escola, nem divórcio (já agora), baldando-se para o estrangeiro sem ser em low cost e skype à mão de semear. Os tipos do Manuel da Fonseca e os do Nuno Bragança. O meu pai, a chorar de comoção, de liberdade, ao regressar a casa no 28 de Abril.

 

Desrespeito os militares? Nada disso. Muito os respeito, os do meu país democrático. Sem pronunciamentos. E também muito respeito os anteriores, homens de qualidades. Másculas, como se dizia antes, quando disso não havia vergonha. Respeito tanto que nunca os penso estupores. Por isso os sei assim: trabalharam para um regime que os desrecompensou. Cansaram-se e acabaram com ele. Agora? "Siga a Marinha", mas sem pronunciamentos.

 

É a minha exigência. Que eles se calem. Para que eu possa contar a "história da carochinha" à minha filha.

publicado às 10:05

No centenário da I Guerra Mundial

por jpt, em 13.02.14

[Embarque de tropas portuguesas para Angola]

 

Neste ano centenário do início da I Guerra Mundial surge o blog dedicado Portugal e a I Guerra Mundial, um blog dedicado feito por João Cruz. Interessante e rico, de informação, de imagens e filmes, de referências a documentação bibliográfica portuguesa e internacional. Mais do que aconselhável.

 

Na apresentação do blog o seu autor diz: "Todas as guerras são estúpidas. Mas há, certamente, umas mais estúpidas do que outras. A I Guerra Mundial foi particularmente estúpida. ( ...) tem a particularidade de juntar a escala gigantesca de morticínio a um elevado nível de incompetência, crueldade, sofrimento, teimosia e inconsequência."

 

Entretanto João Cruz reproduziu (e nisso me deu a conhecer o seu belo blog) um velho texto meu sobre um livro que muito recomendo. Trata-se de "Kinani (Quem Vive?). Crónicas da Guerra no Norte de Moçambique, de Cardoso Mirão.", as memórias de um combatente português naquela esquecida frente da Grande Guerra.

publicado às 03:21


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