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A Ilha em Lisboa

por jpt, em 03.05.15

mvf ilha.jpeg

 (Ilha de Moçambique, fotografia de Miguel Valle de Figueiredo)

 

Anda um homem alquebrado, como se de colarinho apertado se tratasse. Convidam-no para jantar em casa amiga, lá residente casal companheiro de há décadas. Come bem e também bebe, conversa pelo menos tão bem. Afaga-se nisso. No fim trazem-lhe esta fotografia, a foto que é a "minha" Ilha de Moçambique pensei e senti logo quando a vi, há alguns anos. E dão-lha. O homem desalquebra-se, comovido.

 

Saí lá de casa alcandorado. Pronto a encontrar aquela luz, lá no fundo, nada exagerada como nunca o é o horizonte. 

 

publicado às 12:06

A Ilha de JPT

por mvf, em 04.09.14

 

Bem sei que esta postada pode soar a lamechice mas o José Pimentel Teixeira vai sair de Moçambique para voltar à velha Europa e todos os afagos são poucos.

 

 

Sei, todos sabemos, do seu profundo carinho pela Ilha de Moçambique - não é exclusivo da Ilha pois JPT, o meu amigo Zezé, estende uma enorme estima ao país que o acolheu durante quase duas décadas. Sei também de uma particular ligação que JPT tem à Capela de Nossa Senhora do Baluarte (na Fortaleza de São Sebastião) e enquanto não lhe dou um abraço de boa chegada na sua passagem pela gasta pátria a caminho de outra paragem, aqui deixo uma série de fotografias da Senhora do Baluarte, essa capela extrema como bem disse Rui Knopfli, que fiz aquando duma tão breve quanto intensa estada naquela ilha encantada.Poderiam ser mais imagens, outras imagens, mas afago é uma coisa e mimo a mais estraga. Ficam estas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                    

 

 

 

 

 

Saudades da Ilha terás muito mais que eu e para as mitigar talvez possas vir ver isto de vez em quando. 

Bons ventos pá!

 

Pi

publicado às 00:48
modificado por jpt às 15:08

Estante austral (1)

por jpt, em 06.08.14

No jornal "Canal de Moçambique" comecei uma nova série, a "Estante Austral", composta por pequenas notas de leitura sobre livros relativos a Moçambique. Esta é a primeira.

 

 

 

Estante Austral (1)

“Canal de Moçambique”, edição de 6/8/2014

 

“Ilha de Moçambique. Contribuição para um perfil sanitário, 1983”

 

Um livro extraordinário – e também no sentido literal do termo -recentemente chegado às livrarias. E também às bibliotecas, pois foi distribuído gratuitamente pela rede de leitura pública por desejo dos autores. Trata-se de “Ilha de Moçambique. Contribuição para um perfil sanitário, 1983” (Porto, Húmus, 2011), um trabalho já com trinta anos, então coordenado por João Schwalbach e Maria Cecilia Maza, e que agora surgem responsáveis pela publicação.

 

 

A obra é um verdadeiro luxo, que me parece ter passado um pouco ao lado da atenção geral, talvez pela temática especializada. Em si mesma, como objecto, é um manancial único de informações sobre o estado da saúde pública de então no seio da população da Ilha de Moçambique. Tão completa que a monografia sanitária assume contornos de uma verdadeira etnografia, se quisermos assim falar. Vasta (com anexos documentais e fotográficos inclui 334 páginas de grande dimensão) e coerentemente pormenorizada, assim deixando todas as pistas para posterior comprovação, avaliação e comparação, como mandam os ensinamentos da honestidade analítica. Na sua competência poderá ser entendida como um manual metodológico, assim útil a outras profissões, despertas para outras áreas do saber.

 

(Continua aqui, com o texto completo)

 

Nota: como os textos ficam um pouco longos in-blog remeto-os para outro suporte (a minha conta na Academia), assim ficando disponíveis para quem neles esteja interessado. Já agora no mesmo local juntei uma série de notas de leitura (não são recensões) sobre livros que, de alguma forma, me tenham desperto interesse profissional - mesmo que possam parecer excêntricos nesse âmbito.

publicado às 20:00

 (Escola Portuguesa de Moçambique, recanto das placas celebratórias de visitas oficiais do governo português. Foto de 2009)

 

Sobre a "cooperação" como área de política externa, já aqui escrevi. Uma área na qual trabalhei alguns anos. Esta semana houve em Lisboa o seminário "os clusters da cooperação portuguesa". Gostava de ter assistido. Até porque um desses "clusters" (e é sintomático que as instituições estatais não consigam falar a própria língua ...) é na Ilha de Moçambique. Uma opção ocorrida em meados da década passada. E sobre a qual na época pude, informalmente, opinar. Dizendo apenas o que era óbvio, mas que não aparecia assim aos decisores. Estas coisas já aconteceram há muito tempo, já são passado, e um tipo aos (agora) cinquenta anos pode falar disso de modo desprendido (até porque com esta idade já não se vai "a lado nenhum", não se pode ser interpretado como "estratega"). E também porque a maioria dos funcionários já não estão nos lugares, mudaram ou reformaram-se. Por isso teclo as minhas memórias.

 

A opção por sediar na Ilha de Moçambique um núcleo importante da cooperação portuguesa surgia-me como um erro político. Tanto para o aqui, pela leitura política que isso provocava e pelo irreprodutivo que o projecto seria; como para o lá, alimentando a manutenção do húmus colonial [o que é diverso de colonialista] do pensar português sobre África - sobre este, para quem tenha interesse tenho este texto "Olhar em África".

 

Antevia também um falhanço prático, face às dificuldades locais (que abordei num texto longo mas não académico) e à incapacidade humana e logística das instituições estatais civis portuguesas. Antevisão/certeza que vim a explicitar anos mais tarde no postal mais pérfido de dez anos de ma-schamba: este, anunciando a conclusão óbvia de tal projecto.

 

Ainda assim, antes do arranque do projecto, vim a ser sondado - apenas sondado - para ser o seu "coordenador". Os tempos corriam-me difíceis e, engolindo a (falida) arrogância, não me neguei. Anos antes, com algumas poupanças de lado, permitira-me uma maior dignidade. No início de 2000, quinze dias depois de ter sido dispensado de adido cultural aqui, fui convidado para ser "coordenador-adjunto" da cooperação portuguesa em Timor. Era uma saída em grande! Mas eu passara os últimos anos a sofrer a clique "gâmica", um universo execrável, cultural e eticamente. E respondi, cheio de "panache", "não posso! Por causa dos meus avós ... Se volto a trabalhar para vocês (socialistas, entenda-se) eles levantam-se das tumbas e vêm atrás de mim". E vim-me embora da esplanada do Polana. Não foi, claro, uma boa decisão estratégica. Mas ainda agora, quinze anos depois, sorrio ao escrever isto. Ainda bem que foi assim.

 

Mas os anos tinham passado, eu ficara aflito (aqueles dias em que me apanham a fumar Pall Mall/Palmar), não pude dizer que não. Lá disse as minhas condições, sabendo que eram quase inaceitáveis - pois eram as condições de um tipo que conhece o terreno. E nunca acreditei que aquilo fosse avante. Pois um dia, quando simples professor cooperante, escrevera uma longa jeremíada sobre a cooperação, e em particular sobre a tralha humana que habita(va) nas instituições a que ela se dedica (os "funcionários públicos" do "estado social", sempre reclamados como vítimas mas núcleo sociológico onde reside o pior do "português suave"). E quando me acabara o contrato escrevera ao insigne presidente da cooperação dizendo-lhe o que pensava dos tristes serviços que ele presidia. [as últimas páginas deste texto]. E realmente nunca mais ouvi falar do assunto.

 

Lembro-me de tudo isto ao ler do tal seminário, apresentando resultados da "avaliação" (positiva, decerto) destes "clusters". E lembro-me também da sucessão de "primeiras-pedras" na construção da Escola Portuguesa de Moçambique, que acompanhei por deveres de ofício. E da foto com que ilustro este texto, o recanto das (imensas) placas assinalando a visita de uma qualquer "sua excelência" governativa à escola. Explicitando, de modo abrasivo, e ainda por cima transmitindo às novas gerações, este culto tão português, o das "primeiras-pedras" e "placas comemorativas". Legado, porventura, do paganismo celtibero.

 

Quanto ao dito "cluster"? Uma ou outra primeira-pedra, algumas placas. Decerto que algumas benesses caritativas, sempre bem-vindas. O tempo vais passando. Nós reformamo-nos, morremos. A cooperação deixará de o ser. Para quê falar disso?

publicado às 10:40

Ilha de Moçambique

por jpt, em 24.02.14

[Ilha de Moçambique, fotografia de Miguel Valle de Figueiredo (visível entre várias outras aqui)]

 

Há alguns anos escrevi um texto sobre as actividades de desenvolvimento e de preservação patrimonial na Ilha de Moçambique, uma espécie de catarse. Ainda que não fosse em registo blog coloquei-o então no ma-schamba, à falta de melhor local para o partilhar. Passados alguns anos reescrevi-o em versão que pensei "mais composta". E deixei-o na "gaveta", que é o nome que se dava antes aos "files" dos computadores.

 

Agora, há dias, tive uma breve conversa sobre o "estado da arte" na Ilha de Moçambique, ouvindo sobre o como decorre a situação. E lembrei-me do tal texto, e da sua reescrita. Vale o que vale, mas decidi partilhá-lo. Fica na minha conta da rede Academia.edu, onde, devagarinho, tenho posto alguns textos.

 

Este, para os que se possam interessar, ficou aqui: “Ilha de Moçambique”: questões sobre o seu desenvolvimento como sítio patrimonial.

publicado às 10:13

Ilha de Moçambique

por jpt, em 12.12.12

 

Um texto meu sobre a Ilha de Moçambique, que não é em registo de blog. Chama-se "Conteúdos comunitários na área da Ilha de Moçambique face a projectos de desenvolvimento". Para quem possa ter interesse acabo de o carregar na minha conta na rede social Academia.

 

jpt

publicado às 17:32

Fé Sportinguista (2)

por jpt, em 06.01.12

O Sporting da Ilha de Moçambique e Ser Sócia, dois pequenos apontamentos que acabo de deixar no És a Nossa Fé!.

jpt

publicado às 02:16

A última edição da Africultures publica uma série fotográfica de autoria de Veró Martin dedicada à Ilha de Moçambique. É visitável aqui (infelizmente não se podem reproduzir fotografias, o que hoje em dia é um contra-senso. Para proteger os direitos bastaria baixar as definições, mas enfim ...). São 25, preto-e-branco. Recomendo a visita, ainda que algumas caiam na eterna temática das criancinhas, etc e tal, mas com tratamento formal algo diverso do habitual. O olhar é saudável, de quem percebe o que está a fazer mas também no que está a fazer. Recomendo, vivamente, a mulher com msiro (fotografia 4).

Para acabar de vez com o estereótipo, que já não há paciência para fotógrafos moçambicanos e estrangeiros absorvidos pela "beleza macua" (versão moderna da "moira encantada") engalanada com a máscara de msiro. Façam, por favor, como esta fotógrafa francesa: abram os olhos.

jpt

publicado às 08:18

Escreve-me o MVF qualquer coisa "hé pá, esperava que escrevesses algo sobre a Ilha". Assim para enquadrar as fotos, informar algo a hipotéticos interessados. Explico-me, já me expliquei. Sou contrário a legendar fotografias quando estas o são, verdadeiramente. Não precisam de palavras - e para não entrar em trocadilhos fácis ("uma imagem vale por mil palavras") também acho que há muito texto que não precisa de imagens. Cada coisa no seu galho, cada coisa no seu postal. As fotografias do MVF não precisam de ilustrações em forma de texto - falo aqui, num objecto livro é óbvio que será diferente, o meio é diferente, o objectivo é diferente.

Mas porque o MVF diz algo, e faz-me o favor de apelar ao que sinto sobre a Ilha, faço uma adenda à sua Ilha de Moçambique, não me nego por assim dizer. E para isso selecciono esta sua fotografia. É essa a minha Ilha.

Por detrás da aparente ruína lá está o pano, garrido, lavado, a secar ao sol. Não é um pano maravilhoso, é frágil, barato. Tem uso quotidiano, nada mágico ou místico. É a vida, pequena como sempre. Para mim é o que tantos dos "vientes" (como os de fora são chamados na Ilha) incompreendem. A Ilha não está em ruína mas sim parte da pedra-e-cal, essa que ao longo da história sempre conheceu períodos assim (já me zanguei aqui no blog quando me puseram um gemido excêntrico, daqueles tipo "olhem como aquilo está", típico do português "lusófono" que percorre o mundo lamentando que o mundo não seja como pensa que foi). De resto nunca teve tanta população, nunca esteve tão habitada, nunca foi tão percorrida e atractiva para os vizinhos.

Os habitantes locais, e os vizinhos de curta distância, não a pensam segundo as perspectivas da UNESCO, PNUD, da indústria do desenvolvimento, dos "parceiros inteligentes"? Não. Não são sensíveis às concepções do "património"? Não. Nada que me agrade, pois muito há que me choca. Mas choca-me ainda mais a sistemática afirmação de que "não se pensa a Ilha", "não se actua na Ilha". A incompreender o real.

Sobre a Ilha de Moçambique está o ma-schamba cheio de textos, na coluna da direita de "categorias" (organizadas alfabeticamente) os interessados poderão consultar a "Ilha de Moçambique" com 147 entradas, na sua maioria da minha autoria (e com muitas fotografias, cuja pungente qualidade me faz agora envergonhar). Também por lá andei com a nossa AL e disso há ecos. Mas algo que sirva para o que o MVF propõe, uma ideia minha sobre a Ilha de Moçambique, assim disponibilizada para os eventuais interessados, a propósito das suas fotografias?

Lamento mas não tenho nada melhor, nem menor do que dois textos longos que há anos aqui deixei. Ficam assim as ligações para Notas Sobre a Ilha de Moçambique (I) e Notas Sobre a Ilha de Moçambique (II). Não constituem o que o MVF esperaria ver acompanhar o seu painel. Mas aqui ficam, destinados aos hipotéticos interessados que tenham paciência para os ler, assim em forma de abraço ao MVF.

jpt

publicado às 22:32

~

 

Será amanhã, 14 de Novembro, 18.30 h. na biblioteca da Assembleia da República, em Lisboa. O lançamento de Património Mundial de Origem Portuguesa, o livro do nosso MVF (fotografias) e de Elísio Summavielle e João Corrêa Nunes (textos). Aqui fica o desafio aos leitores do ma-schamba que estão naquelas proximidades, ecoando o meu pesar pela distância que me impede de partilhar o momento: vão lá, afrontem o Outono e o maldito trânsito lisboeta. Sim, é na Assembleia de República, o que dá um ar solene, "coisa só para convidados" e isso. Mas a AR é a casa do povo, é nestes momentos que deve ser "tomada de assalto", não numa qualquer "acampada" nas "escadaria de São Bento". Por isso mesmo apresentem-se, não "ao serviço" mas sim à fruição, para partilhar o lançamento do bloco, um edifício cuidado de 290 páginas e 207 fotografias.

 

Em momento de crise radical é uma aventura, a merecer o nosso respeito. Para mais quando olha, descomplexadamente, para a história e para a cultura. Sem entender esta últimas, como alguns paradigmas de agora, como um património exportável, económico, a render lucros. Mas sim como fertilizante de reflexões. E de degustações.

 

 

Para anunciar o lançamento, em jeito de festa pré-festa o MVF mandou-me estes apetecíveis nacos da sua Ilha de Moçambique, fotografada no início de 2011, em viagem de preparação deste livro. Sem mais deixo-vos aqui a reprodução dessas imagens, sempre lembrando que foram bastante reduzidas na sua definição, o que as torna meras sugestões daquilo que encontrarão publicadas. As últimas quatro fotografias são as que estão no livro, as anteriores não couberam na selecção final. Muitas outras há nessa condição. Algumas dessas estão prometidas, e aqui serão estendidas.

 

 

De seguida as incluídas no livro:

 

 

jpt

publicado às 19:28

[Miguel Valle de Figueiredo, "Ilha de Moçambique, Santo António]

 

Já aqui apresentámos o Património Mundial de Origem Portuguesa, as tais 290 páginas e 207 fotografias em livro do nosso MVF com textos de Elísio Summavielle e João Corrêa Nunes. Para além disso o MVF até já mostrou fotografias que não ficaram na selecção final. E enquanto ele não nos brinda com mais da sua "selecção B", cabe já anunciar o lançamento do livro

 

 

Em Lisboa, no próximo 14 de Novembro, na Assembleia da República. Dada a cidade e o local duvido que haja chamussas. Mas haverá o livro (e o

autor MVF, que nesse dia com toda a certeza intervalará o seu já lendário mau-feitio, dia pois de o ir abraçar).

 

jpt

publicado às 01:29

Júlio Resende em Moçambique

por jpt, em 23.09.11

 

Na morte de Júlio Resende lembrei-me da sua passagem por Moçambique - e que já referi numa breve e velha entrada (Maio 2004) -, no já longínquo 1999. Foram momentos deliciosos. A ideia partiu do Paulo Dentinho, então correspondente da RTP em Maputo, e que no meio da azáfama profissional em que andava arranjou tempo para tudo organizar. E assim aqui aportaram sete artistas da Lugar do Desenho/Fundação Júlio Resende: Armando Alves, Francisco Laranjo, Júlio Resende, Manuel Casal Aguiar, Marta Resende, Victor Costa e Zulmiro de Carvalho. Vieram apresentar uma colectiva, esta "Desenho Como Dizer" no Instituto Camões de Maputo. Na altura (tal como hoje) não era nada hábito receber aqui uma comitiva artística daquele quilate e entre os interessados houve grande interesse, diria até "frisson".

 

 

 

 [Júlio Resende, "Figura", Exposição Desenho como Dizer, 1999]

 

(Zulmiro de Carvalho, "Sulcos" (1999); 70x50 cm; Argila c/ resina acrílica [Exposição Desenho como Dizer, 1999])

Assim sendo claro foi que me apresentei à "vernissage". A qual foi um momento encantador - anos passados posso mesmo recordar todo o entusiasmo, sereno, que a acção provocara e como ele implicou essa alegria. Recordo também que o ministro da Cultura moçambicano esteve presente - não o recordo para sublinhar a importância artística, os artistas não são engrandecidos pelos políticos. Mas porque sempre me lembro das suas palavras de então, e tantas vezes as cito, também por isso foi dia importante. Mateus Kathupa, homem muito fino, estava agradado, era notório. E discursou de modo significante, assim ultrapassando as habituais palavras protocolares deste tipo de situações. Muito bem acolhendo os artistas afirmou que nós, portugueses e moçambicanos, não somos irmãos, somos cunhados. Vindo de quem vinha, um homem do norte de Moçambique, onde as formas tradicionais de habitação implicam que os homens em casando vão habitar na casa/território dos seus sogros e cunhados, isto era uma declaração espessa, simbolizando uma grande hospitalidade mas também de grande significado político (e naquele 1999 ainda mais o era, convulsos viriam a ser os tempos imediatamente subsequentes). Armado dos meus galões de antropólogo passei a noite a explicar aos meus patrícios, até surpresos, a dimensão do que Kathupa afirmara.

 

 

Mas o objectivo da viagem não era apenas realizar a exposição de Maputo. O cerne era mesmo partir para a Ilha e aí trabalhar, observar e preparar trabalhos a ela dedicados - os quais vieram resultar na exposição colectiva "Viagem - Ilha de Moçambique", com a qual se veio a realizar uma itinerância internacional em 2004 (não sei se o Paulo Dentinho chegou a acompanhar tamanha acção, eu apenas a posteriori o soube).

 

[Armando Alves, "Ilha de Moçambique, 2003" - Acrílico sobre tela, 45X118 cm]

 

Os motivos da viagem seriam vários: a atracção da Ilha, sempre presente no imaginário comum; o facto dela ter sido poucos anos antes declarada Património Mundial pela UNESCO, o que a fazia presença comum nos discursos e nas ambições estéticas; e também terá sido importante o facto de Armando Alves ter, anos antes, realizado um célebre trabalho para a Gulbenkian sobre a Ilha de Moçambique, o qual desde então ficou um ícone da Ilha, e ao qual ele, de certa forma, regressou nesta sua nova incursão.

 

Preparada estava a deslocação do grupo (cerca de 15 pessoas) à Ilha. Naquela época as comunicações eram piores, as estradas não tão boas, as acomodações locais escassas, tal como os transportes na província, já para não falar nos serviços de saúde. E para além da dezena e meia de viajantes, nenhum deles despiciendo, Júlio Resende, o "mestre" como todos, carinhosa e respeitosamente, o tratavam, era já octogenário. Tudo isso causava preocupações ao diligente Paulo Dentinho.

 

[Francisco Laranjo, "Água e Claro - Escuro I", 2003, Tinta da China s/papel s/alumínio, 200X150 cm]

 

Em conversa foi referindo isso, tipo invocando os espíritos para que tudo corresse bem. Nada como umas conversas longas, e nessas decidimos que eu avançaria também, conhecedor que era da Ilha, e de algumas pessoas de lá, inclusivamente do então elenco municipal. Só "para o que desse e viesse", como quem não quer a coisa. E assim acordámos em fazer aquilo como se tratasse de uma mera coincidência, um encontro de amigos, até para não induzir alguma sombra de preocupação nos viajantes. E deste modo fui, a modos que rectaguarda do Paulo Dentinho e do Rui Assubuji (que o acompanhava como cameraman e companheiro) para quaisquer problemas logísticos que pudessem ocorrer. E na viagem fui acompanhado por algumas amigas, entre as quais a fantástica Okhwiri, que se veio a apaixonar pela Ilha.

 

[Victor Costa, "O Espaço e o Tempo", 2000 - Acrílico s/tela, 170X170 cm]

 

A Ilha é pequena e os conhecimentos comuns facilitaram. Aproveitando quaisquer pretextos, uma ou outra boleia em hora mais solarenga, algum serviço de cicerone, fui-me aproximando do grupo, associando-me a passeios, algumas refeições comuns, a fruir aquelas pessoas, gente bela de olhar límpido ali a sorverem a Ilha, nela encontrando coisas e tons nos quais eu não aprendera a reparar. Nisso, no seio de uma enorme simplicidade dos artistas e seus acompanhantes, uma atitude que tanto casava com o sítio onde estávamos, foram passando os dias - sem que ocorresse algum dos hipotéticos problemas que havíamos temido.

 

Ficaram-me algumas imagens particulares, ecos das quais vim a encontrar anos depois na exposição produzida. Recordo Zulmiro de Carvalho saltando-me do carro "pare! pare! pare! ...", em alvoroço, entusiasmado, como se reconhecesse algo querido, ao deparar-se com uma casa de pau-e-pique mal maticada, se ainda incompleta ou já decadente não lembro, uma dessas que oferecem espantosas texturas aos passantes (e ainda mais profundas quando vistas à luz da fogueira).

 

(Zulmiro de Carvalho, "Muipíti"; 40x30 cm; Fotografia preto e branco [Exposição Viagem. Ilha de Moçambique, 2004])

Mas mais do que tudo lembro Júlio Resende, então com infatigáveis 82 anos. Absorto, como se em apneia, pass(e)ando pela Ilha. Um dia acompanhei-o até ao largo do Hospital onde ele estancou. E, no seu pequeno vulto, acocorou-se sob aquele inclemente sol e deixou-se a esquissar, tempos infindos. Eu, entre o preocupado e o radicalmente espantado, hesitando no que fazer, - "tenho que escrever isto!", pensei -, e acabando por procurar uma sombra onde montei vigia.

[Júlio Resende, "Moçambique" - pastel, 65X50 cm]

 

Alguns meses depois, lá no Porto, e ainda entrando neste ciclo, a Lugar do Desenho acolheu uma colectiva de pintores moçambicanos, uma selecção do Paulo Dentinho: Gemuce, Sitoe, Kheto, Zandamela e Miro, já falecidos os dois últimos, e bem cedo. E que tanto então gostaram. Como me foram ecoando ao longo dos anos.

 

jpt

publicado às 04:54

Parabéns, AL

por jpt, em 06.09.11

[Cabaceira Grande, foto Ana Leão]

 

Um beijo. A ver se nos vemos por aqui, em breve.

 

jpt

publicado às 06:14

Na Ilha de Moçambique

por jpt, em 30.08.11

 

Será que os visitantes deste blog adivinharão quem estará na Ilha de Moçambique em Dezembro próximo?

 

jpt

publicado às 11:11

 

Há já quatro anos (isto voa) aqui deixei o Notas sobre a Ilha de Moçambique (I) e Notas sobre a Ilha de Moçambique (II). Por isso não volto à questão da reabilitação da Ilha, um campo minado por equívocos, ideologicamente poluído por finca-pés, uns boreais e outros austrais. E também conceptualmente escorregadio, com tantos a quererem botar opiniões sem entenderem o que é "património", apenas agarrados a umas pomposas noções que nem "senso comum" são, nada mais do que "vácuo comum" para se ser mais exacto.

 

Faço essa referência porque a referência à Ilha implica de imediato a erupção das ladaínhas, aquela que vitupera a destruição da Ilha, aquela que invoca a obrigatoriedade da sua recuperação sempre acompanhado pela do "Santo Património" aspergido pela Divindade Ecuménica "Cultura". Bem como a do papel histórico de Portugal (quase sempre aliada à melodia da "Gesta Portuguesa"), ou a ladaínha pós-colonial do "isso é coisa tuga", uma cena mais bota-abaixo as ruínas. E etc. etc e etc.

 

Então que fique explícito, o que abaixo se segue é o fruto do sentir e do pensar (e do olhar) de dois sportinguistas, o blogar de dois sportinguistas.

 

***************************************

 

Aqui fica reportagem que o MVF fez agora sobre a velha sede do Sporting Clube de Moçambique, na Iha de Moçambique. Abençoado silêncio (bloguístico) que a acompanha, a deixar viver a intensidade do arruinado. Friso que o edifício não tem valor patrimonial relevante, recente e desinteressante, sito na ponta da Ilha onde se situam alguns lamentáveis edifícios do período tardo-colonial (o exemplo máximo disso é a horrível Pousada, que os CFM, proprietários, não têm coragem de demolir).

 

É importante lembrar que o clube existe, e abaixo deixo duas fotografias minhas mostrando grafitis no caniço (macuti) que o provam. O Sporting da Ilha joga (não encontro fotografias de jogos que assisti), tem adeptos. Não se trata pois de apelar a que o SCP (Sporting Clube de Portugal) reestabeleça uma qualquer "lança em África" (como se dizia no tempo das conquistas), uma "filial". Mas sim de reconhecer a existência de uma relativa comunhão, um afecto futebolístico que é trans-identitário. Recorrente num mundo de futebol globalizado como o de hoje.

 

Mas ao cruzar esta arruinada sede, sabendo que o clube Sporting Clube de Moçambique existe, na cidade, e pratica, torna-se óbvio e desejável que o SCP possa ter um pequeno parceiro nesta cidade da Ilha de Moçambique, Património Mundial. Assim cruzando uma simbologia a acarinhar, um fruto comum, mesclado numa história diferente, convulsa, mas que pode (re)estabelecer ligações. As quais podem servir para criar afectos actuais, transidentidades constantes e futuras. E neste contexto actual, propício à reabilitação patrimonial de uma antiquíssima cidade que de novo está procedendo a uma lenta reconstrução (como tem sido cíclico na sua secular história) perceber que o Sporting (SCP) poderá ser mais Sporting em articulando com este pequeno Sporting (SCM) local.

 

Que belíssima operação - de afecto, de propaganda, de colaboração. De reabilitação, também. Acima de tudo de desenvolvimento. Que o nosso Sporting, o SCP, poderia fazer. Com o SCM. Haja a vontade. E a ideia.

 

 

 

 

 

 

e ainda

 

[jpt, Ilha de Moçambique, Outubro de 2006]

 

[jpt, Ilha de Moçambique, Outubro de 2006]

 

MVF nas fotografias; jpt no texto (e nas últimas duas fotografias)

publicado às 11:58


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