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"…cheguei a um acordo perfeito com o mundo: em troca do seu barulho dou-lhe o meu silêncio…" (R. Nassar)
Há algumas semanas, antes das eleições portuguesas, escrevi aqui um texto "Prós e Contras (e Paulo Dentinho)" a propósito das críticas dos dirigentes socialistas à informação do canal televisivo público. Nesse texto critiquei, também as declarações de Porfírio Silva, bloguista, universitário, dirigente socialista e leio que apontado como ministeriável no próximo governo.
Porfírio Silva leu agora o texto e reagiu nos comentários do texto, considerando-se por mim caluniado. Como o postal é já antigo e, ainda para mais, como actualmente os comentários deste blog são pouco visíveis e menos visitados, e porque a calúnia é uma coisa mais-que-feia, aqui chamo a atenção aos interessados (idealmente: todos os que leram o texto) para a sua reclamação e, também, para a minha argumentação. São acessíveis nesta ligação.
Precioso exemplar esta última publicação da revista "Visão História", dedicada à história do império português em África ("origens e construção"). Competência em "aplicação" de inteligência, um tom nem celebratório nem auto-punitivo, um registo com a densidade necessária e sem ponta da rigidez académica, uma capacidade de abrangência notável, isto de em 98 páginas percorrer das influências no Kongo e a colonização de Cabo Verde desde fins de XV até aos meados de XX com a figura de Norton de Matos incluindo uma até vasta e deliciosa iconografia (gravuras e fotografias). Um punhado de artigos interessantíssimos, realço os do grande historiador Valentim Alexandre, sobre a construção do novo império após a independência do Brasil, do antropólogo Frederico Delgado Rosa sobre as "expedições científicas" de XIX, de Miguel Bandeira Jerónimo e José Pedro Monteiro sobre a história de apropriação do trabalho africano, da escravatura ao trabalho forçado, e mais sobre Moçambique o texto de Luís Almeida Martins (que assina vários artigos) sobre Gungunhanha e um outro sobre Marracuene, entre vários. Revista 5 estrelas!!!
E se se pensar que o seu custo equivale a 8 cafés (ou a 20-23 cigarros, consoante a marca), então torna-se obrigatório ir ao quiosque comprá-la.
A imagem é daquelas com tudo para se tornar icónica. A Universidade Católica da Beira comemora-se e convida para o efeito o antigo presidente Joaquim Chissano e o presidente do Renamo Afonso Dhlakama, numa óbvia celebração da paz. Como é tão usual nestes momentos libertam-se pombas brancas. Uma destas recusa-se a voar e caminha na sala, postando-se diante de Dhlakama. A gente sabe que é um mero acaso, momentâneo, apenas uma ave atordoada, desnorteada naquela sala, talvez enfraquecida pelo cativeiro. Mas estão lá todos os elementos para a decidirmos tornar simbólica, e cada um lhe colará um conteúdo peculiar (a ave convocando o abrasivo líder para a paz? a ave reconhecendo o arauto da paz? etc.) segundo a vontade e/ou crença própria.
Olhando a imagem o que me convoca é o momento do (benéfico) acontecimento. Ocorrido dois dias depois dos acontecimentos de Chimoio - sobre os quais escrevi aqui (assumindo como certa uma versão falsa? assumindo como certa uma versão certa?). Ou seja, logo após uma emboscada em Chimoio o líder do Renamo segue para a Beira para uma cerimónia, benfazeja e decerto que simpática, curial. Isto ainda mais me sublinha a consciência do quão volátil é a minha percepção da política moçambicana. No facebook, no grupo do blog, jornalistas moçambicanos (usualmente muito bem infomados e nada ligados ao partido Renamo) afiançam-me a veracidade dos acontecimentos de Chimoio. Outros meus conhecidos negam o caso (sem que deles se possa dizer que são agentes do partido Frelimo). Eu radico-me na minha incompreensão: de uma emboscada quase letal na estrada de Chimoio para uma aprazível cerimónia na Beira correm apenas dois dias? É possível, até pode significar um enorme auto-despojamento daquele líder, veterano do perigo. Mas é, para este vulgar mortal jpt, verdadeiramente surpreendente. Tanto que aquela foto que encima o postal me simboliza o espanto, continuado, face à complexidade dos discursos políticos moçambicanos, imperscrutável para mim. Também por isso me parece que a agência portuguesa Lusa [que noticiou o caso em primeira mão, tendo-o testemunhado] deveria ter algo mais a dizer. Fosse uma muito humana corrigenda ou uma também humana reafirmação. Até para sublinhar a sua excentricidade ao campo político moçambicano.
Sobre este caso Elísio Macamo, com a sua tenaz agudeza analítica, publicou um duríssimo texto. Para com a Lusa. E para com as instituições internacionais e os indivíduos que assumiram como certa a notícia, explicitada naqueles termos. Eu enfio a carapuça. Não sei os outros. Mas a agência está convocada para algo responder (está como o político diante da pomba, acho). E dada as suas características institucionais não me parece possível que se exima a tal.
Adenda: dizem-me que na última edição do Savana se noticia que 4 jornalistas de diferentes órgãos, entre os quais um dos colaboradores daquele jornal, testemunharam o ataque e confirmam a versão inicial. Continuo estupefacto ....
Nunca gostei do programa "Prós e Contras" da RTP e pouco o vi, e menos agora pois expurguei as estações portuguesas das minhas "listas de canais". Mas sei que a apresentadora o é há imenso tempo (se calhar desde o princípio, e o programa já tem 12 anos). Leio que Porfírio Silva, bloguista veterano e da direcção do PS, a quer fora dali por ser irmã de um dirigente do PSD. E que um deputado do PS quer afastar o director da informação da RTP, Paulo Dentinho, por causa do programa. A questão é simples: Paulo Rangel disse que os governos do PS se intrometiam nas investigações politicamente delicadas e o programa debateu essas alegações (naquele registo de uns "prós" vs outros "contras"). Já antes uns socialistas afirmaram, ofendidos, a inadmissibilidade dessas afirmações dada a obrigatória separação entre os poderes. Este é o tipo de argumento oriundo de dois tipos de locutores: os ignorantes, alheios a qualquer registo de análise sociológica; os demagogos, que a querem esquecer em momentos a la carte. Quem tenha cruzado, mesmo que em tangente, algo sobre a sociologia da justiça (e há muita gente na elite socialista que tem ligações, profissionais e até familiares, com os expoentes dessas linhas de reflexão) tem presente que o exercício da lei (e nisso também da investigação) é permeável aos diferentes poderes sociais, entre os quais os políticos. O princípio basilar é mesmo o da separação dos (3) poderes canónicos, e as instituições estão lá para o garantir ao máximo. O resto é a actividade dos homens, indivíduos e grupos, em prol dos seus interesses (mais ou menos) legítimos. Negar isto alardeando a confusão, ou seja a homologia, entre os princípios e a realidade social ou é pura ignorância ou rasteira demagogia. Teve Rangel razão no que disse, que sob o PS não se prenderia nem se investigaria um primeiro-ministro? Talvez sim, talvez não (é um contrafactual, nunca se poderá afiançar). Eu "acho" que sim, lembro-me de Sócrates a almoçar com o anterior procurador-geral da república mesmo antes de ser preso, para "discutir livros" segundo se disse, e isso leva-me a ter suspeitas sobre os comensais. E o presidente do sindicato do ministério público aventa pressões desse antigo procurador-geral sobre os magistrados com processos sensíveis (entre os quais os com políticos, depreende-se). Outros "acharão" que não. Então que se discuta ...
Significante é esta pressa do PS, começar já a afastar os jornalistas que não o servem. Ainda não está no poder e já esta procissão abalou do adro. Não há dúvida, eles vêm aí ... Noto o apetite pela cabeça de Dentinho, que conheci em Maputo no final de XX como correspondente da RTP. Gostando ou não do estilo, do tipo de abordagens, não havia forma de negar a sua coragem profissional e pessoal e a autonomia com que geria o seu trabalho. E lembro-me bem, na época trabalhava eu na embaixada portuguesa, de lhe aventar outras balizas para a forma como abordava o país, dado o impacto que as suas reportagens tinham (então só emitiam a TVM e a RTP). E ele mantendo-se impermeável às minhas opiniões e, muito mais do que isso, às pressões de funcionários de estatuto mais elevado do que o meu e às dos políticos idos de Lisboa. Sempre assente na sua deontologia, profissional responsável mas não funcionário para encomendas ou favores.
Uma postura que lhe trouxe agruras. Nas eleições do final de 1999 a contagem dos votos prolongou-se por semanas e, certo dia, o Renamo proclamou-se vencedor, em conferência de imprensa que ele reportou. Ao resumir as alegações do partido fê-lo sob um ricto que quem o conhecia sabia provir de um nervoso contido mas que ali foi entendido como festivo - e não o era mesmo. Tratou-se apenas da interpretação de um público então habituado a outra tipo de comunicação televisiva, muito mais hierática, até sob o ponto de vista corporal. A partir daí foi alvo, durante meses, de ameaças. Eu testemunhei uma, ambos sentados numa esplanada e uns miúdos vieram a correr dizer-lhe "Dentinho, estão ali uns homens, naquele carro na esquina, e mandaram-nos dizer que te vão matar". Ele estava em Maputo acompanhado da família e, ainda que renitente em abandonar o seu posto, acabou por partir devido à sucessão de ameaças, várias bastante mais assustadoras do que esta que narrei. E fez bem, que há riscos que não se correm, e os familiares nunca se correm - e eu também lhe disse, repetidas vezes, "vai-te embora pá!", que o trabalho e o pundonor nunca justificariam aquilo. Fiquei com amizade, ele um tipo porreiro, e respeito, intelectual mas também aquilo, se calhar já anacrónico, do respeito másculo para com os tipos que não dobram. Nem quebram.
Deixei de o ver. E vim a reencontrá-lo uma década depois, nisto do facebook. E ele a usar o seu mural pessoal para opinar com dessassombro sobre o estado do país, distribuindo bordoada, diária até, no actual governo e seus apoiantes. E eu surpreendido, o tipo aos 50 anos num posto decerto que muito apetecível, correspondente da televisão estatal em Paris, e sem pejo nem servilismos, botando opinião livre, em caneladas ao poder, sem aquilo do timorato a querer manter o lugarzito. Mais uma vez lhe louvei o peito feito, a verticalidade, mesmo que tantas vezes dele discordando. Há uns meses foi promovido, chamado a Lisboa para director da informação do canal público. Ou seja, em ano eleitoral a administração da RTP colocou no topo da informação um cidadão que, pessoalmente, critica quotidianamente o governo e os políticos no poder. Fiquei estupefacto, saudavelmente estupefacto. Pois achei muito significativo em termos políticos, muito democrática a postura do poder estatal.
Como também acho muito significativo, até mais, que os do PS já se estejam a movimentar publicamente para a escolha das vozes dos donos, as manigâncias com a comunicação social em que são costumeiros.
Nota de rodapé: decerto que alguns lerão isto como campanha pró-coligação. Já aqui falei sobre isso Mas tremo, é o termo, ao pensar que este PS vai voltar ao poder. Como me parece.
1. Por todo o lado opiniões muito veementes sobre aquela desgraçada fotografia da criança afogada. Bom momento para suspender o "memeismo" e ir comprar este "Olhando o Sofrimento dos Outros" de Susan Sontag, publicado há pouco na Quetzal. Bom corpo de letra, boa paginação, cento e tal páginas, escorreita escrita. Alimento para melhores opiniões. Ou, pelo menos, mais estéticas, parecendo mais lidas.
2. Muitos comentadores e "postalizadores" no facebook referindo que a desgraçada fotografia demonstra (grita até) a responsabilidade de todos nós no drama actual. Recuso-me à punição: não assumo qualquer responsabilidade sobre a situação síria ou qualquer outra adjacente. Nem aceito que a imputem a membros da minha família. Não tampouco aponto a algum amigo aqui em Lisboa responsabilidades na matéria - e presumo que os arrepanhados vigorosamente (nas teclas, claro) auto-punitivos não imputem similares responsabilidades a amigos meus moçambicanos. Pois a este tipo de olhos óbvio é que coitados daqueles, não só são africanos como tantos deles são negros. Gente assim, claro, inimputável destas responsabilidades alargadas sobre os males do mundo. Qu'essas como é sabido brotam sobre nós próprios, europeus. E mais ainda quando somos, e preferencialmente é assim que vamos e somos, brancos. Ou seja, mais maus, mais responsáveis. Entenda-se, mais gente.
3. Responsabilidades tenho, isso sim, nisso do perder tempo com estes opinadores. E com os "editais" jornaleiros, patéticos. Que estão bem para os seus leitores.
A época da bola começa domingo. O Sporting em dificuldades, primeiro a lesão do William, agora a maldita sorte no sorteio da antecâmara da liga dos campeões (aka xampions ligue), a defrontar(mos) os malvados soviéticos. No domingo a sempre tão importante e desejada supertaça. A campanha contrária já começou, críticas a um mero anúncio (aka spot) na tv, centrado no sempre-nosso Jorge Jesus. E críticas às suas declarações numa entrevista, nas quais se reclama demiurgo ....
E lembro-me de que há um mês tirei esta fotografia. Um belo exemplo da imaginação concorrencial (as virtudes do mercado) na imprensa desportiva. Essa mesma que agora vem (e virá?) criticar.
... "a televisão tornou-se em definitivo a fanfarra do homem comum. Em vez de alguém dizer ao Zé Ninguém o que ele devia escutar, tratava-se agora de escutar o Zé Ninguém (...) o homem sem qualidades elitistas.". Um texto muito interessante de Eduardo Cintra Torres: "O Povo na Televisão", publicado originalmente em 2010 no livro "Como se Faz um Povo" (organização de José Neves, edição Tinta da China) e agora disponibilizado na conta do autor na rede Academia.edu.
O Brasil-2014 valeu por três coisas, uma global e futebolística, duas outras nacionais (portuguesas), de ordem intelectual uma, futebolística outra.
1. O mundial valeu por este monumental golo de Van Persie, no épico jogo contra a Espanha. Simbolizando a equipa mais divertida do campeonato. O resto, aqueles imensos jogos, entre alguma simpatia mais ou menos acinzentada (a Argélia, a Costa Rica, o Chile) e o aborrecimento. Para sempre ficará também o affaire Mineirazo, mas isso não é do departamento futebol, mas sim da escatologia.
2. A comprovação que a opinião "comentatória" sobre o futebol (jornalística e popular) vale tanto como a sobre outros assuntos - e também por aí o estado do país. Numa fidelidade radical ao a posteriori (derivação do célebre "prognósticos só depois do jogo"), vale tanto como a areia do deserto (poderá servir para a construção mas tanto vale uma como outra qualquer). Os hinos (ou mesmo resmungos) à excelência alemã incapacitam-se de ver o que fez a equipa: sete jogos, dois muito mauzinhos, com resultados que até podiam ter sido outros, diante de equipas frágeis (Argélia e Gana, esta em convulsão desordenadora); dois jogos fraquinhos (Portugal, um mero treino em que ganharam por falta de comparência; EUA, um q.b. mediano a contento de ambos). Um bom jogo de futebol (com a França), mas sem nada de excepcional. Uma hipérbole, épica e irrepetível, acaso óbvio (o Brasil). E uma final onde podiam ter levado dois ou três, para além do penalti escamoteado ao oponente.
Boa equipa, belíssimos jogadores. Mas daí a este coro de elogios? Apenas o primado da opinião confirmatória.
3. Um punhado de futebolistas que jogam em Portugal destacaram-se: Alireza Haghighi, Rojo, Slimani, Haliche, Garay, Perez. Mas duas das três ou quatro figuras do mundial foram James Rodriguez e Herrera. Por mais que custe reconhecer continua a haver gente no F. C. Porto que sabe escolher jogadores. Ou, de outra forma, que não tem apenas opiniões a posteriori - como tantos treinadores de "ecrã" ou "sofá". Treinadores da bola e de tanta outra coisa.
Postal com base na temática da imagem acima:
Final do Mundial-2014, uma pantomina: juiz-de-linha defronte, sem nada nem ninguém a incomodar-lhe a visão. Idem para o árbitro. Uma grande penalidade óbvia, sem qualquer discussão, com o avançado Higuain abalroado (pontapeado) dentro da área pelo guarda-redes. E o árbitro, percebendo bem isso, arranja a inversão da infracção para justificar o aldrabismo.
Uma pantomina outra, menor, com os recursos do erário público português: o serviço público RTP comprou, a "bom preço" decerto e sob estranha justificação, as transmissões do campeonato mundial, assim prejudicando as outras estações televisivas. Os seus jornalistas acompanharam-se de uma vasta série de comentadores contratados (ex-jogadores, técnicos). No final dos comentários à final "auto-declararam-se", sem qualquer pejo, "a melhor equipa de comentadores de sempre". Nem um desses catedráticos da bola aflorou este assunto. Estas imagens nem foram para o resumo que prepararam. Os constrangimentos auto-infligidos dos que falam da bola.
Declaração de interesses: fiel amante do valente ribatejano Major James Eduardo de Cook e Alvega não consigo gostar nem da Alemanha nem dos alemães. Respeito sim, interesse sim, desejo "humanista" na sua felicidade sim. Prazer na sua alegria, nunca! E assim custa-me o dobro ver este esbulho da merecida felicidade argentina.
A VA irritou-se com a reportagem da TVI sobre os portugueses em Moçambique chamada "Maningue Portugal" - no dia em que um repórter português vier a Moçambique e não usar o "maningue" eu pago um "bar aberto", disponível a todos que se afirmarem leitores deste blog. Entretanto talvez se pudesse distribuir na Portela um glossário, nele explicando que "maningue" é um calão dos "tempos", certo que ainda ouvido mas algo em desuso, assim como se o nosso "pá". Em si o "maningue" não terá mal nenhum, apenas denota alguma origem sociocultural (e até geracional). Já a sua utilização constante pelo português turista, repórter ou recém-chegado é apenas ... bimba, uma pantomina de proximidade.
Acho que a VA exagera um pouco na sua azia. A dita reportagem (em dois tomos, somando mais de uma hora) é apenas mais do mesmo, daquilo que tanto tenho visto ao longo dos anos. Decerto que os anunciantes gostam - "maningue" - e os repórteres repetem. Talvez a pior de todas tenha sido ainda em XX, e relatei-a aqui. Que se chame "Maningue Portugal" a uma reportagem sobre Moçambique? Enfim, um bocado de mau gosto, mas acho que seremos nós, daqui, a sentir mais o fedor do título. Na "gasta pátria" a "crise" e a "pré-crise" implica(ra)m a obstipação intelectual, já o sabemos, nada nos poderá surpreender.
De algo gostei particularmente nesta reportagem, a parte sobre Maputo. Calcorreado pelo analítico jornalista Paulo Salvador que, para discernir o que se passa com os portugueses por cá, ali vi enfrentar o litoral Mercado do Peixe, a campestre FEIMA, o "campus" do "Estudos Gerais de Moçambique" (agora chamados Universidade Eduardo Mondlane), as escarpas do Hotel Polana (que manteve o nome), a embaixada de Portugal, o Ateneu Grego (agora chamado Palácio dos Casamentos), o mítico restaurante Piripiri, já dos "tempos", arrojadamente penetrar no hinterland, nele mergulhando até ao bas-fond "1908" e à famigerada "Villa Algarve", recuando depois e, após o vislumbre do restaurante "Monte Alentejano", aportar ao Jardim dos Namorados, indo ainda culminar no aparente ribeirinho do vetusto "Scala", lá onde se enceta a Av. da República (agora conhecida como Samora Machel).**
Neste vigoroso amplexo se discerniu o presente e as potencialidades disponíveis à "arte e engenho luso" (sic, perdão, tvi dixit). Exponenciadas, ainda para mais, pela voz popular moçambicana, brotada daquele tão unânime jovem condutor que nos garantiu aquilo que muito bem sabemos, nós Nação, e nós também os milhões de "telespectadores": que a colonização portuguesa foi boa, muito melhor, por exemplo, do que a da pérfida Albion teria sido (e foi, alhures). Sossegando-nos quanto ao futuro, reafirmando-nos o passado.
Foi, juro, sinceramente, palavra de honra, "maningue nice". E vamos morrer assim.
** Presumo que quem não conheça Maputo possa sentir que não entende este parágrafo.
Raramente ouço rádio, principalmente nos taxis. Quando vim para Moçambique atentei, por razões profissionais, nas então recentes RTP-África e RDP-África. Depois deixei. Mas ficou-me a memória dos projectos que sustentavam estas iniciativas mediáticas, inscritas na política de extroversão portuguesa. Afirmava-se, e até se procurou, a pertinência de estratégias constitutivas de perfis com conteúdos adequados ao público africano de língua oficial portuguesa e, marginalmente, a pequenos núcleos de falantes ou estudantes de português em alguns países africanos. Quanto aos imigrantes portugueses em África não eram considerados o alvo [diz-se "target" no jargão], e teriam outros meios de aceder à informação sobre a longínqua pátria, entre os quais, evidentemente, as RDP-Internacional e RTP-Internacional, pensadas e executadas a pensar exactamente nessa gigantesca mole de emigrantes portugueses.
Os anos passaram e não desfiz a ideia que tive no início. Estações com uma conceptualização preguiçosa e polvilhadas de profissionais emprateleirados. Conteúdos desajustados, polvilhados de informação muito institucional enviada das capitais africanas, e "embrulhada" com afrodescendentes simpáticos e um ou outro português oriundo das velhas colónias, estes marcando (reclamando) identidades "africanas" através de obtusos sotaques e apreço pelas mais superficiais características da sempre recordada "África".
Mas nunca pensei que este desajuste chegasse tão longe. Hoje, no taxi, vamos ouvindo um qualquer cançonetista da "lusofonia". E depois começa o .... tempo de antena das eleições europeias em Portugal. E, trânsito complicado, ali ficámos a ouvir longos minutos dos partidos portugueses (azar meu, começou o BE, falando a inefável Marisa Matias, dizem que agradável à vista mas nem acho tanto assim).
Mas viesse quem viesse. Tem alguma lógica, conceptual, estratégica, ou seja lá qual for, construir uma RDP-África, destinada aos públicos africanos que falam português, e massacrá-los com o "tempo de antena" eleitoral oficial? Não tem. Nenhuma. Apenas sintomático de uma gigantesca preguiça intelectual, de um "coçar a micose" político, de uma trapalhada intelectual até pungente. A pobre administração pública, a desgovernação política.
Uma vergonha seria. Se a gente não estivesse habituada.
comovidíssima, comovedora até. Na qual, e também por isso aqui a partilho, deixa uma palavra recordando Carlos Cardoso, jornalista moçambicano, aqui assassinado no princípio deste século.
Uma das expressões mais pirosas que gosto de utilizar é aquela do "fulano de tal faz o favor de ser meu amigo". É isso mesmo que sinto diante de Francisco Noa, uma mão-cheia de homem. Uma entrevista sua numa revista angolana: ÁFRICA21 FEVEREIRO 2014 Nº82.pdf. Na qual aborda, en passant, o estado da literatura moçambicana actual. E, mais em detalhe e com ponderação (que vai aqui escasseando), a situação de Moçambique.
Quanto à revista, à qual dei uma diagonal, fico surpreendido. Então uns tipos lançam uma revista em Angola e aplicam-lhe o acordo ortográfico? Ai, "podes tirar o miúdo de Lisboa mas nunca tirarás Lisboa do miúdo ....".
Isto da "necessária ligação da ciência com o mundo real", com a "produção" e a "indústria", bem como isso da "inutilidade" das "ciências sociais", é conversa antiga, e bem para além de Portugal. Muita gente a toma por "evidência" ("é assim mesmo"). E é um discurso que pasta na verrina contra os doutores - "somos um país de doutores" sempre se resmungou no Portugal de tão poucos doutores -, algo muito devido à cagança doutorista dos sôsdotôres, esta também possível pelo facto de estes serem (relativamente) poucos. Por isso a actual remodelação dos custos e procedimentos com a ciência em Portugal não traz argumentações novas nem verdadeiramente surpreendentes - mesmo o historiador Rui Rocha invectivando o despesismo (que soa sempre bem) e o clientelismo político-científico (se calhar com alguma razão) quando considera que o investimento científico produz uma sociedade obscurantista (algo que tanto chocou tantos ouvintes) é uma "actualização" pouco inovadora do (tão rico, se visto na sua densidade) discurso "Counter-Enlightement". Sim, há alguma razão na oposição ao "produtivismo" científico, com a avaliação quantitativa e com algumas temáticas bizantinas (e neste mundo de ideologia identitarista o que não faltam é, literalmente, pesquisas bizantinas). Mas é (também) disso que se faz a ciência.
Há gente muito mais capaz para dissertar sobre isto. Mas deixo algumas ligações a textos sobre a polémica actual, com particular atenção à crítica contra a (utilidade e pertinência) das ciências sociais, também de quando em vez elevada em Moçambique. Dois exemplos de que o sarcasmo, por vezes, pode ser uma boa arma: Salvaguardo já alguma pequena incorrecção mas ouvi isto na rádio (sabe o que é? aquele aparelho que tem no carro que lhe dá as notícias e o trânsito? já ouviu falar de Maxwell? Foi a investigação dele na teoria do campo eletromagnético que deu origem à invenção do rádio, sabia?), escreve, letal, a astrónoma (e analista de negócios) Paula Brochado ao ministro da Economia. No Macroscópio está a transcrição do texto de Diogo Ramada Curto, publicado no Público, e a acertar no alvo.
No Público a jornalista Ana Cristina Pereira deixa um artigo sobre as ciências sociais, que permite reflectir para além das evidências (já agora, um dos papéis das ciências sociais é esse).
O populismo que reinou em Portugal nas últimas décadas tornou o país num "comboio descendente", parece(u)-me óbvio. Desesperadamente óbvio. A memória é muito selectiva. Os socratistas que ainda andam por aí (louvando os dotes regeneradores do PEC 4, por exemplo) fazem por esquecer que "crise global" explodida o caudilho ainda queria fazer TGVs e aeroportos, e disso não falam, que não convirá ao "mind-lifting" que pretendem.
Mas uma coisa é tentar tornar sustentável um modelo civilizacional, entre os constrangimentos internacionais e as pressões clientelares internas. Outra, bem diversa, é o obscurantismo anti-científico. Que brota por lá.
Não gosto de revistas. Ou, melhor dizendo, nem as leio, não é dogma nem quaisquer princípios, é qualquer coisa com o formato . É algo estranho, ainda por cima porque cresci com o culto, fanatizado, da Tintin semanal, de que tenho colecção quase completa depois de um tirocínio, já em idade adulta, pelos alfarrabistas lisboetas (falta-me, confesso ainda hoje amargurado, o segundo semestre do primeiro ano). E porque ostento, orgulhoso, a colecção da "A Fauna", armazenada em dez magníficos volumes, a qual não só acompanhei como vim a herdar do meu avô materno. Já crescido li, em varanda vizinha, a minha quota parte da Métal Hurlant e da À Suivre. E folheei a Rock and Folk, e algumas suas sucedâneas, em busca de histórias e historietas do Kiff, the Riff. Depois deixei, ter-me-ei irritado com algo. Nos anos 90, quando tinha dinheiro, comprava-as e folheava-as, nem as guardava (nem lia, para dizer a verdade). Desses tempos ficaram-me apenas dois exemplares da Magazine Littéraire, centrados em Bourdieu e em Borges, que vou encontrando nas estantes, bem arrumadinhas ao lado dos livros desses autores. Da vida profissional ficou-me uma pilha (quase, quase completa) da magnífica "Oceanos" (que o Rui Pereira animou durante anos) e uns anos da "Revue Noire", recebidos quando fui um breve (e oficioso) agente da francofonia em África (ai, que saudades, ai, ai ...). É assim. Hoje, que conto o dinheiro moeda a moeda, nem pensar nelas. Vou a Lisboa, vou à Barata, acariciar alguns livros, falo com o Bruno, livreiro que me recomenda os discos que não posso comprar, ele dá a sua visão do burgo através do movimento de verdadeiro consumo cultural, e acabo por, penosamente, desfazer-me de uma parca quantia, trago aqueles "fora de série" franceses, revistas temáticas, uma ou duas por semestre, não mais.
Não fizeram assim os meus pais, tenho a casa cheia (também) de revistas, arrumadas e ordenadas, das mais variadas temáticas e eras. Um pouco mais anárquicos estão montes de Ler dos anos 90 e 00s, lá pelos quartos dos fundos. Eu ainda ali vivia quando elas chegavam, e nem lhes tocava. Não era temática muito do meu interesse (antes ler os livros do que sobre os livros, sempre resmunguei), já disse que não lia revistas. E, acima de tudo, aquela era ilegível, uma paginação artística, cheia de coloridos variados, uma mariquice insuportável que tornava a sua leitura uma árdua tarefa visual (e eu via bem melhor do que agora). Que um tipo tenha que puxar pela cabeça para ler, vá que não vá, agora pelos olhos??
Hoje chego lá e em momentos de maior fastio retiro, ao calhas, um velho exemplar, duas décadas ou assim para trás. É ternurento. Alguns tipos que aguentaram o passar do tempo ou o vão aguentando, outras obras (in-con-tor-ná-veis ou pro-me-te-do-ras) que a gente já nem lembra. Não critico, é assim mesmo. Mas, mais do que tudo, é interessante revolver a revista. Significa que era .... boa. Depois saio de casa, entro ali na Bertrand fronteira, e pronto ... Olho para a nova Ler, que tem logo a vantagem de ser muito mais legível, há muitos anos que mudaram de aspecto, mandaram às malvas o engraçadismo anterior. Dou-lhe crédito dados os antecedentes (antepassados, quase), e vou-a comprando, duas ou três por ano. Apesar de ser revista. E de ser cara, cinco euros é taco, mil paus dos antigos, e em Lisboa o dinheiro escorre-nos das mãos, é preciso embolsá-las. Foi assim que cheguei ao último número, mais do que recomendável (quem a quer? já disse que não guardo revistas), até interessante pois cheio de gente dos blogs, que um tipo foi conhecendo (lendo) ao longo dos anos. Uma boa entrevista com Vasco Graça Moura (de que trouxe o último livro "A Identidade Cultural Europeia", publicado pelo Pingo Doce), que é um homem incontornável. Um texto delicioso de Onésimo Teotónio Almeida (que é uma maravilha de cronista), sobre a aprendizagem em jogos de vídeo, algo que deveria estar acessível, fantástico, só aquilo justifica a publicação. E um texto - muito anglófilo, muito an-gló-fi-lo - sobre a escrita de diálogos na literatura, de Rogério Casanova, muito bem esgalhado. E foi-me giro acabar a revista e regressar aos diálogos de Mark Twain nesta minha releitura do "Huckleberry Finn" ... (que não está no artigo, muito dado ao contemporâneo).
Vão ler a revista. Vale a pena. Peçam-na emprestada, que a vida não está para luxos.