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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
No Expresso [abaixo transcrito] Paola Rolleta coloca texto sobre o Ibo e sobre os livros ontem publicados em Moçambique, "Ibo - a Casa e o Tempo" de Júlio Carrilho, e "Pemba, as Duas Cidades", de Júlio Carrilho, Luís Lage e Sandro Bruschi, edições da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico.
(Lembro os interessados residentes no estrangeiro, arquitectos, amantes do maravilhoso Cabo Delgado, amantes de livros e curiosos, que os livros podem ser encomendados na Livraria Escolar Editora que os distribuirá internacionalmente).
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Turismo no arquipélago das Quirimbas
Ilha de Ibo, um encanto decadente
Expresso, 30 de Setembro
Paola Rolletta
A ilha do Ibo - no arquipélago das Quirimbas - é um destino que começa a aparecer nos roteiros turísticos mais sofisticados a cinco e seis estrelas, como Quilálea e Matemo.
O Ibo ainda mantém um ar decadente, e já despertou o interesse nacional e internacional pelo grande património arquitectónico que possui, pelo que representa na história dos povos português e moçambicano.
"Casas de pedra e limo, bichos obstinados na sua quietude. Pacientes, embalados pelo vaivém das marés. Deixando que o sal lhes carcuma a pele por terem desde há muito desistido de contrariar o tempo", escreveu numa estória da ilha, João Paulo Borges Coelho.
As ruínas das casas, as ruínas das varandas, elemento tão característico da ilha, as ruínas das estradas, tudo isto foi levantado e estudado pela Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico (FAPF) de Maputo e publicado agora em livro, "Ibo - a Casa e o Tempo" pela pena de Júlio Carrilho, poeta e arquitecto e oriundo do Ibo. É apresentado ao público, em Maputo, juntamente com "Pemba, as Duas Cidades", levantamento da cidade de cimento e da "informal": a expansão recente da antiga Porto Amélia é constituída da adaptação à resistência permanente no ambiente urbano de uma tipologia de casa pré-colonial transformada e evoluída através de uma sabedoria antiga e ainda viva.
A ilha do Ibo já foi um terra de comércio de escravos. Quando a capital dos grupo de ilhas Quirimbas foi mudado para Pemba, a ilha do Ibo já não foi mais nada. Ficou refém das marés vivas e do esquecimento do tempo, com as varandas sempre mais vazias e sempre mais decadentes. Já se pensou fazer dela o centro de Zona Especial de Turismo, mas não deu em nada.
Hoje o ambiente é mais favorável e muito se deve à mudança de mentalidade da qual a FAPF é certamente uma das principais mentoras, com o director José Forjaz e uma equipa de arquitectos moçambicanos e italianos que estão a levar a cabo o levantamento do património arquitectónico moderno moçambicano.
Em Moçambique, onde os monumentos históricos não são certamente uma presença significativa, parece ainda mais importante tutelar este património arquitectónico que constitui a cara mais evidente das cidades de cimento, seja pela qualidade específica seja pela dimensão e o papel urbano, elemento importante pelo turismo urbano e sustentável, actual aposta de desenvolvimento.
"Ibo- a casa e o tempo" tem o aspecto mais de um diário de viagem do que um tratado de arquitectura. Júlio Carrilho, entre plantas urbanas e fotos de edifícios, relata as entrevistas feitas com os velhos habitantes que todos os segredos sabem das casas, das argamassas, da cal e das ervas usadas para ser mais forte. Reconhece um espaço especial a quem quando a maré não deixa pescar, come apenas maçanicas.
E faz um acto de amor para com a sua ilha, alimentando o optimismo da convicção de que "também o presente ciclo de degradação e um certo marasmo será ultrapassado pela redescoberta da riqueza natural, de novas vocações para o relançamento económico e social e da importância do património tangível e intangível das ilhas no seu conjunto e do Ibo, em particular".
""O tipo de património com que trata a arqueologia, neste caso a subaquática, encontra-se, no mínimo, em ampliação constante à medida que as escavações se vão realizando e à medida que os achados fortuitos se vão multiplicando, um pouco por todo o espaço nacional e internacional.Cabe aos órgãos governativos de cada país - a quem compete legislar, estudar, defender, animar e classificar o património cultural - a definição de uma política de intervenção esclarecida, responsável, orientada pelo sentido das prioridades e assente em estruturas de futuro, desde que esta seja devidamente suportada pela comunidade académica e amadora.Finalmente todas estas premissas nada serão se não gozarem do apoio da população directamente envolvida nos processos de gestão arqueológica.O primeiro passo a dar, será sem sombra de duvida, a elaboração de uma carta arqueológica subaquática, com todo os sítios da área considerada marcados e posicionados.Ora, a necessidade de conhecer os sítios arqueológicos de uma região implica a obrigatoriedade de se obter um vasto número de dados arqueométricos e geofísicos. O trabalho de prospecção torna-se assim, uma ferramenta essencial para a colecção desses dados, ao mesmo tempo que corrobora ou amplia as informações fornecidas pelas fontes escritas, sendo de destacar a importância da fidelidade de prospecção , bem como o aumento da importância do conceito de sítio.A definição de "sítio arqueológico" está intimamente ligada com os limites das conclusões que se podem tirar dos trabalhos de prospecção, já que é uma definição necessariamente aproximativa devido ao carácter restrito das interpretações cronológicas e funcionais.A arqueologia e a história constroem imagens que retratam, de uma forma verosímil, o que se passou anteriormente em determinado espaço, imagens essas que são validadas diferencialmente por diferentes públicos. Estas imagens, consumidas pelos próprios utentes do território, atribuem ao património arqueológico um valor de recurso corrente e de primeira necessidade porque, sem ele, a paisagem perde qualidade e transforma-se num vasto deserto desmemoriado. É, pois, fundamental a abertura do debate e do diálogo entre as forças sociais e políticas sobre o que realmente se pretende como política cultural para este tipo de património.No caso de Moçambique e da putativa polémica que se tentou levantar relativamente à reclamação dos achados, no meu entender, esse património, tal como o seu congénere em terra, é inalienável, indivisível e único.Logo, a questão da propriedade deixa de se colocar. O património cultural subaquático das águas de Moçambique passa a pertencer, não à região ou ao país, mas sim à Humanidade. Como a Ilha de Moçambique, Património Mundial.O fundamental agora é saber quem é que vai assumir as responsabilidades inerentes à sua gestão, com todos os custos que isso implica... até porque se pode sempre optar pela opção zero: afinal, um património afundado há 500 anos, poderá esperar outros 500 anos em condições de estabilidade ideais..."