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Há algumas semanas quando Eduardo White morreu escrevi um texto sobre ele (que se calhar deveria ter escrito quando ele em vida), sobre a aventura que foi a edição de um livro por ele organizado "Rostos da Língua. Breve Antologia de Autores de Língua Portuguesa".

 

Escrevi-o com os meus livros já empacotados, encerrados num contentor, tal como o meu computador imóvel, ali esperando uma travessia transoceânica. Ou seja, as imagens e fotos que vim digitalizando. Portanto procurei na internet uma imagem da capa do livro, para encimar o texto, e não a encontrei: o que demonstra bem o menosprezo (para não dizer pior) do Instituto Camões por uma edição sua (ainda que a chancela fosse, então, tripla). Nem lhe digitalizou a capa, nem o terá distribuído de forma a alguém o fazer - e nem vou recordar as microdicências que a este propósito ouvi dos então responsáveis daquela instituição. Adiante, descobri agora a imagem da capa do "Rostos de Língua" num álbum que fiz para o facebook, "livros relacionados com Moçambique", uma coisa mais ou menos insana, maníaca, onde vou juntando centenas de capas de livros que fui lendo ao longo dos anos.

 

Capa para o qual o Eduardo exigiu a presença da pintura do Naguib. Está aí, com o cordão envolvente lacrado, coisa que deu bom trabalho.. Lá dentro páginas A4, soltas, com poemas e excertos de prosa, para serem lidos, distribuídos, trocados, mastigados.

publicado às 10:35

(Shikhani) 

 

 (Naftal Langa)

 

 

Foi no "A Bola" que soube desta exposição "Tempo da Arte" no Camões, inaugurada pelo primeiro-ministro Passos Coelho. Logo janto com Ídasse e digo-lhe, ele a surpreender-se, "estás na Bola, é a glória", avanço-lhe, qu'isto de artista plástico no velho jornal desportivo "é a consagração de carreira", e rimo-nos. Trata-se de uma selecção da colecção do centro cultural português, obras que têm vindo a ser ofertadas ao longo dos anos por artistas moçambicanos e portugueses que ali têm exposto. E teria sido uma interessante nota para o dito jornal, lá está presente um quadro de Albertino, esse que  admirei no Boavista e resmunguei no Porto dos tempos do Pedroto. 

 

No fim-de-semana fui lá ver a exposição, que muito se justifica, pelo conteúdo e pelo olhar que permite sobre a história da instituição. Uma mostra abrangente, cerca de 30 obras, que julgo abarcar desde as actividades dos inícios dos anos 1990s, nos então "serviços culturais da embaixada", dirigidos por José Soares Martins, período a que se não estou em erro corresponde uma obra de Eugénio de Lemos, agora exposta. E se desenrola, com obras naturalmente mais recentes, correspondentes à actividade regular daquele centro, inaugurado em inícios de 1997. Com presença de artistas portugueses relevantes na interacção das artes plásticas dos dois países, como  José Júlio (o sempre dito pintor-faroleiro), José Pádua, e também já de gerações mais novas José Paiva, que durante anos animou o projecto de cooperação artística Identidades, ou mesmo Júlio Resende, que teve uma mais episódica ligação com o país. E um bom painel sobre o momento actual moçambicano, desde os mais recentes, como Morim, Simione, Tomo, Mudaulane, Filipe Branquinho (em versão não fotógrafo). E Ndlodzy, mestre escultor da sua geração, lamentavelmente muito retirado das lides.

 

E também alguns dos mais antigos, já partidos neste ocaso de uma geração de fundadores da arte moçambicana, sempre para recordar, com verdadeira saudade. O enorme Shikhani, minha preferência nacional, Naftal Langa, mestre escultor agora mesmo falecido, Samate.

 

 (Nlodzy)

 

Um painel destes merece, realmente, uma visita. E também por isso foi bom que tivesse sido inaugurado a alto nível protocolar (sim, sei que haja quem resmungue contra isso, mas não tem qualquer razão). Pois convoca a atenção para os caminhos de aprendizagem mútua e enriquecimento mútuo feito através das articulações culturais, ou mesmo da mera fruição.

 

Por isso mesmo é muito interessante, e tão satisfatório, ver esta pequena reportagem realizada pela estação moçambicana TIM (ou seja, não são meras palavras simpáticas para a RTP-África). Onde esta articulação e a sua pujança actual é saudada e elogiada, por Chiziane, Lucrécia Paco e Mia Couto. E desejada. Há espaço e vontade, para além dos economicismos, e destes modelos de desenvolvimentos produtivistas que vão grassando. Há gente, agentes culturais e institucionais. E há um intercâmbio crescente. Ainda bem. Ou, como se diz noutra língua, oxalá.

 

 

 

 

 

publicado às 22:23

 

O ano lectivo do ensino português começa para a semana. A Escola Portuguesa de Moçambique reabrirá as suas portas, para bem dos seus alunos e descanso dos respectivos encarregados de educação. Globalmente a escola funciona bem, e se tudo o que é humano é criticável neste caso o saldo é bem positivo. Está portanto de parabéns a Escola Portuguesa de Moçambique.

 

E, muito em particular, porque consegue deixar uma mensagem no seu sítio electrónico, anunciando as modalidades de "receção" dos alunos (que começarão no dia 3 de "setembro" e prosseguirão), em que não abundam os erros ortográficos. Tem, mas não são abundantes. Coisas deste Acordo Ortográfico, a tralha que alguns dizem ser inconstitucional, a tralha que o secretário de Estado (ou "estado"?) diz ter que ser revista (e, se assim é, como pode ser ensinada neste formato?), a tralha que, assim sendo, está à experiência. Claro que a desobediência cívica é difícil de exigir aos funcionários do Estado, como são os docentes. Claro que é desumano criticar uma pequena falha (quem não as comete?). Mas tudo isto é sintomático da confusão gerada por esta tralha ortográfica: apesar do cuidado (óbvio) e da competência (reconhecível) a Escola recebe (receciona?) os alunos e encarregados de erro ortográfico em punho (já vi na internet denúncias de situações muito piores, escolas com grafias anárquicas).

 

Já agora, e para que não se diga que agrido a EPM (a obedecer o melhor que pode às dementes ordens oriundas dos saudosistas homográficos) será de consultar com algum detalhe o sítio do Instituto Camões Maputo, sede local da versão portuguesa do português. E ver como também, apesar do evidente esforço, a confusão gráfica ali reina, uma evidente heterografia.

 

A minha solidariedade para os que, em ambos os sítios e nos respectivos "sítios", têm que viver com o Alzheimer lusotropicalista.

 

jpt

publicado às 18:22

Festa fotógrafa

por jpt, em 30.09.11

[Fotografia de André Almeida]

 

O exposição (material) do Projecto 30 inaugurou ontem no Camões de Maputo, uma fotografia por fotógrafo e um diaporama mudo,  este mostrando o total das fotografias que foram incluídas no movimento (900?). A ideia está super-divulgada (ver ligação) e até já tem historial e quasi-manifesto publicado.

 

Tem sido uma festa fotógrafa. 30 tiradores de fotografias congregados no espaço aberto do facebook decidem entre-mostrar o que têm feito (ou o que decidiram fazer para o efeito, o que ainda é mais interessante). Um grupo, fluído mas de geração - que se há traços comuns ao colectivo é o etário. Alguns, pouquíssimos, profissionais. E alguns, também poucos, amadores. O resto são mesmo tiradores de fotografia. Estes últimos creio que assim, nisto, a elevaram-se a amadores, a grande palavra. Magnífico fruto desta farra fotógrafa ...

 

Com as tecnologias de hoje, baratas e rápidas, a fotografia tornou-se a mais democrática das formas de expressão - até pela sua imediatez. E neste contexto foi muito interessante assistir ao projecto e à festa ritual de ontem - a "inauguração" daquilo que antes foi inaugurado 30 vezes 30, através dos murais facebookianos dos "trinteiros", os fotógrafos participantes. Nesse sentido ontem terá sido mais uma "encerração", festiva e feliz. E com isto não procuro um trocadilho, apenas sublinhar a mutação das formas de expressão e comunicação, uma radical democraticidade, de olhares e dizeres.

 

A qual tem como um dos corolários uma transformação do papel das instituições ou mesmo dos "locais" "culturais" - algo a pensar pelos gestores culturais (eu abomino a expressão mas tornou-se canónica), perdido que está o monopólio das "paredes", agora estas nos ecrãs de todos nós. E assim também perdido o estatuto de indutores, grão-seleccionadores.

 

Muito mais haverá a dizer do efeito sociológico destas formas de comunicação e interacção, "rizomáticas" dir-se-ia se noutro registo. Um mundo muito menos piramidal, um mostrar o  mundo também mais igualitário, um criar mundos ao alcance de tantos. Ainda que subsistam, claro (e ainda bem), "maîtres à clicquer". Na fotografia e em tantas outras áreas. Passear por esta exposição é também reconhecer como são apreendidos esses "mestres", alguns nomeáveis, outros sendo apenas contextos, mestres-contextos.

 

O que está mostrado? Olhar esta exposição não será "ir ver" as fotografias, mas sim o que elas transportam desse tão-Maputo assim congregado. Para quem foi à festa de ontem foi explícito, ali uma mescla maputense, dos tantos e tão diversos que viram (e fotografaram) e dos tantos mais e tão diversos que quiseram ir ver o que antes tinham fb-seguido. Uma heterogeneidade como eu nunca antes encontrei aqui. A saudar ainda para mais numa cidade/sociedade tão espartilhada (e, às vezes, acantonada). Assim sendo o que lá está?   A tal mescla maputense, os vários mundos de representação que herdou e produz (e o pirosice das legendas em inglês, claro, mas porque não haveria o arrivismo lá de fora entrar nos teclados facebookianos?).

 

Não ir exactamente para "ver as fotografias" não significa reduzir estas, delas nos apartarmos, mas encontrar no seu conjunto um outro-mais, indagá-lo. Ainda assim, talvez por atitude reflexa, ao entrar naquelas salas apinhadíssimas de gente de imediato atentei numa fotografia,bem longe de mim, e corri a furar caminho para dela averiguar o autor. A tal atitude reflexa. A trazer-me sorriso. Por ela própria. E, muito mais, por ser de quem é ...

 

Enfim, obrigatório ir ver, durante as próximas semanas.

 

[Os trinta trinteiros (fotografia de Nuno do Rosário)]

 

Em jeito de post-scriptum: como acima disse o Camões de Maputo estava cheio como nunca o vi. Fotógrafos e interessados. Porque o meio de disseminação (FB) da comunicação é supra-ágil, e conta com a verdadeira adesão dos interlocutores; mas também porque o projecto era apropriável. Entenda-se, interessante, indutor, criador de criações. E também popular.

 

Convém sublinhar este ponto, lateral ao projecto em si. Pois nos últimos tempos a pobre programação do Camões vem-se sublinhando. Sinal máximo é a recente apresentação de duas exposições de fotografia amadora, imediatamente antecessoras a esta (e a "Projecto 30" só entrou porque uma outra, decerto do mesmo calibre, foi cancelada). Sem rodeios, eram horríveis (e, já agora, ombrearam com o lançamento do livro infantil da Dama do Bling!, uma sequela "madonnista", de presença absurda em tal local).

 

Exposições mal montadas, tecnicamente inaceitáveis. E, pior ainda, descabidas. A primeira um mero conjunto de cansados estereotipos, uma colectiva de postais de paisagens e rurais ditos típicos - com a mulher do msiro, claro -  intitulada qualquer coisa como "Moçambique na minha alma", e até bastaria o título para se antever como o pobre olhar excêntrico não saía de si mesmo; e uma segunda absolutamente pungente,  até tétrica no seu ridículo, a envergonhar o espectador, coisa de senhora minha patrícia, com toda a certeza muito boa pessoa, toda entusiasmada e benfeitora na sua aventura africana, e nisso dedicada a fotos de crianças, essas "beleza africana" e "anjo africano" que decidiu intitular e mostrar (e a senhora do msiro também me parece que aparecia), para além das angélicas paisagens africanas, claro. Coisa de quermesse pequeno-burguesa lisboeta? Pois.

 

É certo que um mero centro cultural não é obrigatoriamemte um local de excelência nem será de rupturas. Mas não é de impensamento. Terá que ter um rumo, por amplo que seja. Mas como tem vindo a ser nos últimos tempos é uma vergonha. Uma desadequação aos tempos-lugares, uma reprodução de estereótipos, uma ausência radical de critérios, uma incultura.

 

Nesse sentido pode ser que a energia e a criatividade destes "trinteiros", e o interesse que despertaram na cidade, reanime aquela casa. Nem que seja por osmose. Por isso mesmo a minha vénia à leitora Conceição Siopa que, extravasando as suas responsabilidades, teve o discernimento de levar estes trinteiros para aquela casa. Ela a mostrar que há gente.

 

[Conceição Siopa (leitora ICA) apresenta a exposição (foto Nuno Rosário)]

 

jpt

publicado às 13:22

Aprender a Contar Histórias

por jpt, em 06.05.11

 

 

Tricontando é o blog de uma professora da Escola Portuguesa de Moçambique, Tânia Silva. O qual acabo de conhecer (entre os meus impropérios - o perfil da autora anuncia a sua crença no obscurantismo astrológico, das raras coisas que me impele para amolar as cimitarras). Mas enfim, tralha dos signos à parte ("cada um como cada qual" prega, altaneiro, o Teixeira iluminista deixando o siamês Bin Laden Teixeira furibundo, ainda para mais porque anda acabrunhado nestes últimos dias) refiro o tal Tricontando pois acaba de me chegar via e-mail a informação de um Workshop "A arte de contar histórias", no Instituto Camões, que a sua autora realizará a partir de amanhã. Deixo abaixo a informação, não sem referir dois pontos:

 

a) Se o Instituto Camões é o Instituto Camões não será de falar e escrever português? Ou seja, não será do tal de workshop ficar à porta e, escrever-se "oficina" ou coisa quejanda? ... é que há palavras, suficientemente significantes. Foda-se ....

 

b) Para uma actividade que ocupa quatro sábados seguidos não será de fazer a sua divulgação (a electrónica, pelo menos) bem antes da mísera (para este efeito) véspera? Ainda para mais visito, agora, o blog da formadora que anuncia o "Workshop" (lá está!) num texto de 27 de Março ...

 

Enfim, o que interessa é o aprender a contar histórias. Quem puder ...

 

O que se quer dizer com “contar histórias”? O contador de histórias tem o dom de fazer viajar a sua audiência, despertar-lhe sentimentos inimagináveis ou apaziguar os seus medos e ânsias. Neste workshop vamos encontrar técnicas de encantar adultos e crianças através da voz, do gesto e da palavra falada.

 

Objectivos: -Explorar e conhecer técnicas de contar. -Descobrir e desenvolver o estilo pessoal de cada participante de forma consciente. -Trabalhar a segurança e a auto confiança na apresentação em público. -Dar a conhecer técnicas e estimular a criação de repertório.

 

Número máximo de participantes: 12 Número mínimo de participantes: 6 Data/Horário: Sábados: 7/14/21/28 de Maio| Das 09h às 13h Público-alvo: Actores, Professores, Educadores de Infância, Animadores Sócio-Culturais, Bibliotecários, Pais e curiosos pelo tema. Local: Instituto Camões, Maputo Formadora: Tânia Silva Preço: 1500 MZN Inscrições na Biblioteca do Instituto Camões.

 

jpt

publicado às 13:39

Instituto Camões em Maputo

por jpt, em 08.09.07

E também acaba hoje a mostra do acervo do Instituto Camões em Maputo, 42 obras de autores moçambicanos e portugueses que expuseram naquelas instituição (presumo que desde 2000, como explicita a documentação referente à anterior mostra semelhante, dado que esta não tem referências de datação). Um bom momento para olhar a actividade de "cooperação" que a instituição vem fazendo desde então no domínio das artes plásticas. E a próxima mostra poderia trazer algo mais profundo sobre essa actividade bem como sobre o contexto em que decorre, e ainda sobre os autores representados, mera proposta minha.

publicado às 11:13

As cartas anónimas

por jpt, em 06.01.04
Aqui longe vejo o meu país indignado, remoendo cartas anónimas e discutindo-lhe o estatuto, como se não fossem lixo. Até arma política as imaginam, arremessada contra a actual oposição. Com a sageza que lhe é natural Francisco José Viegas encerra no Aviz qualquer discussão sobre a matéria.

Mas antes vi uma perspicaz abordagem histórica de Helena Matos, nada do agrado de Vital Moreira no Causa Nossa, colocando o cerne na recepção das cartas e seu tratamento: “A questão do destinatário é crucial quando se trata de cartas anónimas. É o destinatário e não o remetente quem define a fronteira entre a dignidade e o aviltamento quando se trata de cartas anónimas...É [nele] que muda a natureza das cartas anónimas quando se trata de ditaduras ou democracias. É no destinatário que se inicia o processo de separação entre o que é apenas um reflexo do ódio e da maldade e o que é a expressão de um problema...”

Já que se apelou à história então surjo com a etnografia. Um episódio recente, tempos em que a oposição era poder, a querer-se prova de que estas tralhas e seus agentes não têm partidos. Mas têm outras coisas.

Há alguns anos trabalhei em Moçambique com um grupo de professores portugueses. Por razões várias, talvez mais logísticas que outras, neles grassava a inimizade. Fui de antemão avisado da regular emissão de cartas anónimas vituperando personalidades e comportamentos, e cujos detalhes denotavam uma autoria interna ao contingente. Logo recebi a primeira carta, e depois outras. Algumas fingindo um português básico de quasi-iletrado local, outras nem tanto. Comunicava-as aos visados, num quase jocoso “olhe, lá veio mais uma carta” que se cria e queria apaziguador de uma gente sempre receosa de que uma má imagem assim construída significasse a não renovação de contratos, esta sempre decidida com a tradicional subjectividade lisboeta, tão tortuosa é ela. Se os visados as queriam ler faziam-no. E depois cloaca abaixo.

Entretanto uma nova direcção da tutela surgiu. Emanação pura de segmentos intra-partidários, praxis socialista oblige. E foi então que recebi uma comunicação oficial, o célebre "telegrama", contendo cópia de duas páginas elaborando sobre a vida pessoal de uma das professoras, entre as quais lembro ser denunciada a sua frequência da esplanada do Hotel Polana.

Carta anónima assim tornada elemento de arquivo, no seu dossier pessoal. E espalhada pelos diferentes serviços do ministério da tutela (e quem se nega a ler uma tralha destas?), assim aspergindo a senhora da universal dúvida, pois é radical o mandamento de que “não há fumo sem fogo” e as mais inócuas afirmações feitas acusações são sempre catalizadoras das imaginações.

Espantosa era ainda a instrução que acompanhava a cópia: “Queira comentar afirmações”. Lembro ainda a minha sucessão de pragas acompanhando a questão muda “mas porque raio não telefonaram?”, de modo a que se evitasse toda aquela sujidade assim tornada pública.

Hoje sei o quão enganado estava. Eram tempos em que, talvez preguiçoso, seguia o Kypling de "Prefiro pensar sempre o melhor das pessoas... é uma atitude que poupa muitos aborrecimentos", e tomei o acontecido como um erro, a inexperiência de académicos recém-chegados à gestão da coisa pública, ao comando de pessoas.

Sei hoje que não é assim, é algo muito mais profundo, que essa manipulação das anónimas atoardas é uma estratégia de gestão. Que uma carta anónima é apenas o cume da utilização da delação e da maledicência como mecanismos de controle e de avaliação profissional em instituições desprovidas de veras estratégias formais (burocráticas) para os realizar. Porque lhes faltam as competências e os objectivos. E assim, nessa total irracionalidade por vezes surda por vezes gritada, legitimando as práticas nepotistas no seio da administração. Por isso quando Helena Matos diz “É no destinatário que muda a natureza das cartas anónimas quando se trata de ditaduras ou democracias.” é fundamental lembrar que não são estes dois pólos, que vivemos numa democracia polvilhada de ditaduras parcelares, gânglios que acoitam e reproduzem as lógicas patrimonialistas e até étnicas (aí chamam-lhe regionalismo) que vão suportando o exercício do(s) poder(es).

A carta anónima é um corolário. Arma não de partidos mas sim de um processo de ademocratização. Amoral. E como tal muito mais perigosas, profundas, estruturais, do que este triste episódio aparenta. Pois agora explodem no reino da justiça. Referindo até, mas não sujando, o Presidente, símbolo e cidadão estimável (e do qual sou eleitor). E alguns dos seus pares, talvez sujando alguns, injustamente.Mas não posso deixar de lembrar todos esses que assim vivem e se reproduzem. Hoje por certo muito indignados com a aleivosia que tocou os respectivos patronos. Mas firmes, convictos, das suas práticas, prontos para o regresso que ambicionam.

Uma pequena nota final: a tal professora não viu o seu contrato renovado. Outros, em similares circunstâncias, ficaram.

publicado às 20:02


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